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Descrição de chapéu The New York Times Rússia

A mulher que pilota a economia de guerra da Rússia

Elvira Nabiullina é chefe do Banco Central russo desde 2013

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Nova York | The New York Times

Pela segunda vez em menos de uma década, Elvira Nabiullina está conduzindo a economia da Rússia por águas traiçoeiras.

Em 2014, enfrentando um colapso do rublo e uma alta inflação após apenas um ano como chefe do Banco Central da Rússia, Nabiullina forçou a instituição a entrar na era moderna das políticas econômicas, aumentando acentuadamente as taxas de juros. A medida politicamente arriscada desacelerou a economia, conteve a alta de preços e lhe rendeu reputação internacional como uma forte tomadora de decisões.

No mundo dos banqueiros centrais, entre os tecnocratas encarregados de manter os preços sob controle e os sistemas financeiros estáveis, Nabiullina tornou-se uma estrela em ascensão por usar políticas ortodoxas para administrar uma economia indisciplinada, muitas vezes amarrada ao preço do petróleo.

Elvira Nabiullina fala durante uma entrevista em Moscou, Rússia - Evgenia Novozhenina - 27.jun.2019/Reuters

Em 2015, ela foi nomeada Governadora de Banco Central do Ano pela revista Euromoney. Três anos depois, Christine Lagarde, então chefe do Fundo Monetário Internacional, disse que Nabiullina poderia fazer o "banco central cantar".

Agora cabe a Nabiullina pilotar a economia da Rússia através de uma profunda recessão e manter intacto seu sistema financeiro, isolado de grande parte do resto do mundo. O desafio se segue a anos que ela passou fortalecendo as defesas financeiras da Rússia contra o tipo de sanções poderosas que foram aplicadas em resposta à agressão geopolítica do presidente Vladimir Putin.

Ela orientou a recuperação extraordinária da moeda russa, que perdeu um quarto de seu valor dias depois da invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro. O banco central tomou medidas agressivas para impedir que grandes volumes de dinheiro deixassem o país, interrompendo o pânico nos mercados e uma possível corrida ao sistema bancário.

No final de abril, o Parlamento russo confirmou Nabiullina, 58, por mais cinco anos como presidente, depois que Putin a indicou para um terceiro mandato.

"Ela é um importante farol de estabilidade para o sistema financeiro da Rússia", disse Elina Ribakova, vice-economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais, um grupo da indústria em Washington. "Sua recondução tem valor simbólico."

Remédio difícil

Em sua última crise, ela transformou uma catástrofe em oportunidade. Em 2014, a Rússia foi abalada por dois choques econômicos: um colapso nos preços do petróleo –causado por um salto da produção nos Estados Unidos e a recusa da Arábia Saudita a cortar a produção, prejudicando a receita do petróleo da Rússia– e a imposição de sanções econômicas depois que a Rússia anexou a Crimeia.

O rublo despencou. Nabiullina abandonou as políticas tradicionais —como gastar grandes quantidades de reservas em moeda estrangeira para sustentar a taxa de câmbio— e dirigiu o foco do banco para o gerenciamento da inflação. Ela aumentou as taxas de juros para 17%, e elas permaneceram relativamente altas por anos.

Foi um reajuste doloroso, e a economia encolheu durante um ano e meio. Mas em meados de 2017 ela conseguiu algo que parecia improvável apenas alguns anos antes: a taxa de inflação caiu a menos de 4%, a mais baixa da era pós-soviética do país.

"Ela tem sido o próprio modelo de um banqueiro central moderno", disse Richard Portes, professor de economia na London Business School que participou de debates com Nabiullina em conferências.

"Ela estava fazendo o que tinha de fazer", disse ele, mesmo quando era politicamente difícil. "Se você quer uma demonstração da alternativa", acrescentou Portes, "basta olhar para a Turquia", onde anos de interferência política no banco central permitiram que a inflação saísse de controle, chegando a 70% este mês.

Sob a direção de Nabiullina, o Banco Central manteve seus esforços de modernização. Aprimorou sua comunicação ao agendar decisões políticas importantes, fornecer orientação sobre políticas, reunir-se com analistas e dar entrevistas à imprensa. O Banco Central da Rússia passou a ser considerado o principal cérebro econômico do país, atraindo respeitados economistas do setor privado.

Limpando os bancos

Além de seu histórico em política monetária, Nabiullina recebeu elogios por realizar uma faxina completa no setor bancário. Em seus primeiros cinco anos no banco, ela revogou cerca de 400 licenças bancárias –basicamente fechando um terço dos bancos da Rússia–, num esforço para eliminar instituições fracas que praticavam o que ela chamou de "transações duvidosas".

Foi considerada uma cruzada corajosa: em 2006, um funcionário do Banco Central que tinha iniciado uma campanha vigorosa para fechar bancos suspeitos de lavagem de dinheiro foi assassinado.

"Combater a corrupção no setor bancário é um trabalho para pessoas muito corajosas", disse Sergei Guriev, economista russo que deixou o país em 2013 e agora é professor na Sciences Po em Paris. Ele chamou seu programa de falho, no entanto, porque foi amplamente limitado a bancos privados. Isso criou um problema de risco moral que deixou os bancos estatais se sentindo à vontade para assumir muitos riscos com a proteção do governo, disse ele.

Construindo uma fortaleza

Nabiullina é uma autoridade graduada no regime Putin há duas décadas. Ela foi sua principal conselheira econômica por pouco mais de um ano antes de se tornar presidente do Banco Central em junho de 2013, já tendo atuado como ministra do Desenvolvimento Econômico enquanto Putin era primeiro-ministro.

"Ela é muito confiável para o governo e para o presidente", disse Sofya Donets, economista da Renaissance Capital em Moscou que trabalhou no Banco Central de 2007 a 2019. Nos últimos anos, ficou evidente que todos os tipos de questões políticas na esfera financeira foram delegadas ao Banco Central, acrescentou.

Essa confiança foi construída enquanto Nabiullina apoiava a economia da Rússia contra as sanções ocidentais, especialmente devido ao longo alcance das penalidades americanas. Em 2014, os Estados Unidos cortaram muitas grandes empresas russas de seus mercados de capitais. Mas essas empresas tinham grandes dívidas em moeda estrangeira, levantando alarmes sobre como pagariam suas dívidas.

Nabiullina começou a espremer o máximo possível de dólares americanos da economia, para que empresas e bancos fossem menos vulneráveis se Washington restringisse ainda mais o acesso do país ao uso de dólares.

Ela também transferiu as reservas do banco, que chegaram a valer mais de US$ 600 bilhões, para ouro, euros e yuans. Ao longo de seu mandato, a parcela de dólares nas reservas caiu de mais de 40% para cerca de 11%, disse Nabiullina ao Parlamento no mês passado. Mesmo depois que as sanções congelaram as reservas do banco no exterior, o país tem reservas "suficientes" em ouro e yuans, disse ela aos legisladores.

Outras proteções contra sanções incluíam uma alternativa ao Swift, o sistema global de mensagens bancárias, desenvolvido nos últimos anos. E o banco mudou a infraestrutura de pagamentos para processar transações com cartão de crédito no país, de modo que mesmo a saída de Visa e Mastercard teria efeito mínimo.

Em março, a Bloomberg News e o The Wall Street Journal, citando fontes não identificadas, informaram que Nabiullina tentou renunciar após a invasão da Ucrânia e foi refutada por Putin. O Banco Central negou esses relatos.

No mês passado, o governo canadense a colocou sob sanções por ser uma "associada próxima do regime russo".

Economia de guerra

Depois que Nabiullina passou quase uma década construindo uma reputação de conter a inflação e levar a política monetária tradicional para a Rússia, as penalidades financeiras ocidentais impostas após a invasão da Ucrânia rapidamente a forçaram a abandonar suas políticas preferidas. Ela mais que dobrou a taxa de juros, para 20%; usou controles de capital para restringir severamente o fluxo de dinheiro para fora do país; encerrou a negociação de ações na Bolsa de Moscou; e afrouxou as regulamentações sobre os bancos para que os empréstimos não parassem.

Essas medidas interromperam o pânico inicial e ajudaram o rublo a se recuperar, mas os controles de capital foram suspensos apenas parcialmente.

Agora a Rússia está entrando em uma forte recessão com uma economia fechada. Em 29 de abril, o banco baixou a taxa de juros para 14%, sinal de que está mudando de reprimir um tornado financeiro para tentar minimizar o impacto prolongado das sanções para famílias e empresas, à medida que a inflação acelera e as empresas são forçadas a reinventar suas cadeias de suprimentos sem mercadorias importadas.

A inflação subiu acentuadamente e pode atingir uma taxa anual de 23% este ano, prevê o Banco Central. A economia em geral pode encolher até 10%, segundo o banco.

"Estamos em uma zona de enorme incerteza", disse Nabiullina.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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