'Deus quer que você fique rico': Empreendedores pagam até R$ 10 mil na Christ Summit

Evento em Alphaville foi criticado no segmento por usar Bíblia para defender bonança material

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São Paulo

Se Abraão, com o tanto de ouro, gado e terra que tinha, podia, por que você não pode? "Deus quer que você fique rico, sim", afirma Janguiê Diniz, o dono do grupo Ser Educacional e a mente por trás do Christ Summit.

O empresário abriu no último dia 2 a convenção de empreendedores cristãos. Está um pouco na defensiva quando advoga pela aplicação de princípios bíblicos na busca por bonança financeira.

Participantes do Christ Summit, convenção para empreendedores cristãos, no fundo do espaço há um telão azul com letras brancas, em que pode ser lido 'Prosperar é uma decisão'
Christ Summit, convenção para empreendedores cristãos - Anna Virginia Balloussier/Folhapress

Nas semanas que antecederam o evento, realizado num espaço em Alphaville, enclave de elite colado na capital paulista, ele apanhou um bocado nas redes sociais.

"A comunidade evangélica está em polvorosa, questionando a alta cobrança e a compatibilidade desses valores com os princípios cristãos de igualdade", resumiu um post do portal Fuxico Gospel, que falava em ingressos de R$ 7.900 por dois dias de palestras que prometiam o caminho "para uma vida abundante".

Não estava de todo correto. Na data, ainda era possível, com R$ 718, ou 12 parcelas de R$ 59,85, comprar a credencial bronze. Ela dá acesso a cadeiras no fundo do Coliseu Convention e nenhum coffee break. Mas havia desconto para passes adquiridos com antecedência —a reportagem pagou R$ 600 em abril para ser prata, com lugares melhores na plateia.

Há ainda as modalidades ouro e diamante —"a mais top", como descreve um organizador. Essa rende poltronas brancas na frente do palco e um dia de mentoria com Janguiê, o pastor Josué Valandro Jr., líder da igreja de Michelle Bolsonaro, e outros convidados. Sai, no dia do encontro, por R$ 9.467.

Mil graus

O Ministério Atitude, com músicos da igreja de Valandro, toca o hino evangélico "Mil Graus": "O som da festa vai subir/ Sua glória descerá/ Se ouvirá um novo som de aleluia". O que se escuta em seguida é música techno. Luzes piscantes ricocheteiam pelo salão, incrementando a estética de balada.

Edu Santos, o mestre de cerimônias, diz que a "chapa vai esquentar" e repete piadas que associam a divisão das cadeiras à rinha política. Tem a ala da direita, do centrão e, bom, "a esquerda tá meio parada". Anuncia a entrada do patrão na sequência.

Autor de "Seja um Fodido Obstinado", Janguiê incentiva Valdirene, uma espectadora diamante, a dizer que será a primeira bilionária da família, tal qual "um guerreiro imparável".

Bem que tentaram parar o Christ Summit. Muita gente o acusou de usar o nome de Deus em vão, admite o empresário. "Durante muito tempo, ser pobre era bonito, e ser rico era ligado a coisa ruim."

A meta é desconstruir o que ele define como "interpretações inadequadas da Bíblia". Seus livros, aliás, são fartos em exemplos de zilionários —vide Abraão. Para ele, muitos cristãos leem errado Mateus 19:24, que diz ser "mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus".

Na perspectiva de Janguiê é assim: para entrar na antiga Jerusalém, era preciso atravessar um buraco na muralha tão estreito que só um camelo passava. Daí a metáfora, porque quem se apegasse às riquezas materiais, excesso de bagagem, ficaria do lado de fora.

É a tal parábola do jovem rico. Zeloso com os mandamentos divinos, ele se pôs de joelhos diante de Jesus e quis saber como proceder para alcançar a vida eterna. Recebeu o conselho de vender tudo o que tinha, o que achou complicado.

O pastor Cláudio Duarte resume a moral da história: "Ganhe a terra sem perder o céu". A Bíblia não proíbe ninguém de ter grana, diz. Só não vale colocá-la acima dos planos de Deus para você.

Ora, se viver pobretão é o que o Senhor quer para a humanidade, não teríamos exemplos de personagens bíblicos riquíssimos, argumenta. "Na nossa vez é que vamos nos lascar? Não sei de onde tiraram essa loucura."

Teologia da prosperidade

"Nós fomos doutrinados a pensar que riqueza é pecado", repreende Pablo Marçal. Um dos coaches mais famosos do Brasil, que em 2022 quase foi candidato a presidente, ele eletriza a audiência do Christ Summit.

Olá, você teria um minuto para ouvir a palavra do empreendedor cristão? "Você não pode falar um minuto que alguém vai falar de Teologia da Prosperidade, vai te chamar de jovem rico." Entenderam tudo errado, afirma.

Diz o livro de Apocalipse que Nova Jerusalém, cidade que Deus fará para fiéis, terá ruas de ouro. A mensagem é clara, segundo Marçal: "A riqueza tem que ser dominada e ficar sob os seus pés". O importante é não ser como quem oferta o dízimo mas não dá 1% do seu coração à obra divina. "Deus não é couve para você misturar na comida, não dá para tirar Deus de nada."

A Teologia da Prosperidade virou um rótulo negativo na cabeça de muitos cristãos, lamenta Valandro, mente por trás do Mordomos Mastermind, um programa de mentoria para quem quer "superar limites". Tudo graças a uma confusão conceitual, como se essa linha teológica defendesse que a pessoa vale as posses que tem. Nada a ver. "Mas não podemos dissociar que prosperidade também é dinheiro."

A teologia é associada às igrejas neopentecostais, como Universal e Renascer, embora transborde para mais denominações. Ela prega que a bênção financeira, antes tida como pecado, é um desejo do Criador.

Valandro identifica quase 3.000 versículos sobre dinheiro e bens materiais. Salomão sozinho recebia todo ano 23 toneladas de ouro, fora tributos. "Veja você que mente empreendedora ele tem", diz, lembrando que o rei de Israel pediu a Deus para ser sábio. "Quem pede sabedoria está no caminho da riqueza."

Um leão por dia

Apresentado como aquele que "furou a bolha do evangeliquês", Cláudio Duarte é um dos pastores mais pop do país. Já de cara, alerta: "Hoje venho falar de algo que é muito difícil de falar no tal ambiente religioso, que é a prosperidade".

Passemos às dicas práticas: o cristão que deseja empreender precisa saber seu porte, instrui. Há nesta vida gatos, onças e leões, e o gato que achar que tem juba vai se dar mal. E vice-versa. Simba, o protagonista de "O Rei Leão", não se via como um e quase perdeu o bonde da sua história. "Descubra o tamanho do seu negócio."

Pode ser colossal, como o de Salomão, aquele do templo que a Universal emulou numa réplica em São Paulo. Ele tinha 700 mulheres, 300 concubinas e mil sogras, quase uma sucursal do Instituto Butantan, graceja Duarte, zombando com o lugar-comum de que a mãe dos cônjuges é uma cobra.

Em suma: "Eu só vim falar para você ser muito feliz e ganhar um monte de dinheiro, e se você não gosta de dinheiro, depois eu mando meu Pix".

Nunca foi sorte

O investidor João Kleper pareia a bíblica Lei da Semeadura com o mundo dos negócios. Erra o empresário que planta e colhe com as duas mãos. O certo, diz, é plantar com duas mãos e colher só com uma. "O que você faz com outra? Continua plantando, continua investindo."

Kaká Diniz, casado com a sertaneja Simone, ex-dupla de Simaria, credita ao diabo "o tanto que lutaram para este evento não acontecer". Agora é virar a página e aprender a "desbloquear a prosperidade".

Ninguém vai receber nada de mão beijada, afirma. "Deus não mostra o processo, porque se mostrar você desiste". Não antecipou a Davi que ele teria que matar um leão, por exemplo. "Vocês vão precisar passar pela dor porque ela ensina."

Está aberta a temporada para frases de efeito, proferidas com uma trilha sonora sentimental de fundo.

Kaká encerra sua fala dizendo que "nunca foi sorte, sempre foi Jesus". Natália Beauty, do setor de beleza, começa a dela assim: "Primeiro vão te chamar de louca, depois vão perguntar como você fez". André Fernandes, da igreja Lagoinha, brinca que "todo mundo achava Noé estúpido até as primeiras gotas caírem". Aí a arca que construiu a mando de Deus parecia visionária.

O desembargador William Douglas, que chegou a ser cotado por Bolsonaro para a prometida vaga evangélica ao Supremo Tribunal Federal, propõe: imaginem um paciente que chega na emergência com dois tiros, um no peito e outro na mão.

Quando a gente fala de Bíblia, "o tiro no peito é saber onde você vai passar a vida eterna", se no céu ou no inferno, diz. "Mas hoje vim falar do tiro na mão, que é a vida secular." Ou seja, o principal é cuidar do espírito, mas depois é bom tratar da ferida que pode o impedir de viver uma vida plena.

Autor de um best-seller com dicas para passar em concursos, Douglas, que foi aprovado em primeiro lugar em vários, conta que insistir num livro inicialmente recusado por editoras o fez chegar longe. Inclusive lhe deu renda para comprar uma cobertura de 800 metros quadrados com vista para a Baía de Guanabara.

Ele minimiza a máxima popular de que é melhor ser pobre com saúde do que um rico doente. Coisa de invejoso, diz. "Quero ser rico com saúde e feliz." Deus é mais.

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