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Brasileiros levam startups para Portugal de olho no mercado europeu

Proximidade entre empreendedores, universidades e investidores fortalece cenário de inovação do país, que busca se tornar polo tecnológico na UE

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Lisboa

A primeira coisa que impressionou Dorirley Rodrigo Alves quando chegou a Aveiro, cidade do norte de Portugal, foi a segurança para andar nas ruas. "Quando experimentada, torna-se libertadora", diz Alves, nascido na cidade mineira de Piumhi e formado em computação em Belo Horizonte.

Ao contrário de muitos brasileiros que sonham em se aposentar em Portugal, no entanto, Alves não foi morar em Aveiro em busca de tranquilidade. Ele tem um objetivo ambicioso: reeditar em solo europeu um negócio que criou e que fez sucesso no Brasil.

Num movimento cada vez mais comum entre empreendedores brasileiros na área de tecnologia, decidiu começar esse processo de internacionalização por Portugal.

A imagem mostra uma vista aérea de um complexo de edifícios modernos, com um grande estacionamento em primeiro plano. O sol está se pondo ao fundo, iluminando a cena. Há várias áreas verdes ao redor e um corpo d'água visível ao fundo, com campos e casas ao longe. O estacionamento está cheio de carros e há ruas bem definidas ao redor dos edifícios.
Parque de Ciência e Inovação da Universidade de Aveiro no município de Ílhavo - Divugação/PCI

A ideia que mudou a vida de Alves foi inventar um modelo matemático para criar escalas de trabalho para empresas que operam no esquema 24 por 7, de domingo a domingo –como hospitais, portos, hotéis e supermercados.

Surgiu assim a Revex, empresa fundada por Alves que hoje conta com 30 clientes de consultoria e 50 que compraram o software desenvolvido por ele. O empreendedor viu a oportunidade de se expandir para a Europa, com foco em Portugal, França, Itália e Espanha. "Estudei as leis trabalhistas desses quatro países e são mais simples que as brasileiras. Achei que havia aí uma oportunidade."

Alves mora em Aveiro e dá expediente no PCI (Parque de Ciência e Inovação) ligado à universidade local. Ele abriu uma nova empresa em solo português e a hospedou numa incubadora —ambiente que promove o desenvolvimento de novos projetos— dentro do PCI.

"Achei que era melhor criar uma empresa nova na Europa por várias questões, incluindo financiamento. Estar hospedado no parque tecnológico ajudou minha integração no ecossistema", diz Alves. "A vida de uma startup é melhor aqui que no Brasil. Se o projeto for bem desenhado, o acesso a fundos é mais fácil e são exigidas menos garantias por parte dos investidores."

Hospedado no PCI, Alves se integrou a um ecossistema que cada vez mais atrai empresários brasileiros: a cena portuguesa de startups. O país conta com 174 incubadoras registradas na Startup Portugal, entidade sem fins lucrativos que apoia o governo na coordenação do ambiente digital.

As incubadoras com maior nível de inovação estão em parques tecnológicos ligados a universidades, como a de Aveiro, que é um polo de cursos de engenharia. Existem similares ao PCI em Lisboa, Porto, Braga e Coimbra.

É corrente no ambiente de negócios português o mantra de que o país almeja se tornar a Flórida e a Califórnia da Europa —ao mesmo tempo um polo turístico e um polo tecnológico. Desde 2019 existe um "startup visa", um visto especial para quem quer criar empresas tecnológicas no país. Lisboa também é sede do maior festival digital da Europa, o Web Summit, cujo networking gera vários negócios novos.

"O ecossistema português de tecnologia é um dos que mais cresce na Europa. Isso se deve, entre outras coisas, à proximidade entre empreendedores, universidades e investidores", diz Gil Azevedo, diretor executivo da Unicorn Factory de Lisboa.

Misto de incubadora, aceleradora e agregadora de hubs tecnológicos, a Unicorn Factory —organização sem fins lucrativos ligada ao poder municipal— é um termômetro desse crescimento. Há dois anos, expandia-se à razão de 50 novas empresas incubadas por ano. Neste ano serão 250. No balanço de entradas e saídas, 400 startups giram atualmente em torno da Unicorn Factory —metade delas de donos estrangeiros com ambição de internacionalização.

Segundo Azevedo, o valor total das startups instaladas em Lisboa era, em 2018, metade do de Milão, a capital econômica da Itália. Em 2022 as duas cidades estavam empatadas. "Portugal em geral, e Lisboa em particular, vêm aparecendo com destaque cada vez maior em rankings internacionais de tecnologia", diz Azevedo. Lisboa foi escolhida, neste ano, a capital europeia da tecnologia, e as incubadoras espalhadas pelo país galgam posições no ranking do jornal britânico Financial Times.

Fundado em 2017, o PCI de Aveiro está integrado nesse ecossistema. Atualmente há 55 startups incubadas lá, das quais 15 são de brasileiros. Grandes empresas de tecnologia também marcam presença no parque de inovação, e algumas delas são acionistas da empreitada junto com a universidade.

"Nosso objetivo é receber gente do mundo todo, que queira criar novos negócios ou expandi-los para a Europa a partir de Portugal", diz o português Luis Barbosa, executivo de carreira internacional que é diretor-geral do PCI desde junho deste ano.

Barbosa trabalha em coordenação estreita com a UE (União Europeia). Ele faz parte de um conselho continental que analisa projetos inovadores nas sete áreas prioritárias da UE: inovações digitais, microchips, energia, mobilidade, arquitetura verde, projetos espaciais e projetos de defesa. "Fazemos o ‘soft landing’ para inovadores", diz ele, referindo-se a dar infraestrutura para quem chega a Portugal para empreender e internacionalizar-se. "E também a ponte com possíveis fundos e investidores."

O ecossistema digital de Portugal também inclui consultorias especializadas neste ‘soft landing’. Uma delas é a Atlantic Hub, que inclui incubadora, eventos empresariais, ponte com investidores e também uma área de inteligência, que mapeia a concorrência nos diversos setores.

"Portugal entendeu que é um mercado pequeno, e os empreendedores sabem que não faz sentido desenvolver negócios apenas locais. Os projetos são pensados desde o início para se expandir para vários países", diz o brasileiro Eduardo Migliorelli, fundador do Atlantic Hub. "Por isso é o país ideal para montar a sede de um negócio voltado para a Europa."

Foi precisamente isso o que fez Marcelo Bastos, fundador da Sizebay. Sua empresa, criada em Joinville em 2014, desenvolveu uma tecnologia para facilitar compras de roupas online —ela se define como um "provador virtual". O índice de devolução e troca nessa área do e-commerce costumava ser alto porque muitas vezes os produtos não serviam nos clientes. O Sizebay minimizou esse tipo de erro pedindo aos compradores algumas informações básicas. A tecnologia fez sucesso no Brasil, lojas grandes como Riachuelo e Marisa se tornaram clientes da Sizebay —e Bastos achou que era hora de se expandir.

O roteiro seguido por Bastos passou por várias das estações listadas acima. Em 2018 ele veio para o Web Summit fazer contatos. Fez um circuito para conhecer empresas têxteis com a ajuda da Apex, a agência brasileira de suporte aos exportadores. Abrigou-se numa incubadora semelhante à do PCI, ligada à Universidade de Coimbra, e conseguiu financiamento com um braço de investimento do Atlantic Hub. Acabou abrindo um escritório em Portugal de onde se expandiu para Espanha, Holanda e Itália —país que hoje é responsável por uma fatia expressiva de seu faturamento.

"Há ainda muito preconceito contra empreendedores brasileiros. Contratar parceiros localmente ajuda. Foi o que fizemos na Itália", diz Bastos. "Passamos a atender marcas como Dolce e Gabbana e Roberto Cavalli. Com esses clientes na carteira foi mais fácil crescer." Ele vê muitas vantagens em se expandir a partir de Portugal, embora critique a burocracia local. "Há a facilidade da língua, a cultura parecida, e alguns investidores brasileiros que já conhecem nossas práticas. Começar por Portugal significa amortecer os riscos."

Dentro da nomenclatura das startups, talvez fosse mais correto chamar a Sizebay e a Revex de "scaleups" —empresas que já têm um modelo testado e buscam novos mercados. No ecossistema português, no entanto, há também espaço para empresas em estágios mais embrionários, e até para projetos que ainda estão no powerpoint. No primeiro caso está a Digna, fundada pela engenheira mato-grossense Evelin Mello da Costa. No Brasil, a empresa se dedica a reformas em casas situadas em bairros de baixa renda.

Nascida na periferia de Campo Grande, Costa teve a ideia da Digna a partir de um episódio ocorrido com seu pai, funcionário de uma empresa de varejo. Ele reuniu, durante anos, um pequeno orçamento para reformar a casa da família —e, no meio da reforma, os pedreiros fugiram com o dinheiro. "Isso não ocorreria se o processo fosse mais profissional, com engenheiros ou arquitetos supervisionando a obra, mas foi aí que percebi que moradores de bairros de baixa renda não contratam engenheiros nem arquitetos", diz Costa. "A Digna surgiu daí."

A empresa se especializou em reformas pontuais sequenciais —primeiro o banheiro, depois a cozinha, depois os quartos, por exemplo— pagas a prestação e realizadas no ritmo das possibilidades do cliente. Lotada no PCI, Costa vê um mar de possibilidades. "Há uma crise habitacional na Europa, e descobri que nossos métodos para reformas populares têm muito valor aqui", diz Costa. Práticas sustentáveis —como aproveitar materiais de demolição— também atraem especial interesse, e eventualmente subsídios, na UE.

Quando se mudou para Portugal há dois anos, a produtora cultural paulistana Gisele Lavalle tinha em mente que queria trabalhar com cultura produzida por mulheres. Ainda não tinha, no entanto, um projeto acabado em mente. Emaranhou-se no sistema de startups e incubadoras de Portugal, fez networking, levantou fundos e está iniciando agora uma startup de branded content, a Ecoa, focada em usar tecnologia para produzir o tipo de conteúdo em que acredita.

Ela já veio com cidadania portuguesa e considera que aprofundar-se na cultura do país é essencial. "Muitos vêm a Portugal com visão de turista, pensando apenas em Lisboa e no Porto", diz Lavalle. "É conveniente ter um tempo para se aprofundar e escolher o lugar mais adequado para cada tipo de projeto." Em seu planejamento para mudar para Portugal, Lavalle economizou um dinheiro que permitisse passar um tempo pesquisando possibilidades. Ter família no país ajudou.

Nesta semana, a Unicorn Factory de Lisboa abriu um concurso direcionado para "scaleups" brasileiras. O prêmio total, na casa dos 30 mil euros (R$ 180 mil), inclui estande no Web Summit e mentoria para desenvolvimento e internacionalização do projeto. "Nosso objetivo é atrair justamente empresas inovadoras brasileiras que queiram iniciar uma expansão internacional", diz Gil Azevedo, o diretor daUnicorn Factory.

É mais um incentivo para que inovadores brasileiros, em diferentes estágios de desenvolvimento, sigam o caminho da Digna, da Revex, da Sizebay e da Ecoa.

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