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Silvio Santos

Por que SBT virou sinônimo de 'Silvio Brincando de Televisão'

Para o bem e para o mal, nunca houve um dono de TV como o apresentador, conhecido por decisões alopradas e repentinas

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São Paulo

Parecia uma loucura de Carnaval —e de fato era. No conforto de casa, o telespectador do SBT experimentou a desorientação temporal da folia de rua e teve a impressão de voltar duas décadas ao passado.

Em noite do desfile das campeãs neste ano, Silvio Santos, morto neste sábado (17) aos 93 anos, decidiu mudar a grade de seu canal para exibir a apresentação de 2001 da escola carioca Tradição, cujo enredo o homenageou. O SBT transmitiu o enredo "Hoje É Domingo, é Alegria, Vamos Sorrir e Cantar" conforme ele havia ido ao ar na Globo, com comentários de Cleber Machado e Glória Maria.

 Silvio Santos em seu programa no SBT
Silvio Santos em seu programa no SBT - Divulgação

A ordem de Silvio para pôr no ar o desfile na íntegra fora dada dias antes, causando alvoroço nos bastidores da emissora. A própria Globo foi pega de surpresa pela transmissão de suas imagens."Ele estava vendo a homenagem no YouTube, pensou no desfile e disse: 'Vamos reprisar amanhã'. A gente aqui no SBT pensou 'ai, meu Deus, o que a gente vai fazer?'", contou Daniela Beyruti, a filha "número três" de Silvio e vice-presidente do SBT, à Folha. "E foi isso. Fizemos e colocamos no ar. Este é o Silvio Santos."

E este é o SBT. O episódio foi a última das decisões inusitadas e não raro hilárias tomadas em quase cinco décadas como apresentador e proprietário do SBT, mas o telespectador costumeiro do SBT já estava acostumado. De alguma forma, via nessas medidas alopradas um sinal de autenticidade frente a concorrência.

A grade de programação parecia um brinquedo nas mãos de uma criança, tanto que a sigla SBT ficou conhecida internamente como "Silvio Brincando de Televisão". Não raro, atrações eram canceladas no dia seguinte à estreia, e funcionários eram demitidos e recontratados de acordo com o humor de Silvio no dia.

O Programa Livre, de Serginho Groisman, por exemplo, mudou de horário mais de 20 vezes. Jô Soares Onze e Meia, o clássico talk show do humorista, costumava ir ao ar bem depois do que indicava seu título. O programa Triturando, de fofocas, foi cancelado quatro vezes —e sua última encarnação durou apenas um dia.

São inúmeras as históricas folclóricas. Em 1988, o SBT anunciou que exibiria o filme "Rambo". No dia, para atrapalhar o concorrente, a Globo esticou a novela "Vale Tudo", grande sucesso na época. Silvio não titubeou e pôs no ar um slide com os seguintes dizeres, paralisado por 50 minutos: "Não se preocupe, quando terminar a novela da Globo, você vai ver 'Rambo'".

Com estratégias assim, Silvio ganhou a simpatia do público, deu uma cara única a seu canal e levou o SBT ao posto de segunda maior emissora de TV do Brasil. Em 2015, em rápida entrevista à Rede TV!, declarou: "Eu não assisto nem Gugu, nem Ratinho. Gosto de ver Netflix".

No mesmo ano, fez "propaganda gratuita" do serviço de streaming durante seu programa no SBT. Fã da série "The Bible", ele recomendou: "Se você não tem Netflix na sua casa, passe a ter". "A mensalidade é R$ 18,90, creio eu", prosseguiu, antes de concluir, pedindo aos donos do Netflix que lhe dessem um desconto. Acabou ganhando uma assinatura vitalícia.

Outros episódios, contudo, demonstravam atos mais passíveis de crítica de sua personalidade, como o descaso com que tratou o jornalismo do SBT. Repetidas vezes, explicou: "Eu já dei ordens aos jornalistas da minha empresa para nunca criticar e só elogiar o governo". Em 2016, escalou um garoto de 18 anos, Dudu Camargo, para apresentar um telejornal.

A bajulação a governantes foi comum ao longo de sua trajetória como empresário. Em 2020, após reclamações do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro sobre matéria do SBT Brasil, Silvio cancelou a exibição do telejornal no dia seguinte, que foi substituído por uma reprise do Triturando.

Em maio deste ano, o SBT tirou do ar reportagem sobre supostas multas aplicadas a caminhões com doações para vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, após reclamação do governo Lula.

Além disso, mais recentemente, Silvio passou a ser criticado por parte dos fãs que considerava preconceituoso e de gosto duvidoso o tratamento que dava a mulheres, crianças e minorais.

Em 2009, o Ministério Público Federal em São Paulo recomendou que o Ministério das Comunicações instaurasse um procedimento administrativo para apurar a exposição de Maisa da Silva, então com 7 anos, no Programa Silvio Santos. Dias antes, Maisa havia sido trancada em uma mala e chorado ao ver um menino mascarado.

Também recebeu muitas críticas em julho de 2017, quando comentou em seu programa um vídeo no qual Fernanda Lima aparecia. "Com essas pernas finas e essa cara de gripe, ela não teria nem amor nem sexo", afirmou, em trocadilho com o programa apresentado por ela na Globo, "Amor & Sexo".

Pouco depois, Fernanda, em entrevista ao "Pânico na Band", rebateu o dono do SBT. "Acho que Silvio é o maior comunicador vivo brasileiro, mas, nesse quesito, eu perguntaria 'Silvio, por que não te calas?'.

Outras vezes, contudo, era capaz de ousadias impensáveis para um homem em seu papel. Em 2001, Silvio protagonizou outro momento marcante ao dar um selinho em Gilberto Gil durante o programa Teleton, que arrecadava doações para crianças com deficiência. "Em anos bissextos, eu saio do armário", brincou 12 anos depois, ao relembrar o episódio.

Ao levar uma mulher trans ao palco, o que fazia com alguma frequência, perguntou o que ela havia feito com o "bilau". E completou: "Eu sempre tive vontade de sair com um homem. Verdade. Qual é o problema? Cada um tem sua fantasia sexual. Vou me entregar a ele", disse, para o delírio de sua plateia, quase toda feminina.

As referências sexuais ficaram cada vez mais frequentes em sua última década na TV. Em um quadro de adivinhação na noite de domingo, perguntou a Helen Ganzarolli, apresentadora com quem brincava ter um caso, "o que entra e sai, só para de comer quando vomita". A resposta dita no ar foi uma versão mais amena do que todos imaginamos.

Para o bem e para o mal, nunca houve um dono de TV como Silvio Santos.

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