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Sob Lula, o Brasil tem vivido perigosamente do ponto de vista das finanças

Investidores começaram a se preocupar com o déficit e a dívida do país

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The Economist

Neste ano, até meados de junho, o real brasileiro caiu 17% em relação ao dólar, o pior desempenho de qualquer moeda importante nesse período. O mercado de ações na B3 perdeu 8% do seu valor, mesmo com a recuperação de outros mercados emergentes.

As razões para essa queda não são difíceis de adivinhar: os investidores duvidam do comprometimento do presidente brasileiro de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, com políticas fiscais e monetárias responsáveis, e desconfiam do seu flerte renovado com uma grande máquina estatal.

As preocupações dos investidores parece que começam a ser ouvidas, pelo menos em parte. Este mês, tanto o presidente quanto sua esposa politicamente influente, Rosângela "Janja" da Silva, fizeram de tudo para apoiar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em seus esforços para reduzir o déficit fiscal.

O presidente Lula com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em São José dos Campos (SP), durante cerimônia que anunciou o financiamento do BNDES às exportações da Embraer. - 19.jul.24/Folhapress

Os mercados responderam: o real ganhou cerca de 5% em relação à sua mínima no início do mês e o mercado de ações também subiu.

Mas os sinais são mistos. O governo Lula está gastando muito e parece relutante em controlar isso. Tem se intrometido em empresas estatais. Frequentemente critica o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que é formalmente independente desde 2021.

O mandato de Campos Neto termina neste ano, junto com o de dois dos outros oito membros da diretoria do banco. O governo poderá substituí-los, após aprovação do Senado. Isso significa que 6 dos 9 membros da diretoria terão sido nomeados por Lula.

A preocupação imediata é a fiscal. Após dois anos de superávits primários (ou seja, antes dos pagamentos de juros), o FMI (Fundo Monetário Internacional) avalia que o Brasil acumulou um déficit primário de 2% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2023, o primeiro ano do terceiro mandato de Lula.

O fundo acredita que o índice cairá para 0,7% este ano. O problema é que, como a política fiscal tem sido frouxa, a política monetária deve ser rígida para controlar a inflação. Por sua vez, isso significa que o déficit nominal —que inclui pagamentos de juros— aumentou para 9,4% nos 12 meses até junho, em comparação com 5,8% para o mesmo período em 2022 a 2023, de acordo com o banco Goldman Sachs.

Isso está aumentando a dívida pública, que subiu de 60% do PIB em 2011 para os atuais 85% e pode chegar a 95% até 2029, de acordo com o FMI.

Parte do aumento do déficit em 2023 pode ser atribuído a Jair Bolsonaro, o antecessor populista de direita de Lula. Sob sua supervisão, o Congresso conquistou mais poderes para gastar, distribuindo subsídios a grupos de interesse e dinheiro federal para campanhas eleitorais. Para tentar ganhar a reeleição em 2022, Bolsonaro eliminou impostos sobre combustíveis e aumentou os pagamentos de assistência social.

Ele também adiou o pagamento de precatórios, que são pagamentos ordenados pela Justiça em disputas sobre impostos ou pensões. Desde o final de 2023, o governo teve que pagar quase R$ 90 bilhões, ou 0,8% do PIB, em precatórios.

Mas a maior parte do aumento do déficit não é herdada. Os gastos até agora neste ano aumentaram em 13% em termos reais em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso exclui os pagamentos de juros.

Lula expandiu ainda mais as transferências para os pobres do Brasil. Ele aumentou o salário mínimo –ao qual a previdência estatal e muitos benefícios sociais estão vinculados– acima da inflação. Os gastos com Previdência Social cresceram 10% na comparação anual, impulsionados por um aumento suspeito no número de requerentes do benefício por invalidez.

O governo mudou as regras para vincular os gastos com educação e saúde ao aumento das receitas federais, em vez da inflação. Essa mudança sozinha aumentou os gastos com saúde em R$ 50 bilhões no ano passado, de acordo com Marcos Mendes, do instituto Insper, de São Paulo.

Inundações catastróficas no Sul do país também contribuíram para o aumento dos gastos. Lula anunciou ainda novas políticas industriais que devem custar R$ 1,3 trilhão cumulativamente até 2026, cerca de um décimo do PIB. Ele nomeou uma aliada para comandar a estatal de energia Petrobras, o que gerou temores de um retorno à má gestão do passado.

Para estabilizar a dívida, no ano passado, Fernando Haddad estabeleceu uma nova regra fiscal que limita o aumento dos gastos do governo em 2,5% em termos reais por ano (excluindo o pagamento de juros). Ele prometeu eliminar o déficit primário este ano e registrar superávits primários de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026. Mas em abril, depois que ficou claro que os gastos estavam superando o crescimento da receita, Haddad pediu ao Congresso para afrouxar as metas. Os investidores temem que o governo não esteja falando sério sobre equilibrar as contas.

Esses temores foram amplificados pelas críticas de Lula ao BC. No mês passado, integrantes do seu partido, o PT, entraram com uma ação judicial contra Campos Neto, visando impedi-lo de fazer declarações políticas. A ação judicial foi movida após o presidente do Banco Central jantar com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado de Bolsonaro e potencial rival de Lula na próxima eleição presidencial.

Naquele jantar, Campos Neto teria recebido um convite para ser o titular de um virtual Ministério da Fazenda, caso Tarcísio ganhe as próximas eleições (embora ele negue isso).

A pressão externa torna mais difícil para o BC reduzir sua taxa de juros, atualmente em 10,5%, à medida que a inflação cai (está em torno de 4% ao ano). Em termos reais, essa é uma das maiores taxas de juros do mundo.

Os defensores de Haddad dizem que ele está fazendo o melhor para manter as contas públicas em ordem, apesar de enfrentar hostilidade no PT, seu próprio partido. Mas até agora ele fez isso aumentando as receitas, que cresceram em 10% em termos reais este ano. Haddad taxou fundos de investimento offshore, aumentou tarifas sobre veículos importados e restabeleceu impostos sobre combustíveis.

Em 3 de julho, Haddad conversou com Lula e pareceu tê-lo convencido a desistir de atacar Campos Neto.

O ministro disse que vai passar um pente fino nos pagamentos da Previdência Social, o que pode levar a uma economia de R$ 25 bilhões no ano que vem. Em 22 de julho, ele deve anunciar cortes no orçamento.

Para manter até mesmo a regra fiscal afrouxada no caminho certo, é preciso chegar a pelo menos R$ 23 bilhões, diz Mendes. Haddad lançou a ideia de vincular os gastos com educação e as pensões apenas à inflação. Lula rejeitou isso. "O importante é que a economia está crescendo, o emprego está crescendo, os salários estão crescendo", disse ele nesta semana.

O risco não é de uma crise financeira iminente. O banco central tem US$ 360 bilhões em reservas, o que o torna resiliente a choques globais. Quase toda a dívida pública está em moeda local. As reformas trabalhista, previdenciária e tributária aprovadas nos últimos sete anos estão dando algum impulso ao crescimento que, embora modesto, superou as previsões. Para o bem ou para o mal, os brasileiros são mestres do passado em temeridade fiscal.

Mas não há espaço para complacência. A população está envelhecendo e a conta da Previdência, que já engole 44% dos gastos federais, aumentará ainda mais. A produtividade está estagnada, a educação é deficiente e a infraestrutura é de má qualidade. Tanto o presidente quanto o Congresso parecem apegados à ideia de que os altos preços das commodities, o dinheiro barato dos bancos estatais e os subsídios para empresas vão reavivar o Brasil. Há pouca evidência que sugira que isso aconteça.

Texto do The Economist, traduzido por Daniele Madureira, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com

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