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Uso de estatal para turbinar compra de casa própria trava em impasse jurídico

Compra de carteira de crédito imobiliário dos bancos pode gerar prejuízo à Emgea e punição aos gestores

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Brasília

O uso da estatal Emgea (Empresa Gestora de Ativos) para comprar parte da carteira de crédito imobiliário dos bancos e liberar dinheiro para novos financiamentos à casa própria ainda não saiu do papel e travou em um impasse jurídico.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não encontrou uma fórmula para viabilizar a operação sem que ela gere prejuízo para a companhia. Adotar medidas que sabidamente são prejudiciais às finanças da empresa pode gerar punição aos gestores.

Representantes da empresa já alertaram o Ministério da Fazenda sobre a situação e transmitiram o recado de que, para seguir com a ideia da compra da carteira nessas condições, a Emgea precisará de uma blindagem jurídica robusta.

Lula no lançamento do programa Acredita, no Palácio do Planalto, em abril

A avaliação da companhia é que o respaldo precisa ir além da autorização legal para a realização da operação, incluída na MP (medida provisória) do programa Acredita, que está em vigor.

Uma opção seria a demonstração oficial de que a União, acionista único da estatal, deu o comando para a compra. Os parâmetros gerais da política precisariam ser aprovados em assembleia geral de acionistas.

Como a Emgea é uma empresa comercial não financeira, a avaliação é que a palavra final do acionista prevalece. É uma situação mais flexível do que a dos bancos oficiais, como Caixa e Banco do Brasil, que precisam seguir uma série de regulações mínimas exigidas de instituições financeiras.

Nesse contexto, o comando aprovado em assembleia geral seria suficiente para proteger os gestores e direcionar eventuais questionamentos de órgãos de controle à União.

Outra alternativa seria reservar parte dos recursos da Emgea para buscar investimentos mais rentáveis no mercado financeiro e, assim, compensar o prejuízo com a compra das carteiras de crédito. Essa proposta, porém, reduz a potência da medida sobre o mercado imobiliário —um dos grandes focos de preocupação do governo.

A Emgea foi criada em 2001 para administrar parte da carteira de crédito habitacional da Caixa com inadimplência elevada.

A estatal também tem créditos bilionários a receber do FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), criado na década de 1960 para garantir o pagamento integral dos contratos do antigo SFH (Sistema Financeiro de Habitação). Atualmente, esses valores são honrados pelo Tesouro Nacional.

A empresa é comandada por Fernando Pimentel, ex-governador de Minas Gerais e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no governo Dilma Rousseff (PT).

A engenharia elaborada pelo governo prevê que a Emgea use os recursos recebidos do FCVS para fazer a securitização das carteiras de crédito imobiliário dos bancos.

Na securitização, a companhia compra das instituições financiadoras o direito de receber as parcelas a serem pagas pelos mutuários no futuro. Com o dinheiro, os bancos podem dar novos empréstimos, algo que não seria possível se o recurso ficasse travado no balanço.

Neste ano, a Emgea já recebeu cerca de R$ 5 bilhões do FCVS. O Tesouro deve pagar à empresa outros R$ 5 bilhões em 2025, de um passivo que ainda soma cerca de R$ 14 bilhões.

Parado, esse dinheiro se tornaria lucro da empresa e poderia retornar à União em forma de dividendos —o que até ajudaria o ministro Fernando Haddad (Fazenda) a cumprir suas metas fiscais. No entanto, o governo prefere usar o dinheiro para tentar ampliar a oferta de crédito habitacional.

O problema é que a maior parte dos financiamentos imobiliários é remunerada por uma taxa de juros fixa mais TR (Taxa Referencial), abaixo dos retornos de mercado, usualmente atrelados a IPCA ou CDI mais algum ganho.

O diferencial entre as taxas é a causa do prejuízo da operação, já que a Emgea teria que comprar uma carteira que rende TR mais um juro fixo e revendê-la assegurando uma remuneração maior ao mercado —carregar os recebíveis até o vencimento dos contratos não garante o giro de recursos almejado pelo governo e daria fôlego curto ao crédito.

Um dos modelos possíveis seria constituir um fundo, abastecido com os recebíveis dos financiamentos habitacionais, e emitir cotas de dois tipos: sênior, para investidores externos, e subordinada, destinada à própria Emgea. Em um exemplo hipotético, se a empresa comprasse uma carteira de R$ 1 bilhão, seriam emitidos R$ 900 milhões em cotas sêniores e R$ 100 milhões em cotas subordinadas.

As cotas subordinadas são as últimas na fila de recebimento dos recursos. Significa na prática que a empresa jamais veria a cor do dinheiro de seu investimento. Por isso, a aplicação seria facilmente questionável por órgãos de controle.

Diante dos desafios, a avaliação no governo é de que a securitização no mercado imobiliário só deve começar a rodar em 2025. Até lá, o governo precisa obter apoio no Congresso para aprovar a MP do Acredita, mudar o estatuto da Emgea e descobrir uma fórmula capaz de equacionar os problemas.

A evolução do crédito imobiliário no país é um dos focos de atenção do Executivo. Com a redução histórica de recursos da poupança, usados como fonte de financiamento barato para a casa própria, a avaliação é que é preciso discutir desde já soluções de curto, médio e longo prazo para esse mercado.

No curto prazo, membros do governo cobram do Banco Central a liberação de parte dos recursos da poupança que hoje estão parados em depósitos compulsórios.

Em entrevista à Folha, o ministro Jader Filho (Cidades) disse que há capacidade disponível das construtoras e demanda das famílias, mas faltam recursos para viabilizar a concessão de crédito habitacional.

"O Banco Central é quem está segurando essas medidas [com potencial] de destravar", afirmou.

A liberação do compulsório também é uma cobrança da Caixa Econômica Federal, principal operadora de crédito imobiliário no país.

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