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Leis para big techs remunerarem empresas de mídia se espalham pelo mundo

Na Austrália, código de barganha rendeu US$ 200 milhões para veículos de imprensa; Canadá, Indonésia, Nova Zelândia, Índia e Brasil discutem modelo

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São Paulo

Leis prevendo a remuneração de conteúdo jornalístico pelo Google e pela Meta se espalham pelo mundo e assustam as plataformas de internet. Empresas jornalísticas faturaram US$ 200 milhões na Austrália com o código de barganha para veículos de comunicação, implementado em 2021, e podem receber US$ 245 milhões por ano com a versão da lei em tramitação no Canadá, segundo estimativa do parlamento do país.

A Indonésia deve adotar o modelo por meio de decreto presidencial no primeiro semestre, e o governo da Nova Zelândia anunciou a proposta em dezembro do ano passado. O ministro de Informação e Radiodifusão da Índia, Apurva Chandra, declarou em janeiro deste ano que o governo indiano estuda mudanças na regulação de internet para que plataformas compartilhem com empresas de mídia a receita com publicidade digital, nos moldes do que vem sendo feito na Austrália.

No Brasil, entidades setoriais, como Abert, Aner e ANJ, que representam os principais veículos de mídia, como a Globo e a Folha, querem que o modelo seja incluído no PL 2630, o projeto de lei das fake news, que é prioridade do Executivo e está em discussão no Congresso.

A Austrália foi pioneira com seu código, que entrou em vigor em março de 2021. O modelo determina que veículos negociem de forma individual ou coletiva (para aumentar o poder de barganha) com as plataformas o pagamento pelo conteúdo jornalístico. Caso não cheguem a um acordo, está prevista a arbitragem.

Imagem mostra smartphone com ícone do Google, em frente a uma bandeira da Austrália - lei australiana de remuneração de conteúdo jornalístico pelas Big Tech inspira legislação em vários países. - Dado Ruvic/REUTERS

O modelo é uma tentativa de solucionar a crise de modelo de negócios da imprensa profissional, causada principalmente pela hegemonia das big techs no mercado publicitário. A premissa é que as plataformas de internet ganham relevância e lucram ao exibir conteúdo jornalístico sem pagar nada por ele e deveriam dividir o resultado com as empresas de mídia.

As plataformas se opõem ao código de barganha. Quando ele foi adotado na Austrália, o Facebook chegou a bloquear o compartilhamento de notícias na plataforma por uma semana, e depois voltou atrás. O Google tinha ameaçado acabar com o mecanismo de busca no mercado australiano se a lei entrasse em vigor, mas não foi adiante.

Os publishers de menor porte também criticam o modelo, dizendo que os maiores beneficiários do código de barganha seriam os conglomerados de mídia.

Na Austrália, o maior beneficiado foi a gigante News Corp, do bilionário Rupert Murdoch, que fechou um acordo de três anos estimado em US$ 150 milhões.

Mas Rod Sims, ex-presidente da Comissão de Consumo e Concorrência da Austrália e idealizador do modelo, publicou relatório mostrando que quase todos os veículos de mídia habilitados da Austrália fecharam acordos com o Facebook e o Google, inclusive os menores.

Segundo ele, a Country Press Australia, que reúne 160 publicações pequenas e regionais, recebeu um dos maiores valores por jornalista empregado. Ele calculou que o código gerou cerca de US$ 200 milhões por ano de pagamento das plataformas às publicações.

"A lei australiana gerou recursos significativos para toda a indústria de notícias e criou centenas de empregos, ao mesmo tempo em que revitalizou mídias locais ao redor do país", disse à Folha Courtney Radsch, pesquisadora do Instituto de Tecnologia, Direito e Políticas da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). "Fracassou a campanha de desinformação disseminada pelo Google e Facebook de que a News Corp de Rupert Murdoch foi o principal beneficiário, em uma tentativa de dividir a comunidade jornalística, porque todos os tipos de mídia estão se beneficiando da injeção de recursos. É óbvio que veículos maiores, com mais jornalistas e alcance, vão fechar acordos maiores", disse Radsch.

"Em todos os lugares do mundo, há uma briga entre os veículos maiores e os menores, e o Google e a Meta estimulam essa briga", disse à Folha Anya Schiffrin, diretora do centro de Tecnologia, Mídia e Comunicações da Universidade Columbia.

Para Schiffrin, é preciso ser pragmático e adotar o modelo de remuneração ou incentivo ao jornalismo que tiver apoio em cada país.

"Se houver vontade política para implementar o código de barganha, isso deve ser feito, sempre com a compreensão que nenhum modelo único será perfeito. E sempre há espaço para uma lei brasileira ser um aprimoramento da australiana."

Uma das grandes críticas ao código australiano é a falta de transparência na negociação. Não são públicos os valores dos acordos e nem se sabe como os recursos foram gastos –se foram direcionados para os salários de executivos e acionistas, ou para contratação de jornalistas e investimento em reportagens.

Alguns poucos veículos divulgaram informações, como o The Guardian, que usou os recursos para aumentar sua equipe no país em 50%.

Na Austrália, a arbitragem prevista na lei não foi usada em nenhum caso –as plataformas e os veículos, muitas vezes reunidos em grupos de negociação, chegaram a acordos antes de precisarem recorrer a isso. Segundo Sims escreveu em artigo recente, a simples ameaça de arbitragem equilibrou a negociação. Se uma plataforma se recusa a negociar com determinado veículo, ele pode pedir ao governo que a "designe". Se ela continuar se recusando, pode arcar com multas de até 10% de seu faturamento no país.

O Google fechou acordos com todos os veículos elegíveis na Austrália. Já o Facebook não quis negociar com alguns veículos, que empregam entre 15% e 20% dos jornalistas australianos. Um deles é o The Conversation, que está pedindo a "designação" do Facebook para forçá-lo a negociar.

O Canadá é o próximo teste para o código de barganha. A Online News Act deve ser votada até o meio do ano no Parlamento. Em relação ao código australiano, a lei oferece mais transparência –os detalhes da negociação, incluindo valores, precisam ser revelados ao órgão de regulação.

Também no Canadá a legislação enfrenta enorme resistência das plataformas. Após a introdução do projeto de lei, em abril de 2022, o Google afirmou que ele poderia inviabilizar o mecanismo de busca, que iria beneficiar desinformadores e dar aos reguladores influência excessiva sobre o noticiário. O Facebook disse que vai parar de usar conteúdo jornalístico na plataforma no Canadá se a lei for aprovada.

Já os publishers de menor porte têm se manifestado para incluir no texto garantias de que não apenas os grandes sairão ganhando.

As big techs tentam se antecipar à regulação fechando acordos com alguns veículos. Segundo levantamento de Gabby Miller, pesquisadora do Tow Center da Universidade Columbia, "o apoio (financeiro ao jornalismo) do Google e da Meta flutuou na medida em que aumentavam as ameaças de regulação no Canadá. Isso reforça o argumento de que a ‘filantropia’ das plataformas é uma tática de lobby, com o objetivo de brecar legislação".

No fim de 2020, o Google lançou o Showcase (Destaques, no Brasil), que remunera veículos de notícias para selecionarem seus conteúdos em painéis dentro do Google Notícias. O programa tem previsão de orçamento de US$ 1 bilhão para três anos. Até agora, fechou acordo com 2000 veículos no mundo, incluindo o Brasil.

No Canadá, o programa foi lançado em outubro de 2021 e inclui inúmeros veículos, entre eles o Globe and Mail e o Toronto Star, além de mídias menores. Os valores são sigilosos.

No Brasil, o Google Destaques inclui 150 veículos, entre eles a Folha, UOL, Estadão, revista piauí, Band, SBT News, Jovem Pan e Veja. A Folha e os principais veículos da mídia profissional, com exceção do Grupo Globo, também têm um acordo vigente com o Facebook.

Os parâmetros para escolha dos veículos e os valores não foram divulgados.

As plataformas preferem que o financiamento ao jornalismo se dê por meio de fundos, porque isso ofereceria maior previsibilidade de quanto terão de pagar. Mas também porque os valores provavelmente seriam menores. No mês passado, o Google lançou um fundo em Taiwan para aumentar a competitividade digital das empresas de mídia, com valor de 300 milhões de dólares taiwaneses (US$ 9,8 milhões) em três anos. No Brasil, a Fenaj e a Ajor defendem a criação de um fundo com base na taxação da publicidade das big techs.

Uma das críticas das plataformas ao modelo de barganha é de que os recursos das big techs vão acabar financiando sites de desinformação. O debate sobre quem pode ser considerado jornalista e, portanto, deve receber recursos é complexo.

Na Austrália, um órgão independente, a Autoridade de Comunicações e Mídia, decide quem pode negociar –veículos precisam ter receita anual de, no mínimo, US$ 150 mil dólares australianos (US$ 100 mil), têm que seguir padrões editoriais profissionais e ter independência editorial.

No Canadá, eles têm que estar classificados como veículos jornalísticos para fins tributários, empregar ao menos dois jornalistas e produzir conteúdo focado em "interesse geral".

Nada disso impediria que veículos abertamente ideológicos, disseminadores de desinformação ou sensacionalistas pudessem negociar e receber recursos das plataformas.

Mas esse é um problema que também se aplica a um possível fundo de financiamento ao jornalismo, modelo defendido por mídias menores e pelas big techs.

De qualquer maneira, as plataformas já financiam veículos desse tipo. Um dos recipientes de recursos do programa Google News Initiative foi a Jovem Pan News. E, conforme mostrou reportagem da Folha, o Google Ads monetiza inúmeros sites que disseminam desinformação relacionada à Covid ou ao processo eleitoral.

"Não há solução perfeita –se você distribui recursos, alguns veículos que não deveriam receber vão acabar recebendo; isso não acontece apenas com o código de barganha: na Suécia, onde há vários fundos governamentais de incentivo ao jornalismo, as pessoas estão com muito medo agora que a extrema direita se fortaleceu nas eleições", diz Schiffrin.

As plataformas discordam da premissa de que deveriam pagar por conteúdo jornalístico e afirmam não lucrar com notícias. Elas dizem que geram tráfego para as publicações, aumentando a receita dos veículos. No entanto, como Google e Meta controlam o mercado mundial de publicidade online (juntos, detêm 60% do faturamento), muitas vezes há pouca transparência e divisão desproporcional da receita com publicidade.

Em post em seu blog, o Google afirma que as buscas ligadas a notícias correspondem a menos de 2% do total no Google globalmente.

Procurada, a Meta afirmou que "os links para notícias representam apenas cerca de 3% do conteúdo que as pessoas veem no Facebook". Em release enviado no fim de março, a empresa afirmou que "os conteúdos com notícias dos veículos tradicionais não são cruciais para a Meta e estão em declínio, enquanto os veículos se beneficiam do tráfego vindo de aplicativos de rede social."

Além disso, a empresa anunciou nos últimos meses que está descontinuando seus programas de incentivo ao jornalismo. A empresa, que havia anunciado US$ 300 milhões para apoio ao jornalismo local em 2019, disse que não vai mais pagar veículos de mídia para veicular seu conteúdo no NewsTab, acabou com o programa de newsletters Bulletin, e vai descontinuar o Instant Articles neste mês. Segundo o Wall Street Journal, a empresa pagava cerca de US$ 15 milhões para o Washington Post, US$ 20 milhões para o New York Times e US$ 19 milhões para o Wall Street Journal.

"Permitir que as empresas jornalísticas negociem coletivamente com as plataformas por remuneração de conteúdo pode ajudar a fortalecer um setor essencial da economia e um pilar essencial da democracia; mas os códigos de barganha não são uma panaceia, eles devem ser parte de uma abordagem ampla que deveria incluir pagamento por direitos autorais, subsídios e incentivos fiscais e ajuda para compra de assinaturas", diz Radsch.

Segundo ela, uma das desvantagens do modelo é que ele não aborda o uso de conteúdo jornalístico pelas plataformas para treinamento dos modelos de linguagem de inteligência artificial generativa. "Essa deve ser a próxima fronteira para remuneração de conteúdo por direitos autorais, ou código de barganha."

Na União Europeia, não houve código de barganha. A UE adotou a diretiva de copyright do mercado único digital em 2019. A lei prevê que os mecanismos de busca paguem direitos autorais aos veículos quando usarem trechos de conteúdo (não há pagamento por links ou trechos muito curtos). Cada país faz sua regulamentação da lei. Desde então, o Google fechou acordos de pagamento de direitos com 11 países. Além disso, também fizeram contratos do Google Destaques com 21 países.

Veja países que já implementaram ou estão discutindo remuneração de empresas de mídia por big techs

Austrália - lei entrou em vigor em fevereiro de 2021 e rendeu remuneração de US$ 200 milhões para veículos de mídia que empregam 85% dos jornalistas australianos

Canadá - lei inspirada na australiana foi introduzida em abril de 2022 e deve ser votada no parlamento neste semestre; previsão é que gere US$ 245 milhões anuais para empresas de mídia

Indonésia - lei que prevê negociação direta entre plataformas e big techs com arbitragem deve ser implementada no primeiro semestre por meio de decreto presidencial

Nova Zelândia - ministro anunciou em dezembro de 2022 que governo pretende adotar modelo semelhante ao australiano

Índia - ministro afirmou em dezembro que é necessário adotar modelo semelhante ao da Austrália para pagamento de veículos de mídia pelas big techs

Brasil - grandes veículos de mídia querem incluir no projeto de lei 2630 (das fake news) o modelo de negociação direta de empresas com plataformas de internet por remuneração de conteúdo jornalístico.

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