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O que falta para o mercado ESG no Brasil amadurecer?

Políticas sobre meio ambiente, sociedade e governança corporativa tornaram-se populares em mercados desenvolvidos

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Rodrigo Tavares

Fundador e presidente do Granito Group, é professor de Sustainable Finance na Nova School of Business and Economics. Em 2017 foi nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial

O sistema financeiro brasileiro debutou com a vinda da família real portuguesa e a criação do Banco do Brasil, em 1808. Foi o quarto banco emissor de moeda na história do capitalismo ocidental e o único no império português. Mas em 1829 o banco morreu (ressuscitou apenas em 1853). A passagem do festejo ao fisco deveu-se a um conjunto de erros e desvios que nos deixaram várias lições. Uma delas é não fazer movimentos bruscos. Transformações no mercado têm que ser consistentes, estruturadas e graduais.

Esta é uma lição que deveremos aplicar ao novo mercado ESG. Depois do abalo de 2007-2008, o sistema financeiro global despertou para a importância de incorporar dados, práticas e políticas ligadas ao meio ambiente, à sociedade e à governança corporativa (ESG, em inglês) em decisões de investimento e de crédito, de forma a diminuir exposições a risco, a maximizar retornos e, eventualmente, até a gerar impacto positivo.

As finanças ESG tornaram-se mainstream em mercados desenvolvidos, mas no Brasil não saíram da edícula. Com juros altos e habituadas a investir com alta rentabilidade e baixo esforço, foram poucas as casas financeiras que acompanharam o ritmo de progressão das finanças sustentáveis no exterior. Até que o juro desmoronou, a pressão de institucionais estrangeiros cresceu e o capitalismo brasileiro amanheceu para essas novas práticas ESG.

Desde o início do ano que a imprensa brasileira tem dado um destaque voraz a esse tema, surpreendendo os otimistas férreos e dobrando os pessimistas ortodoxos. Dezenas de novas iniciativas, muito positivas, têm gerado um novo entusiasmo. Mas não podemos esquecer as lições da primeira encarnação do Banco do Brasil. Para que o mercado consiga verdadeiramente potencializar as oportunidades ESG, precisa de conduzir essa transformação com consistência e de forma estruturada e gradual.

Em primeiro lugar, institucionais, bancos e gestoras precisam de começar pelo início. Incorporar dados, práticas e políticas ESG é um processo complexo, estruturado e matemático. Partindo de um manancial de referências internacionais, é altamente customizado a cada casa. Temos que refrear os ímpetos congénitos de começar de trás para a frente, lançando produtos ESG (fundos, bonds), fazendo anúncios apressados de compromissos públicos, ou alocando percentagens do portfolio a produtos ESG.

Se uma gestora adotar práticas ESG na sua estratégia e processo de investimentos, todos os produtos serão necessariamente ESG. É importante “não atropelarmos processos correndo o risco de incorrermos em problemas estruturais”, alerta Fabio Alperowitch, Portfolio Manager da FAMA Investimentos, a primeira gestora ESG no Brasil, criada em 1993.

Contam-se pelos dedos os fundos ESG no Brasil. Mas esse volume deverá agigantar-se nos próximos anos. E o que é um fundo ESG? No exterior existem dezenas de selos e certificações que separam o trigo do joio, como o LuxFLAG ESG, FNG ou Febelfin’s Quality Standard. Aqui, alguns fundos de pensão e corretoras começaram a criar as suas próprias métricas de seleção. Mas esse é um trabalho que precisa de ser nacionalizado e liderado por reguladores, como a CVM ou a Anbima.

Os reguladores precisam também de mostrar destreza legislativa. Ao longo dos anos, duas Resoluções do Banco Central, duas Instruções da CVM, e uma Resolução da PREVIC sugerem ou obrigam as gestoras e/ou as empresas a reportarem dados socioambientais. Mas falta “enforcement”, como destaca Marcelo Seraphim, representante no Brasil dos Principles for Responsible Investment (PRI). Precisamos da real aplicação das regras existentes e novas leis ESG mais vigorosas. E é fundamental que haja também harmonização no mercado. Porque é que a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) ainda não estabelece que os seus supervisionados devam observar aspectos ESG, tal como já o faz a Previc?

Ainda que essa Resolução 4.661/2018 da PREVIC tenha representado um avanço significativo, os fundos de pensão brasileiros, com um patrimônio de cerca de R$1 trilhão e um dos motores do sistema financeiro nacional, precisam de integrar práticas ESG de forma mais sofisticada, pressionando, de cima para baixo, as gestoras nacionais a adotar também metodologias ESG. Petros, Postalis, Funcef deveriam acelerar a marcha.

Com isso, espera-se que ESG atinja o coração do mercado financeiro. A sua génese, 30 anos atrás, foi o ecossistema brasileiro de empreendedorismo social e, ainda hoje, tem uma componente ativista audível, mas ESG precisa de se silenciar, de se normalizar.

Para que isso aconteça, é também necessário um investimento forte na formação em ESG de profissionais financeiros. Atualmente, as principais escolas de negócios brasileiras estão adormecidas, em oposição às suas congéneres internacionais que oferecem dezenas de disciplinas dedicadas ao tema. Em Portugal, a Nova School of Business and Economics (Nova SBE), foi a primeira entre os países de língua portuguesa a oferecer uma cadeira em Sustainable Finance, para alunos de 13 nacionalidades (incluindo brasileiros) e com anfiteatro cheio.

Estas escolas também deveriam ser os pontos de conexão com o que de mais extraordinário se realiza no exterior na área ESG, irrigando o mercado com novas práticas. Infelizmente, a extensão continental do país atiça a autossuficiência. Mas o mercado ESG brasileiro crescerá com muito mais qualidade e rapidez se se aproveitar das dores dos que, em mercados desenvolvidos, começaram a jornada ESG mais cedo. Se no Reino Unido os private equities desenvolvem modelos de engenharia financeira para conseguir precificar a componente ESG em valuations de entrada e de saída e têm um engajamento ativo com as empresas do portfolio, no Brasil muitos desses investidores seguem pelo caminho mais fácil de apenas excluir algumas indústrias das suas estratégias de investimento (como armamento ou tabaco).

Falta-nos também uma associação que promova o desenvolvimento sustentável por intermédio de serviços financeiros. Precisamos da versão brasileira da UK Sustainable Investment & Finance Association ou da Responsible Investment Association (RIA) do Canadá.

O Brasil não é neófito em temas ESG. É preciso que fique claro. O mercado já emitiu cerca de US$ 7 bilhões em green bonds, temos organizações com serviços de rating ESG que englobam todas as empresas listadas na B3 (Resultante e SITAWI), os principais bancos adotam métricas ESG em estratégias de crédito, entre muitas outras conquistas. Mas ainda temos um longo caminho pela frente.

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