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Smilinguido, a formiguinha cristã, buscar se reerguer após quase falir

Licenciar produtos é caminho do 'Mickey cristão' para sair de uma crise impulsionada pela pandemia

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São Paulo

É um trabalho de formiguinha. A marca Smilinguido tenta aos poucos se recuperar de um baque que quase a fez quebrar na pandemia de Covid-19, quando, segundo seu diretor-executivo, Valter Cintra, chegou a acumular um prejuízo de R$ 30 milhões.

O personagem da formiga cristã surgiu há 44 anos, criado por jovens missionários instalados em Curitiba, entre eles um casal que havia se conhecido na Aliança Bíblica Universitária, Hialmar e Márcia d'Haese. Ela desenhava o insetinho que tem por mote "comunicar o amor de Deus", enquanto ele largou um emprego na Volvo para gerir o projeto. Hialmar morreu em janeiro, já há anos afastado dos negócios.

Boneco do Smilinguido durante a LicensingCon, feira de licenciamento que aconteceu no fim de agosto em São Paulo - Folhapress

A escolha pelo pequeno inseto não é gratuita. "A analogia é que somos frágeis como uma formiga, e quem nos fortalece é Deus", diz Cintra. "Por isso o Smilinguido não é um super-herói. Nosso super-herói é Cristo."

A proposta inicial era que se chamasse Zecão, mas o nome não combinava muito com essa ideia de fragilidade. Daí a alcunha Smilinguido, de estar desmilinguido diante da onipotência divina.

Embora o público-alvo seja sobretudo evangélico, o personagem acabou entrando no imaginário afetivo de todo um país. "Chamam de Mickey cristão. Todo mundo conhece, mesmo se não for da igreja", afirma o diretor-executivo da marca, um fiel da Igreja Anglicana que abandonou o setor eólico para assumir a gestão da editora Luz e Vida, detentora dos direitos autorais do desenho.

O Smilinguido apareceu em toda uma sorte de produtos nas últimas décadas: filmes, capas de caderno, agendas, adesivos. "Daí vem o xis da questão", diz Cintra. "A Luz e Vida acabou protegendo demais o personagem e não abriu licenciamento para ele, o que é a nossa estratégia comercial hoje."

Não por acaso esta entrevista foi realizada durante uma feira do ramo, a LicensingCon, superpovoada por modelos vestidos em trajes de pelúcia dos mais variados personagens, do trio cristão Três Palavrinhas à Peppa Pig. O Smilinguido não foi, até porque manter um estande custa caro, na ordem de R$ 30 mil, calcula Cintra. Mas fechou parceria com a Destra, agência da área com espaço ali.

Temia-se, segundo Cintra, um descontrole da imagem da formiga, como se licenciá-la implicasse em ficar à mercê de outras visões de mundo. "A gente nunca gostou de se envolver em temas polêmicos, sempre falou de amor e princípios, não de doutrinas e denominações."

Só que, do jeito que estava, a conta não fechava. A editora tinha que pensar no material, mandar fabricá-lo na China, cuidar da logística para trazê-lo de volta ao Brasil, fechar a venda e cobrar os pagamentos por ela. "Isso nos tomou muita energia, e deixamos de gerar conteúdo." Praticamente um atestado de óbito empresarial para os novos tempos, em que a métrica do sucesso passa por abastecer plataformas com materiais diversos.

O Smilinguido, reconhece Cintra, "perdeu o timing do digital", que, por sinal, lhe parece uma herança incontornável da pandemia. Não ajudou a crise em que o varejo como um todo se meteu no período. Agora é correr atrás. "Mudamos a estratégia e hoje somos uma produtora de conteúdo."

No rol de produtos licenciados tem de tudo: perfume, gelatina, suplemento alimentar, Bíblia para crianças, dominó, fraldas, lancheiras, canecas onde a formiga posa ao lado de dizeres como "Deus é amor" e até um musical que é encenado quase sempre dentro de templos.

Não que haja um libera-geral. "Tenho que aprovar todas as peças licenciadas, todas as cláusulas do contrato", afirma o diretor-executivo. "Nosso projeto não visa apenas ao lucro. Digo que o Smilinguido não é garoto-propaganda, é um missionário da palavra de Deus."

Trabalhar com parceiros evangélicos costuma dar menos dor de cabeça. Quando se juntaram à cantora gospel Fernanda Brum em "Alegria do Senhor", música que começa dizendo que "quem tem Jesus é feliz, quem tem Jesus é legal", a gravadora dela —uma gigante secular, ou seja, sem DNA religioso— enviou um contrato padrão para a turma do Smilinguido assinar.

Um dos tópicos dizia que a artista poderia divulgar o single em qualquer lugar, o que incluía bares. Não que Brum planejasse fazer algo do gênero, mas Cintra pediu que o contrato fosse retificado para se adequar ao ethos cristão.

Ele vislumbra um caminho para que a grife evangélica possa se recuperar do rombo nas finanças que a levou a ficar de fora da ExpoCristã neste ano. Já a imagem do Smilinguido vai bem, obrigado, ele avalia.

Um trunfo, para ele, é um mercado com poucos concorrentes. "Não tem muito personagem para uma mãe cristã botar o filho para assistir."

"Nosso objetivo", diz Cintra, "é alcançar a nova geração". E se a ferramenta de Deus for um celular, um tablet, que seja. "Hoje o que querem para assinar contrato: visualizações. Comparam likes."

Em redes sociais como o Instagram, publicações na conta do Smilinguido geram algumas milhares de curtidas, como a que vaticina: "O choro dura uma noite, mas a alegria, ela vem pela manhã. Eu creio, eu creio!". Cintra crê também que, em dez anos, a marca terá se levantado do buraco financeiro.

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