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Imposto para taxar compras em sites como Shein e Shopee existe desde 1999

Diferentemente de post enganoso, Lula não criou tributo sobre produtos de marketplaces internacionais

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São Paulo

É enganosa postagem feita por deputado estadual do PL que usa o vídeo de uma entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para afirmar que o governo teria implementado a taxação de produtos importados em marketplaces internacionais, como Shein e Shopee, de 50% no valor da mercadoria.

Importações feitas por pessoas físicas são, desde 1999, taxadas em 60% do valor da remessa (incluindo o frete). A fiscalização do recolhimento desses tributos cabe à Receita Federal e é feita por amostragem.

A publicação do deputado, verificada pelo Projeto Comprova, utiliza a discussão atual sobre uma possível mudança no regime de tributação de produtos importados para enganar o leitor. A proposta de alteração na forma de taxação de compras online internacionais ainda não foi apresentada pelo governo federal, como confirmou o Ministério da Fazenda. "O tema está sendo tratado, mas, até o momento não está definido nenhum instrumento legal para tratamento desses produtos", afirmou a pasta.

Nome "Shein" em letras garrafais brancas e aparentemente iluminadas no alto de uma sala onde há mesas e cadeiras e janelas ao fundo
Escritório da Shein em Singapura; compras on-line feitas por brasileiros no site da empresa já são tributáveis em 60% do valor da remessa - Chen Lin - 18.out.2022/Reuters

Além disso, depois de apresentado pelo governo federal, ainda será necessário que a proposta seja aprovada na Câmara e no Senado para virar lei.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 30 de março, a publicação tinha 578,3 mil visualizações no Twitter. No Instagram, foram 53,2 mil curtidas e 6,9 mil comentários até essa mesma data.

Como verificamos

Primeiramente, buscamos encontrar o vídeo completo em que o presidente Lula faz a declaração que consta no conteúdo verificado. Foi encontrado no YouTube do Brasil247, que fez uma entrevista ao vivo com o chefe do Executivo federal em 21 de março. Em seguida, buscando algumas palavras-chave na transcrição automática gerada pelo YouTube foi possível encontrar os trechos editados para formar o vídeo publicado na peça de desinformação.

Também entramos em contato com o Ministério da Fazenda e com a Receita Federal para questionar sobre uma possível mudança na forma de tributação dos produtos e como é feito atualmente. Por último, foi feito contato com o deputado que fez a publicação.

A entrevista

O vídeo publicado pelo deputado é resultado da junção de dois trechos de uma entrevista ao vivo concedida pelo presidente Lula ao site Brasil247, que foi transmitida no YouTube e pela TV Brasil.

O primeiro trecho usado na peça da desinformação começa a partir de 1 hora e 27 minutos do vídeo da entrevista e o segundo, a partir de 1hora e 35 minutos.

As duas declarações, embora tenham oito minutos de intervalo, têm um contexto parecido. Em ambas, o presidente apresenta um desejo de fortalecer novamente a indústria no país, citando a indústria automobilística como exemplo.

"O fato concreto é que o país está desaparecendo do ponto de vista do crescimento industrial. Está crescendo um setor de serviços e está crescendo importação de produtos que não paga nenhum imposto nesse país", disse, após citar a saída da Ford do Brasil e as férias coletivas concedidas pela Mercedes.

Em outro momento, ele fala novamente sobre as montadoras e a questão das importações sem taxação, principalmente da China.

"Eu quero chamar a indústria automobilística para conversar. O que está acontecendo com vocês? O que está acontecendo com outros setores da economia? Eu quero uma relação extraordinária com os chineses, a melhor possível, mas nós não podemos aceitar que as pessoas fiquem vendendo pra cá coisas sem pagar imposto de renda."

Tributação de produtos importados

Atualmente, a taxação de produtos importados por pessoas físicas é feita pela Receita Federal com base no RTS (Regime de Tributação Simplificada) e regulamentada pela portaria nº 156/1999 do Ministério da Fazenda. Não existe uma determinação específica para produtos vindos da China e/ou comprados em marketplaces, como Shein ou Shopee.

Segundo a norma vigente, pessoas físicas podem importar produtos no valor total de até US$ 3 mil ou o equivalente disso em outra moeda. Nesses casos, o RTS estipula o pagamento do Imposto de Importação com a aplicação da alíquota única de 60% do valor aduaneiro, incluindo o preço do produto e de eventuais taxas de frete e de seguro.

O Fisco informa ainda que "as importações efetuadas por meio do RTS estão sujeitas ao ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), conforme legislação de cada Estado, cabendo sua cobrança aos Correios ou às empresas de courier".

À reportagem, a Receita Federal esclareceu ainda que pessoas físicas que comprarem pacotes vindos do exterior no valor de até US$ 50,00 ou o equivalente em outra moeda têm isenção do Imposto de Importação.

Porém, quando ocorre uma venda, ainda que as duas partes sejam pessoas físicas, é considerado que a parte vendedora está agindo como pessoa jurídica. Dessa forma, o pacote também é tributável.

Novo modelo

Apesar de não ter nenhuma mudança na norma até o momento, o Ministério da Fazenda confirmou ao Comprova que a taxação de compras internacionais em plataformas de varejo online, como Shein e Shopee é um tema que "está sendo tratado".

Atualmente, a equipe econômica do governo é favorável à reforma do sistema tributário no Brasil, e matérias sobre o tema tramitam no Congresso Nacional. Inicialmente, discute-se uma reforma sobre consumo.

Segundo o jornal Estadão, a taxação de produtos importados em plataformas estrangeiras de varejo online, como Shein e Shopee, pode ser incluída nos textos em discussão no Legislativo brasileiro.

A alteração da legislação tributária nesses casos é, inclusive, cobrada por entidades representativas do setor, como a FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo). Ao Estadão, por exemplo, o presidente da FPE, deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), disse que a competição entre marketplaces chineses e empresas nacionais "é desleal".

O Ministério da Fazenda defende a unificação de 5 tributos: IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados); PIS (Programa de Integração Social); Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social); ICMS; e ISS (Imposto Sobre Serviços).

O IPI, o PIS e o Cofins são tributos federais. O ICMS é estadual e o ISS é municipal. Com a unificação, a reforma optará por um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que não é cumulativo e que tem uma alíquota única. Pela proposta, se chamará IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

O que diz o responsável pela publicação: Em 30 de março, o Comprova entrou em contato por e-mail e ligação com o deputado estadual Bruno Engler (PL-MG) para questioná-lo a respeito da publicação. Entretanto, não obteve resposta até o fechamento desta verificação. O espaço permanece em aberto.

O que podemos aprender com esta verificação

Uma entrevista real do presidente foi usada para embasar uma postagem de desinformação. Os autores do conteúdo enganoso editaram as falas de Lula (sobre uma possível mudança na taxação de produtos importados da China) e relacionaram as declarações com uma informação não verdadeira (de que o atual governo já teria alterado a norma tributária).

Para evitar acreditar e/ou compartilhar conteúdos enganosos, busque sempre escutar, ler ou assistir o conteúdo original na íntegra. Desconfie de vídeos em que é possível perceber um "corte seco", isto é, quando as falas são interrompidas de forma abrupta. Isso pode ser indicativo de manipulação da declaração real.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

O Comprova já investigou outros conteúdos compartilhados nas redes sociais que tratam sobre a agenda econômica de Lula, como uma possível tributação do PIX. Também foram apuradas falas descontextualizadas do atual presidente, como o vídeo editado para parecer que o petista defende o fechamento de igrejas.

A investigação desse conteúdo foi feita por A Gazeta e Poder360 e publicada em 31 de março pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, O Popular, Correio Braziliense e Estadão.

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