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Mudanças nas isenções transformam direito em prova de resistência

O espírito das reduções de impostos é dar algum alento para quem foi sempre apartado do básico para adquirir condições de sobrevivência

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São Paulo

Para qualquer pessoa com deficiência cuja mobilidade tenha sido prejudicada por força de sua condição, ter acesso a um veículo automotor representa, num país como o Brasil, abrir inúmeras possibilidades de vida que pareciam inatingíveis.

A razão é simples. Sem um transporte público que abrigue com eficiência a diversidade de seus passageiros, sem calçadas que permitam a todos um deslocamento tranquilo e seguro, sem que haja política de acessibilidade plena para a vida urbana, fica a cargo do próprio cidadão com deficiência buscar meios para ir, vir, contemplar e usufruir os espaços da cidade. Fica a cargo do cidadão com deficiência “se virar” para construir rumos de cidadania.

O carro leva para a escola que projeta um futuro mais promissor. Leva para terapias, que melhoram a condição geral da pessoa que poderá produzir mais. Leva para a vida social, leva ao lazer, leva à cultura, leva à dignidade furtada pelas ausências do Estado em suas obrigações básicas.

Trânsito na avenida 23 de Maio, em São Paulo - Eduardo Anizelli - 10.jun.2020/Folhapress

O carro facilita chegar ao trabalho, que vai dar condições de conhecer mais pessoas, que vai possibilitar relacionamentos, que vão abrir caminho para a formação de famílias. Tudo isso regado a pagamento de impostos, menos peso social, mais consumo, mais pessoas em harmonia.

A isenção de impostos existe para minimizar injustiças, não como privilégios, não como mamatas para um grupo, não como auxílio para pobres coitados. O espírito da medida é dar algum alento para quem foi sempre apartado do básico para adquirir condições de sobrevivência.

A doença que deixa sequelas, os acidentes que imobilizam, as tragédias que acarretam consequências físicas e sensoriais, invariavelmente, também, têm a mão pouco ativa dos entes responsáveis pela vida em coletividade. Logo, mais ausência, mais correto a criação de amparos minimamente reparadores.

De fato, com o alargamento das possibilidades de se requerer o recuo fiscal para a compra de veículos 0 km, uma gama de oportunistas, escroques e sanguessugas de cofres públicos surgiu e fez chamar atenção para o setor chamado de “vendas especiais”, embora nada de tão especial exista no processo de adquirir um automóvel para uma pessoa com deficiência.

Para conter o “problema”, criam-se novas regras que afetam em cheio o público que era atendido pela justeza das isenções com mais burocracia, com mais complicações de comprovações, com redução do público atendido. Joga-se a água do banho fora com o bebê dentro da bacia.

Em vez de mergulhar no problema, de consultar os pares, de chamar os interessados de maneira efetiva para pensar em como sanar os possíveis desvios, numa canetada muda-se o processo estadual de isenções e retoma-se a lógica perversa da exclusão, de transformar um direito numa prova de resistência para que se desista dele.

Provar uma condição de deficiência que faça jus a um recuo fiscal, que faça jus a ter acesso a um veículo isento de impostos para fins de vida digna não tem complicações em um nível de eleições norte-americanas. Basta colocar em prática o “nada sobre nós, sem nós”.

O mundo só fala em promoção da diversidade, em multiplicar possibilidades de atuação das pessoas excluídas, de mudar a chave do mais do mesmo e abrir as portas para quem nunca veio para a festa. Qualquer medida que atrase esse processo, que não seja minimamente inteligente para conter abusos sem ser retrógrado, vai contra o espírito social em voga. ​​

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