Ação do Fed evidencia risco de estresse de liquidez no mercado de crédito dos EUA
Entenda por que as empresas americanas correm risco de não pagar suas dívidas
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Uma das primeiras coisas que aprendemos em finanças é que os ativos de risco geralmente são os que respondem mais favoravelmente quando a autoridade monetária baixa os juros, ou faz um afrouxamento monetário.
Mas o que será que aconteceu nesta segunda (16) com as Bolsas, principalmente nos EUA, com os principais índices caindo mais de 10%, acionando circuit breakers por todo o lado? A maior disponibilidade de dinheiro na economia, assumindo um cenário tranquilo de inflação, seria motivo de regozijo para os adoradores de risco, pois menores juros geralmente levam investidores a querer correr mais riscos.
No entanto, o buraco parece ser bem mais embaixo em relação à intervenção do Fed, o banco central dos EUA, ao baixar o juro para um intervalo entre zero e 0,25% e ao mesmo tempo anunciar recompras de títulos públicos (treasuries) em um volume de US$ 500 bilhões, além de US$ 200 bilhões em Mortgage Backed Securities (MBS).
Nos últimos dez anos, várias empresas do índice S&P 500 tomaram empréstimos bancários, já que o custo era baixinho, para poder recomprar suas próprias ações.
Contabilmente, o lançamento é simples: quando uma empresa recompra uma ação, ela fica alocada no patrimônio líquido da companhia. Se a Bolsa e o preço da ação sobem, então o patrimônio líquido (PL) da empresa que recomprou a ação sobe também. Maior patrimônio líquido (PL) e a mesma dívida levam a um indicador de risco dado pela razão entre dívida e PL melhor. Sim, pois a empresa passa a dever mais para si mesma (PL) do que para outros credores (bancos).
Agora imagine um cenário adverso de queda das Bolsas e do preço das ações recompradas. Ou melhor, não precisamos imaginar, pois esse cenário é exatamente o atual. Nesse cenário, a percepção de risco de crédito dessas empresas se deteriora, o que faz com que os bancos que emprestaram recursos para essas empresas recomprarem ações tenham de adequar seus capitais, dado o maior nível de risco a que estão expostos.
Não nos estranha, portanto, o anúncio de que vários bancos e empresas encerraram seus programas de recompra de ações.
Infelizmente, esse ainda não parece ser o fim da história. Na semana passada, Arábia Saudita e Rússia resolveram aumentar a oferta de petróleo, mesmo em uma situação de menor demanda. Com US$ 900 bilhões de títulos corporativos emitidos pela indústria de óleo e gás dos EUA para financiar a exploração e a produção também do petróleo de xisto, a queda do petróleo muito em breve levará a uma queda na percepção de risco dessas empresas e de seus bancos credores.
O ingrediente principal desse caldo parece ser a extrema necessidade de os bancos americanos adequarem seus níveis de capitais, dada uma maior exposição de risco.
Nota-se que nível de liquidez do mercado de títulos públicos americanos (treasuries) diminuiu drasticamente, o que fez com que o retorno da ponta final da curva de juros ficasse acima das mínimas, mesmo com a queda de juros anunciada pelo Fed testemunhando uma necessidade de liquidez maior por parte dos bancos que buscam vender seus treasuries, para fazer caixa e adequar seus níveis de capital.
Nesse ponto, é crucial perceber o risco de um provável estresse de liquidez no mercado de crédito dos EUA. Sim, pois, se os bancos não conseguem adequar seus níveis de capitais dadas as suas exposições a créditos mais arriscados, a primeira coisa a fazer é diminuir suas carteiras de crédito, não renovando as dívidas vincendas das empresas.
Para tentar evitar esse cenário, que seria mais um episódio próximo do que aconteceu em 2008, o Fed interveio comprando esses títulos públicos (treasuries) dos bancos em troca de caixa e liquidez para ser utilizados para suas adequações de capitais. Além de questionarmos se essa intervenção será suficiente para amenizar a falta de liquidez no mercado de treasuries, vale repetir: Não existe almoço de graça.
Roberto Dumas Damas
Professor de economia do Insper
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