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Descrição de chapéu The New York Times

Pfizer lucra centenas de milhões de dólares com vacina para Covid

Companhia anuncia que vacina gerou receita de US$ 3,5 bilhões no primeiro trimestre

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Peter S. Goodman Rebecca Robbins
The New York Times

No ano passado, correndo para desenvolver uma vacina em prazo recorde, a Pfizer tomou uma decisão importante: diferentemente de muitos dos fabricantes rivais, que prometeram abrir mão dos lucros sobre as vacinas durante a pandemia, a Pfizer planejou lucrar com sua vacina.

Nesta terça-feira (4), a companhia anunciou quanto dinheiro exatamente o produto está gerando.

No primeiro trimestre do ano, a vacina trouxe receita de US$ 3,5 bilhões, quase um quarto do faturamento total da companhia, reportou a Pfizer. O produto foi, por larga vantagem, a maior fonte de receita da empresa.

A companhia não revelou os lucros derivados da vacina, mas reiterou a previsão anterior de que a margem de lucro da vacina ficaria acima dos 20%. Isso se traduziria em cerca de US$ 900 milhões em lucros anteriores aos impostos com a vacina, no primeiro trimestre.

A Pfizer vem sendo elogiada em muitos quadrantes pelo desenvolvimento de uma tecnologia não comprovada que salvou um número incalculável de vidas.

Sede da Pfizer, em Nova York - Kena Betancur - 11.mar.2021/AFP

Mas a vacina da empresa vem sendo distribuída desproporcionalmente entre os ricos do planeta —um resultado que, pelo menos por enquanto, contraria a promessa de seu presidente-executivo, de que os países pobres “teriam o mesmo acesso que o resto do mundo” a uma vacina que é altamente efetiva na prevenção da Covid-19.

Até a metade de abril, os países ricos haviam recebido mais de 87% dos mais de 700 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 distribuídas em todo o mundo, enquanto os países pobres receberam apenas 0,2%, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Nos países ricos, cerca de uma em cada quatro pessoas já recebeu a vacina. Nos países pobres, a proporção é de uma em 500.

A Pfizer assumiu o compromisso de tornar sua vacina acessível em todo o mundo. A empresa anunciou na terça-feira que havia despachado 430 milhões de doses a 91 países ou territórios. Uma porta-voz da Pfizer, Sharon Castillo, não quis informar quantas doses foram enviadas a países pobres, nos quais a companhia não está obtendo lucros com a venda de vacinas.

Os números da OMS deixam claro que a Pfizer ofereceu ajuda mínima aos países mais pobres do planeta.

A companhia prometeu que forneceria até 40 milhões de doses à Covax, uma parceria multilateral cujo objetivo é fornecer vacinas a países pobres. Isso representa menos de 2% dos 2,5 bilhões de doses que a Pfizer e sua parceira no desenvolvimento da vacina, a BioNTech, planejam produzir este ano.

Desde que as entregas começaram, em fevereiro, 960 mil doses da vacina da Pfizer foram enviadas a países de renda baixa e média aos quais vacinas estão sendo distribuídas pela Covax, de acordo com a Gavi, uma aliança internacional pela vacinação. A expectativa é de que as entregas se acelerem nas próximas semanas.

As doses que a Pfizer prometeu para a Covax são “uma gota de água no oceano”, disse Clare Wenham, especialista em política de saúde na London School of Economics.

A Johnson & Johnson e a AstraZeneca prometeram vender suas vacinas sem buscar lucros, enquanto durar a pandemia. A Moderna, que nunca realizou lucros e não tem outros produtos no mercado, decidiu vender sua vacina com lucro.

Diferentemente da vacina da Moderna, o produto da Pfizer não é crucial para a lucratividade da empresa. No ano passado, a Pfizer teve lucro de 9,6 bilhões, antes que a vacina contra a Covid tivesse qualquer impacto discernível sobre seus resultados.

A Pfizer aponta frequentemente que optou por não receber verbas federais americanas oferecidas pelo governo Trump sob a Operação Warp Speed, uma iniciativa para promover o desenvolvimento rápido de vacinas contra a Covid-19.

Mas a BioNTech recebeu apoio substancial do governo alemão para o desenvolvimento da vacina que criou em cooperação com a Pfizer. E pesquisas bancadas pelos contribuintes ajudaram ambas as companhias. O Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) patenteou tecnologia que ajudou a tornar possíveis as vacinas da Moderna e da Pfizer, baseadas em RNA mensageiro. A BioNTech tem um acordo de licenciamento com o NIH, e a Pfizer está pegando carona nessa licença.

A Pfizer não está oferecendo informações claras sobre a lucratividade de sua vacina. Os Estados Unidos, por exemplo, estão pagando US$ 19,50 por dose de vacina da Pfizer. Israel fechou um acordo sob o qual pagará US$ 30 por dose à companhia.

Em alguns casos, como por exemplo um acordo recente de aquisição de doses adicionais da vacina pela União Europeia, a companhia optou por não revelar os preços.

O preço nos Estados Unidos se alinha ao das vacinas sazonais contra a gripe, e é muito inferior ao de vacinas contra doenças como a herpes-zóster, que podem custar centenas de dólares.

“O preço não parece ofensivo, mesmo que você não pare para pensar no custo dos remédios vendidos sob receita”, disse Stacie Dusetzina, professora associada de política de saúde no Centro Médico da Universidade Vanderbilt. “Pensando em praticamente qualquer remédio vendido sob receita, você dificilmente encontra alguma coisa por menos de US$ 20”.

Mas o fato de que a Pfizer parece ter lucrado cerca de US$ 900 milhões com suas vacinas, antes dos impostos —adicionado às vendas baixas para países pobres—, indica que os lucros se sobrepuseram a todas as demais considerações. Isso pode solapar a mensagem da empresa em defesa de princípios mais elevados.

“Na Pfizer, acreditamos que cada pessoa mereça ser vista, ouvida e cuidada”, disse Albert Bourla, o presidente-executivo da companhia, em janeiro, quando a Pfizer anunciou sua adesão à Covax. “Nós compartilhamos da missão da Covax, e estamos orgulhosos por trabalharmos juntos para que os países em desenvolvimento possam ter o mesmo acesso que o restante do planeta”.

Mas a companhia parece ter priorizado as vendas a preço mais alto.

“A despeito de toda a conversa sobre a Covax, eles se interessam muito mais por transações bilaterais, porque é nelas que ganham dinheiro”, disse Richard Kozul-Wright, diretor da divisão de globalização e estratégias de desenvolvimento da Unctad, a organização de comércio e desenvolvimento das Nações Unidas, em Genebra. “É um dos grandes triunfos de relações públicas na história empresarial recente”.

Os defensores da Pfizer contestam essa interpretação. O desenvolvimento rápido de vacinas altamente efetivas é um avanço científico raro, e que oferece imensos dividendos para todo o planeta.

“O que o setor fez nesse caso foi muito dramático, e fantástico”, disse John LaMattina, sócio sênior da PureTech Health, uma companhia de biotecnologia. Ele trabalhou por 30 anos na Pfizer, da qual foi vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento. “Tudo isso está sendo esquecido bem rápido, agora”.

Múltiplos fatores explicam a distribuição pouco equitativa das vacinas da Pfizer.

O produto, que precisa ser armazenado e transportado em temperaturas muito baixas, é menos prático nas partes de acesso mais difícil do planeta, quando comparado a outras vacinas, como as da AstraZeneca e Johnson & Johnson, que necessitam apenas de refrigeração simples. Alguns países pobres não foram atingidos com tanta força pelo vírus, inicialmente, e por isso seus governos tinham menos urgência de fazer pedidos da vacina da Pfizer, se é que eram capazes de arcar com o custo.

“Nem todo mundo estava interessado na vacina ou preparado para tomar as medidas necessárias; assim, as conversações continuam, o que inclui o trabalho com a Covax, para além de seu pedido inicial de 40 milhões de doses”, disse Castillo, a porta-voz da Pfizer.

Na Índia, onde o vírus está se expandindo de forma descontrolada, a vacina da Pfizer não está em uso. A companhia solicitou uma autorização de emergência lá, mas retirou o pedido em fevereiro, porque a agência regulatória de medicamentos da Índia não estava disposta a suspender a exigência de que a empresa conduzisse um teste clínico local. Na época, o número de casos de coronavírus na Índia era administrável, e acreditava-se que a produção local de vacinas seria suficiente.

Desde então, a Pfizer e o governo da Índia retomaram as conversações. Na segunda-feira (3), Bourla disse que a companhia doaria mais de US$ 70 milhões em remédios à Índia, e que estava tentando acelerar a aprovação da vacina.

A Pfizer prometeu publicamente que a companhia operaria não só para o enriquecimento de seus acionistas, mas para a melhora da sociedade.

Bourla, que ganhou US$ 21 milhões no ano passado, estava entre os 181 presidentes de grandes empresas que assinaram um compromisso da Business Roundtable em 2019 prometendo que atenderiam às necessidades de toda uma gama de “partes interessadas”, entre as quais trabalhadores, fornecedores e comunidades locais —e não só investidores.

Os resultados financeiros que a Pfizer anunciou nesta terça-feira subestimam o montante de dinheiro que a vacina está gerando. A Pfizer divide a receita gerada pela vacina com a BioNTech, que anunciará seus resultados do primeiro trimestre na semana que vem. A BioNTech informou em março que tinha registrado uma receita de quase 10 bilhões de euros, ou US$ 11,8 bilhões, com base nas encomendas de vacinas recebidas até aquele momento.

A vacina deve continuar a gerar receita significativa para a Pfizer e a BioNTech, especialmente porque é provável que as pessoas precisem de doses de reforço regulares. A Pfizer declarou na terça-feira que antecipa que a vacina gere receitas de US$ 26 bilhões este ano, ante uma estimativa anterior de US$ 15 bilhões. A companhia vem assinando contratos para fornecer mais doses a governos nos próximos anos, entre os quais um contrato de opções com o Canadá que poderia se estender até 2024.

“Acreditamos que uma demanda duradoura por nossa vacina para a Covid-19 —semelhante à que existe para vacinas contra a gripe— é um resultado provável”, disse Bourla a analistas na terça-feira.
Isso poderia transformar a vacina em um dos produtos farmacêuticos mais vendidos da história. O remédio da Pfizer contra o colesterol, Lipitor, hoje ocupa o primeiro posto do ranking, tendo arrecadado mais de US$ 125 bilhões em 15 anos.

Os desenvolvedores de vacinas vêm tentando minimizar os benefícios financeiros conquistados. Na semana passada, quando a AstraZeneca anunciou sua receita com a vacina, ela informou que os esforços relacionados à vacina haviam prejudicado ligeiramente os seus lucros.

Frank D’Amelio, o vice-presidente de finanças da Pfizer, disse na conversa com analistas terça-feira que ele não queria discutir detalhes sobre os preços da vacina.

As companhias querem evitar a impressão de que lucraram com a pandemia, especialmente agora que aumenta a pressão sobre o governo Biden para que este relaxe as proteções à propriedade intelectual para permitir que países pobres produzam versões mais baratas das vacinas. A Pfizer e outras companhias farmacêuticas se opõem vigorosamente a essas propostas.

Um grupo de países em desenvolvimento, liderado pela África do Sul e Índia, propôs à Organização Mundial do Comércio (OMC) que as proteções à propriedade intelectual sejam afrouxadas durante a pandemia, nos países afetados pelo coronavírus.

O objetivo da proposta é pressionar as companhias farmacêuticas a fim de garantir aos países em desenvolvimento o acesso a vacinas, talvez por meio da oferta de descontos nos preços, ou por meio de parcerias com outras empresas para ampliar a capacidade de produção.

“Poderia haver um incentivo para que as companhias busquem colaborar”, disse Mustaqeem De Gama, conselheiro da missão sul-africana à OMC em Genebra, em uma entrevista no final do ano passado. “Mas se isso for deixado a cargo das companhias, elas em geral vão se recusar a colaborar e a compartilhar do conhecimento que têm”.

Tradução de Paulo Migliacci

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