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Descrição de chapéu Bradesco

Tenho a impressão de que caiu a ficha do governo sobre risco fiscal, diz presidente do Bradesco

Marcelo Noronha, 59, explica a recente queda de lucratividade do banco e o seu plano para retomá-la

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São Paulo

O novo presidente do Bradesco se define como um otimista moderado com o Brasil. Marcelo Noronha, 59, diz estar impressionado com o esforço do ministro Fernando Haddad (Fazenda) em cumprir a meta fiscal e com a qualidade técnica de sua equipe econômica.

Para ele, o governo Lula recentemente abriu os olhos para o potencial efeito negativo de um maior risco fiscal, após o dólar beirar os R$ 5,90.

Noronha na sede do Bradesco BBI, na Faria Lima. Há menos de um ano no cargo, ele visa recuperar a lucratividade do banco em um plano de 5 anos. - Folhapress

Atendendo cerca de metade da população brasileira, o conglomerado Bradesco tem seu desempenho intimamente ligado ao cenário macroeconômico. Com forte penetração na baixa renda e em pequenas e médias empresas, o banco viu sua rentabilidade despencar 10 pontos percentuais de 2019 para 2023, quando o ROAE (Retorno sobre o Patrimônio Líquido Médio) do banco atingiu a mínima histórica de 10%.

Octavio de Lazari Júnior, então CEO da instituição, explicou à época que o banco errou a mão. "Concedemos mais crédito do que deveríamos ter concedido [durante a pandemia]", disse ao comentar o balanço de 2022.

Nesse intervalo, o Bradesco perdeu 45% de seu valor de mercado. Em resposta, o banco trocou o seu comando e o recifense Marcelo Noronha, que na época era vice-presidente do varejo, assumiu o posto.

Antes, o executivo havia passado por quase todas as áreas do banco, causando boa impressão no alto comando. O atual presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, foi quem o promoveu à diretoria da instituição quando era CEO.

Há 30 anos em São Paulo, Noronha não perdeu o sotaque pernambucano. Em entrevista à Folha na sua sala dentro da sede do Bradesco BBI na Faria Lima, o pai de três jovens se descreve como espartano, mas tranquilo, sem frescura e pé no chão, atendendo tanto a empresas multibilionárias de terno, como visitando seu "exército" de gerentes em agências de pequenas cidades vestindo uma camisa polo.

Três meses após assumir, o CEO já apresentava ao mercado um plano de reestruturação do banco, de cinco anos, que inclui novos recursos, como o Bradesco Expresso, uma espécie de revendedora Avon do banco. Os resultados, porém, não virão apenas no longo prazo, diz Noronha.

No segundo trimestre, o lucro de R$ 4,7 bilhões, acima do esperado, levou o mercado a comprar o plano de Noronha. Desde que saiu o balanço, as ações do Bradesco sobem 10%.

Como o senhor ingressou no setor bancário? Qual foi o caminho até a presidência do Bradesco?
Meu primeiro emprego não foi no setor, foi na Superintendência do Desenvolvimento da Pesca como estagiário, com 15 para 16 anos. Passei a estudar de noite para concluir o segundo grau.

Até o momento de fazer a inscrição para o vestibular, tinha dúvida se eu faria administração ou engenharia civil. Tenho vocação para matemática, mas física não é o meu negócio. Então, fiz administração de empresas na Universidade Federal de Pernambuco. Sempre fui curioso nesse tipo de leitura, era o que eu queria fazer, de fato.

Em 1985, comecei a trabalhar no Banorte. Em 1994, no dia 22 de julho, vim embora para São Paulo e fiz minha carreira aqui. Trabalhava no BBVA quando ele foi adquirido pelo Bradesco. Tive a oportunidade de fazer o processo de transição e fui convidado para ficar como responsável pela área de cartões e meios do pagamento. Virei diretor-executivo-adjunto em 2010, na gestão do Trabuco. Depois, diretor-executivo. Em 2015, virei vice-presidente e estava cuidando do varejo quando houve essa modificação.

Por que você teve que começar a trabalhar tão cedo? Qual era a profissão dos seus pais?
Sempre gostei de trabalhar e, naquela época, era normal começar a trabalhar aos 15 anos. Minha família não era rica, mas era estruturada. Nossos valores eram trabalho e conhecimento. Meu pai faleceu quando em tinha cinco anos anos e minha mãe trabalhou no serviço público.

O Bradesco traçou um plano de reestruturação de cinco anos. Quais as iniciativas para retomar a lucratividade vista no passado?
Trabalhamos em uma transformação para aumentar a competitividade do banco no curto e no longo prazo. Não é de hoje para amanhã, mas não é só ao final de cinco anos.

Estamos contratando e estamos muito engajados no sentido de entregar resultados melhores e fazer melhor a cada dia em muitas frentes ao mesmo tempo, o que é complexo. Então, temos que ter uma disciplina brutal e capacidade de motivar, de engajar nosso time. Vamos entregar mais, tenho certeza.

Agora que os primeiros efeitos da reestruturação começam a aparecer e os investidores compraram a ideia, é possível acelerar essas mudanças?
O ritmo obedece ao planejamento determinado e os resultados estão sendo positivos. Estabelecemos uma escala de crescimento dos nossos indicadores de rentabilidade e volume de negócios ao longo do tempo. A aceleração é consequência das novas entregas e da tração e capacidade de mobilização de nossas linhas de negócios.

Quanto mais avança o processo de transformação, mais aumenta o engajamento das equipes, intensificando a adesão nas áreas comerciais e de gestão. Mas sou realista. Não haverá nenhum passo em falso. Cada mudança terá sua contrapartida em resultados concretos, cada passo por vez. Não vamos pular etapas, nem vamos buscar atalhos.

Tem dado certo e assim vamos prosseguir, buscando trilhar o caminho da consistência e da racionalidade.
A linha de chegada todos sabemos qual é. Mas sem açodamento irresponsável.

Quais foram os motivos por trás da queda de lucratividade do banco?
Além do desafio do custo de servir, tivemos uma consequência de dois fatores. O primeiro, alta penetração na baixa renda e nas empresas de pequeno porte. Então, em determinados momentos, sofremos mais do que o resto do mercado. As pessoas que têm menor renda têm muito menos flexibilidade para enfrentar uma crise qualquer, perder o emprego, por não terem reserva. É a mesma coisa da empresa pequenininha. Então, você tem que saber lidar com esse público.

E, em segundo, talvez tenhamos freado [a concessão de crédito] depois. Tivemos que aperfeiçoar modelos para isso não acontecer mais e entregar o limite certo também. Porque crédito não é só modelagem. Há a política de crédito, que é quando eu digo eu vou te dar 100% da sua renda como crédito porque você está com um bom rating. Mas, posso adotar outra política e dizer não, só quero trabalhar com um terço da sua renda. A modelagem ajuda a tomar esse tipo de decisão, mas ela é uma decisão de política. Hoje, estamos bem afinados e melhorando cada vez mais.

Qual é o desafio de custo de servir?
Com o digital, você atinge todo e qualquer público sem uma agência. E, se eu tenho uma agência nos moldes convencionais, tenho que colocar um vigilante, a porta que barra metais etc. Quanto custa para você fazer isso?

E há um outro elemento de custo no Brasil que é a criminalidade. Vemos explosão de agências com uma grande frequência pelo país todo. Às vezes, ao roubar um caixa eletrônico, o cara o explode e o nosso prejuízo é muito maior do que o dinheiro que foi roubado. Isso é algo que devemos pensar, porque você sofreu a primeira, sofreu a segunda, você começa a pensar que não está valendo a pena ficar naquele lugar. O custo começou a ficar proibitivo de levar e trazer dinheiro desses lugares.

Aí alguém vem competir comigo com o digital, que custa muito menos e oferece até mais risco, na medida em que uma pessoa de baixa renda tem cinco cartões de crédito de cinco instituições diferentes e se enrolou.

O banco planeja reduzir agências?
Todos os bancos no mundo estão repensando a agência, estão repensando a forma. Eu diria que repensar a agência não significa não ter agência. Essa rede toda eu consigo manter? Onde eu consigo manter? Qual é o melhor formato? Como é que eu gerencio melhor os clientes? Temos todos esses desafios aqui, mas não estamos trabalhando para reduzir força de venda. Vamos reduzir um ponto físico aqui e ali, ajustar e ampliar o Bradesco Expresso, que é uma vantagem competitiva.

Precisamos melhorar o nosso custo de servir para aumentar a competitividade com esse público [de baixa renda] e competir com os bancos digitais. Todos os incumbentes estão muito digitais, só que vamos customizar isso. Entregamos um app novo, e com o passar do tempo o cliente vai ter nele apenas as funcionalidades que quiser, eu não preciso de 200 aplicações que a gente tem, isso gera complexidade. Se o cara que não tem facilidade digital, ele tem esse desafio.

Como é o Bradesco Expresso?
O Bradesco Expresso se pluga perfeitamente na nossa estratégia do varejo massificado, de combinar presença física com o digital, porque tem muita gente que se identifica com esses lugares. São quase 38 mil estabelecimentos comerciais no Brasil. Nem todos são ativos, os ativos com transação todo dia são cerca de 28 mil. São mercadinhos, farmácias, armarinhos, que recebem dinheiro e têm um tablet com os sistemas do Bradesco.

Temos pelo menos um correspondente bancário em todos os municípios do Brasil, são 5.600 mais ou menos. Se aquele correspondente bancário, por qualquer razão, encerrar, o pessoal do Bradesco Expresso vai lá para colocar outro. Talvez só a Caixa [tenha capilaridade semelhante].

De certa maneira, pelo Bradesco ser um banco muito tradicional, o senhor acha que essa transformação demorou um pouco a mais do que os concorrentes para acontecer?
Não acho que seja essa a questão. É muito mais sobre a maior facilidade de mudar num momento em que você enxerga definitivamente que você precisa mudar. Diminuir um pouco o resultado, por exemplo, isso estimula a mudança. E eu tenho sido muito apoiado pelo conselho e principalmente pelo Trabuco. Então, tudo que colocamos na mesa, eles têm apoiado, têm estimulado. Ninguém tem medo de mudança.

Você acha que a cultura do Bradesco não mudou? Ela continua a mesma?
Ela continua, mas a gente está debatendo muito isso, porque uma coisa são os valores: ética, respeito com os clientes, vocação para lidar com o cliente, apetite pelo Brasil. Não queremos mudar isso, mas precisamos mudar detalhes, paradigmas, e incluir, talvez, algumas habilidades que não temos desenvolvido, como ser mais colaborativo, para todo mundo trabalhar em grupo. Tenho que ter sempre equipes multifuncionais. Juntar o cara de tecnologia, o cara de produto, o cara de negócio, o cara de compliance. Em determinado momento, cada um lidera. Sem uma hierarquia, necessariamente.

Quantos níveis de liderança foram excluídos nessa mudança?
Excluímos três níveis de hierárquicos e estamos inibindo outros. O propósito não foi financeiro, foi ganhar dinamismo, melhorar a comunicação, sem perder de vista a oportunidade de crescimento profissional de todos.

E quais as mudanças na remuneração da chefia?
Quem fez um ano melhor vai ser mais premiado. Isso é meritocracia. Ao chegar no início do ano, a gente vai medir tudo. Isso é uma mudança grande, que o conselho apoiou plenamente. Isso nos dará agilidade, vamos conseguir tomar decisões mais rapidamente.

Como o senhor avalia o cenário macroeconômico do Brasil?
Vivemos em um momento mais complexo. A taxa de juros não deve cair e temos o risco de alguma subida na Selic a depender do comportamento do câmbio, se ele for bater na inflação, o que é ruim. Eu queria estar vendo o Brasil com uma taxa de juros muito menor. Mas essa é a realidade para o ano. A expectativa do banco é mais de manutenção dos 10,5% do que um potencial subida, mas o lado bom da conjuntura, que talvez dê um alento, se o câmbio não disparar aqui, é essa potencial queda de taxa de juros nos Estados Unidos em setembro, o que pode ajudar a gente a não ter de subir taxa de juros.

Vejo o PIB do Brasil ainda crescendo 2,3% neste ano. Os economistas invariavelmente estão errados nos últimos anos. Tínhamos expectativa de 2,5%, mas, como o juro se manteve em 10,5%, a previsão foi para 2,3%. E, se a Selic permanecer em 10,5%, vai inibir o crescimento para o ano que vem, e ele pode ser 1,5%.

A projeção que o próprio Banco Central fez foi que se a taxa ficar nesse patamar, a inflação no primeiro trimestre de 2026 podia chegar a 3,2%. Esse é um dado ainda positivo do Brasil, a inflação está contida, e estamos com um nível de desemprego de 6,9%, a renda real da população cresceu, o que é positivo para a economia. Desde que não bata na inflação, maravilhoso.

E as políticas monetária e fiscal?
Acho que o Banco Central está pé no chão, fazendo o seu trabalho. Fez o dever de casa em política monetária, atuando de forma eficaz, mas também tenho uma crença maior que outros colegas no cumprimento das metas fiscais. Essas combinações são importantes para o país.

Do lado fiscal, sendo muito franco com você, o ministro Haddad está fazendo um esforço grande. Ele e alguns membros da equipe têm me impressionado com um esforço grande de cumprir com essa meta fiscal, e a expectativa é que, efetivamente, consigam fazê-lo. Eu sou um pouco mais otimista com o pé no chão porque o Brasil é o Brasil.

Eu tenho a impressão de que caiu a ficha [do governo com relação ao fiscal] porque um câmbio assim, todo mundo fica olhando para aquilo ali e sabe que tem consequência. E o governo, independentemente de qual for, seja mais a esquerda, seja mais a direita, deveria ter a consciência de que temos que conter gasto público para melhorarmos a qualidade da vida das pessoas porque inflação é muito ruim para a camada mais pobre da população. Mas também sou partidário de gasto público para melhorar a qualidade de vida do brasileiro. Venho do Nordeste, conheço bem a realidade. Sabemos o que significa isso para a população. Agora, pior é a inflação alta, que gera uma transferência de renda brutal.

Com a iminente mudança no comando do Banco Central, Gabriel Galípolo, o mais cotado, é um bom nome para a presidência?
Pode ser um bom nome. Ele é um cara que já tem experiência, está convivendo com a equipe do Banco Central. Ter alguém de lá de dentro que suceda o Roberto Campos Neto é positivo. É positivo para a continuidade das coisas.

Com Galípolo no BC, a condução da política monetária pode mudar? Na recente disparada do dólar, que quase chegou aos R$ 5,90, teria sido o caso de intervenção do BC no mercado para acalmar os ânimos?
As decisões do Copom são técnicas e endereçadas ao cumprimento da meta de inflação. Essa é a missão do Banco Central. Não vejo possibilidade de mudança em relação ao que vem sendo feito. As declarações do Gabriel Galípolo estão alinhadas, e por isso não tenho preocupação que possa haver uma inflexão no rumo traçado até agora.

É óbvio que todos os diretores têm a sua visão sobre os efeitos da taxa de juros na economia em geral. A divergência de opiniões é boa e fortalece as decisões.

Em relação ao dólar, acho que o volume de reservas do Banco Central é robusto e há ferramentas que podem ser usadas, se necessário, como foi dito por diretores do BC recentemente.

Como o senhor avalia Lula 3 em relação a Lula 1 e Lula 2?
As circunstâncias são muito distintas. Desde a base de apoio no Congresso até a própria conjuntura econômica daquela época é muito distinta da conjuntura que atual. Então, em primeiro lugar, a base de comparação é distinta aqui. Acho que tem coisa que está sendo bem trabalhada. O ministro da Fazenda está fazendo esforço fiscal e também vejo esforço no mesmo sentido da ministra do Planejamento [Simone Tebet]. Por outro lado, acho que o próprio time do governo tem a consciência de que há coisas a melhorar noutras áreas.

RAIO-X | BRADESCO NO 1º SEMESTRE DE 2024

Fundação: 1943, em Marília (SP)
Lucro líquido: R$ 8,9 bilhões
Funcionários: 84,7 mil
Agências: 2.510
Clientes do conglomerado: 108 milhões

RAIO-X | MARCELO NORONHA, 59

Nascido em Recife e formado administração, trabalhou no BBVA, onde coordenou a fusão com o Bradesco, onde virou diretor-executivo e vice-presidente. Cuidou das áreas de marketing, financiamento de automóveis, crédito consignado, relação com clientes e dos bancos de atacado e de varejo. Também coordenou a aquisição do BAC Florida Bank, hoje Bradesco Bank.

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