Siga a folha

Decreto de Lula gera temores de interferência em agências em meio a rusgas com Aneel

Ministério de Minas e Energia faz ameaça de intervenção enquanto governo implementa estratégia de revisão da regulamentação; secretária nega intenção de interferir

Assinantes podem enviar 7 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Decreto publicado nesta quarta-feira (21) no DOU (Diário Oficial da União) deu mais um passo na estratégia do governo de rever a regulação no país. Mas o contexto da nova medida trouxe temor de que as mudanças possam abrir caminho para interferências na autonomia das agências reguladoras.

O decreto estabeleceu a chamada "Estratégia Regula Melhor", com o argumento de difundir boas práticas dentro do Pro-Reg (Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação), instituído por outro decreto, de outubro de 2023. Pela proposta, um comitê gestor ficará responsável pela implementação das mudanças em várias áreas do governo, não apenas nas agências.

Sede da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em Brasília; risco de intervenção anunciado pelo Ministério de Minas e Energiq preocupa setor - Divulgação

O texto foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo vice-presidente Geraldo Alckmin na terça-feira (20), mesmo dia em que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, questionou a morosidade da Aneel, a agência do setor de energia elétrica.

Silveira enviou ofício para o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, com um tom avaliado como incisivo para os padrões desse tipo de correspondência. Ameaçou intervir na agência, caso a diretoria não conclua a análise de demandas que são avaliadas como importantes para a pasta.

Feitosa afirmou ao Painel S.A., da Folha, que a agência não é um braço do governo e que os processos são pautados pelos diretores, que são independentes.

A divulgação quase simultânea do decreto e do ofício, com ameaça de intervenção, foi recebida com preocupação no setor, especialmente por que a investida ocorre num contexto de disputa por influência e cargos em diferentes organismos, incluindo na própria Aneel.

Desde o início do governo Lula 3, por exemplo, se ventilou a possibilidade de o TCU (Tribunal de Contas da União) invalidar a permanência do diretor-geral da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), baseado na tese de que teria extrapolado o tempo máximo de permanência no órgão que, independentemente do cargo, seria limitado a cinco anos.

Outros, no entanto, entendiam que o posto de diretor-geral deveria ser contado em separado. A decisão teria repercussões sobre outras agências, como a de energia. Em 7 de agosto, o TCU arquivou o caso, afastando o risco de Feitosa perder o cargo na agência.

Na Aneel, também há vaga na diretoria que está em disputa. O diretor Hélvio Guerra se aposentou. Ele foi indicado pelo MDB, que reivindica sugerir um novo nome.

Um dos pontos listados na queixa formal do MME à Aneel também toca na questões de indicações: a demora da agência em regulamentar a nova governança da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica). A estrutura do organismo foi alterada, também por decreto, em dezembro do ano passado.

Além de reconfigurar a diretoria, a medida criou um conselho. O governo tem a prerrogativa de indicar o presidente e três conselheiros, mas depende do crivo da Aneel para operar oficialmente. O processo está com a relatoria do diretor Ricardo Tili e não avança.

Os embates entre agências e governos são recorrentes e de longa data no Brasil, lembra Jerson Kelman, primeiro diretor-geral da Ana (Agência Nacional de Águas) e, depois, também diretor-geral da Aneel. Ainda em 2003, logo que Lula assumiu o primeiro mandato, a Casa Civil chegou a redigir um texto que acabava com as agências.

"Isso tem como origem o conhecido desconforto de integrantes do governo, incluindo do próprio Lula, com a autonomia das agências. Muitos não percebem que a real independência de uma agência garante o contrato de concessão —que ele não será capturado nem pelos consumidores, nem pelos concessionários ou pelo governo, que tem horizonte de curto prazo, quando as decisões de investimento na infraestrutura é de longo prazo", explica Kelman, que também é colunista da Folha.

"Tendo em vista a minha experiência pessoal quando estive nas agências, vejo a reedição da intenção de desidratar essa independência."

O governo passou o dia reafirmando que a sua proposta com a mudança na regulação é agilizar processos e reduzir custos, aprimorando o arcabouço como um todo.

Nesta quarta, no evento em Brasília em que ocorreu o lançamento da "Estratégia Regula Melhor", Andrea Macera, secretária de Competitividade e Política Regulatória do Mdic (Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), reforçou que não há intenção do governo em atuar contra as agências.

Macera já havia assinado artigo no site da Folha em que defende a ampla melhoria regulatória.

Em conversa com a Folha, Eduardo Nery, diretor-geral da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), foi na mesma linha.

"O decreto vem numa linha positiva, de melhorar a regulação num escopo amplo, não quer interferir na regulação. Foi uma coincidência o decreto sair junto com essas notícias envolvendo críticas às agências", afirmou.

Avaliando apenas o que está posto na norma, a proposta é uma espécie de carta de boas intenções do Executivo, avalia Giancarllo Melito, sócio da Barcellos Tucunduva Advogados para área de regulação.

"Tudo vai depender de como esse comitê gestor vai ser implementado e, depois, como ele vai agir", diz ele.

O advogado Rodrigo Campos, sócio do Vernalha Pereira para as áreas de infraestrutura e regulação, lembra comitê é formado por indicados de órgãos próximos ao núcleo do governo: AGU (Advocacia-Geral da União), CGU (Controladoria-Geral da União), Casa Civil, ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Gestão e da Inovação, e do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) que o presidirá o comitê.

"São ministérios palacianos, órgãos próximos ao núcleo do poder, e sem ligação direta com as agências de setores regulados, como óleo e gás, transportes, aviação, mineração, o que pode denotar que o governo quer ficar mais próximo desses setores, sem necessariamente intervir", afirma Campos.

"É preciso olhar como será feito a coordenação, o monitoramento e a avaliação das atividades necessárias a implementação da estratégia, e como fica a autonomia decisória das agências, algo que é importante para manter o ambiente de segurança jurídica no país. Esse é o ponto-chave de atenção."

Colaborou Paulo Ricardo Martins

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas