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'Loja do preso': empresas miram nicho de mercado vendendo itens que podem entrar em penitenciárias

Negócios preparam o jumbo' com alimentos, cigarros, bíblia e até dominó para familiares enviarem a detentos

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São Paulo

A pequena loja que o empresário Péricles Ribeiro, 44, mantém no centro de Belo Horizonte lembra um mercadinho de bairro, daqueles onde é possível encontrar de tudo um pouco, do miojo ao rádio relógio. Só que boa parte dos produtos que ocupam as prateleiras leva um nome diferente.

Chinelo é táxi, pilha é carvão e aparelho de barbear chama trator. A linguagem é outra porque remete às gírias usadas por sua clientela.

Criada por Péricles em 2018, a Loja do Preso integra um nicho de mercado formado por empresas que vendem roupas, alimentos e itens pessoais já no padrão aceito pelas penitenciárias. São negócios geralmente tocados por ex-detentos ou familiares, que enxergaram nas duras regras do sistema prisional um caminho para empreender.

O empresário Péricles Ribeiro, 44, dono da Loja do Preso, no centro de Belo Horizonte - Alexandre Rezende/Folhapress

Itens de higiene, biscoitos, cigarros, bíblias e até dominó. A lista de produtos vendidos é diversa e inclui praticamente tudo que pode estar no jumbo, como são chamados os kits enviados a presidiários pelos familiares ou levados em dia de visita.

No caso do Péricles, a ideia de montar a loja surgiu depois que ele foi preso, em 2016. Durante os 83 dias em que ficou detido, ele recebeu alguns jumbos que chegaram incompletos por causa das regras de padronização.

"Cada unidade tem uma lista de exigência. Por exemplo, minha esposa foi levar biscoito recheado: cadeia nenhuma aceita biscoito recheado. Pacote de suco, só podia entrar com dois e ela levou quatro", conta.

Quando foi liberado, Péricles diz que o problema passou a ser conseguir um emprego. Ajudado por um amigo, ele conheceu uma costureira com quem começou a trabalhar. Foi nesse momento que veio a ideia de fazer roupas para os familiares enviarem aos detentos. Era o início da loja.

Panfletando no ponto de onde partiam as vans para os presídios e vendendo roupa "em porta de cadeia", como diz, o empresário viu o negócio ir crescendo aos poucos.

"O pessoal pedia outros itens, um rádio, uma pilha e nós começamos a levar algumas coisas no carro. A demanda foi aumentando e, no decorrer do processo, fomos montando a loja", diz.

Para assegurar a descrição dos clientes, Péricles preferiu não ter uma placa de identificação na fachada; a faixa é colocada apenas para fotografias - Alexandre Rezende/Folhapress

Hoje, a Loja do Preso vende mais de 400 jumbos por mês, boa parte enviada diretamente para as unidades prisionais de Minas Gerais via Correios. A loja tem a lista do que pode entrar em cada presídio do estado, além de informações sobre a quantidade autorizada e em quais dias os kits podem ser enviados.

Recentemente, essas empresas ganharam visibilidade nas redes sociais na esteira do sucesso das "cunhadas", termo que se refere às mulheres dos presos.

Nas redes da Loja do Preso, alguns vídeos já bateram 500 mil visualizações. Com bom humor, Péricles diz que o sucesso nas redes ajudou a aumentar o fluxo da loja, mas também diminuiu o preconceito sofrido por ser ex-detento.

"A ressocialização no Brasil não existe. Ela só é uma palavra bonita", diz.

É o que também pensa Demetrius de Freitas, 48, fundador do Disk Jumbo, em São Paulo. Após ser preso em 2010, ele passou a ver que a ressocialização no Brasil "vai só até a página dois". "Para você conseguir emprego é muito difícil", diz.

Com o dinheiro que conseguiu juntar trabalhando na penitenciária, Demetrius montou o site do Disk Jumbo em junho de 2020.

"Sabendo da necessidade que tinha, de cada senhora que ia na cadeia, de cada irmão, cada irmã, eu consegui montar isso. Nesta semana, nós chegamos a 10 mil clientes atendidos e já enviamos um total de 6.177 jumbos", afirma.

Segundo ele, o melhor momento do negócio foi na pandemia, época em que as visitas estavam proibidas e a solução era mandar os itens pelos Correios. Naquela época, ele diz ter vendido cerca de 850 jumbos por mês.

Hoje, a média fica em 150 kits mensais, e os valores são relativos. "Eu tenho uma cliente que compra um jumbo de R$ 800 por semana, e outra que compra o nosso básico de R$ 180", diz.

Também em São Paulo atua a Jumbo CDP, que foi fundada em 2013. Hoje, a empresa tem 15 funcionários e trabalha com envio de jumbos e confecção de roupas —o carro-chefe.

Segundo Victor Albuquerque, 26, sócio da Jumbo CDP, a maior dificuldade do negócio está relacionada à falta de padronização sobre o que pode e o que não pode entrar em cada unidade prisional.

"Nós temos esse conhecimento, mas não é fácil ficar sabendo de atualizações de regras todas as semanas", diz.

Em algumas penitenciárias, por exemplo, só podem entrar produtos com cores azuis. Outras proíbem qualquer item amarelo. A restrição pode ser uma forma de evitar que o produto se camufle com a cor do ambiente e sirva para tampar algum buraco ou esconder algo ilegal.

"A gente tem uma cartela de cores de sabonete para atender as unidades prisionais. O mesmo com tampa de xampus, embalagens transparentes", diz Victor.

Segundo ele, foram dois anos de estudo para conhecer as regras de todas as penitenciárias de São Paulo. E, se o trabalho já é difícil para as empresas, o que dirá para os familiares.

Demetrius, do Disk Jumbo, ressalta que o foco da empresa é ajudar as esposas e parentes de quem está detido —algo nem sempre fácil de compreender, ele diz. "Tem gente que acha que você está ajudando o preso. Não, você está ajudando o familiar."

Apesar de todas as barreiras, o bom humor ainda encontra espaço nesse nicho. Como diz Péricles, o negócio da Loja do Preso é igual ao de funerária, ninguém quer ser cliente.

"Eu costumo dizer o seguinte, precisar de mim não é muito bom", brinca.

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