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Musk vs Moraes leva à explosão da insegurança jurídica no Brasil

Responsabilização da Starlink pela dívida do antigo Twitter ameaça progresso na região mais carente do Brasil

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Álvaro Machado Dias

Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), sócio do Instituto Locomotiva e da WeMind e colunista da Folha

Luciano Timm

Professor de direito da FGV

Conta a lenda que Agamenon, líder das forças gregas na Guerra de Troia, sacrificou sua filha Ifigênia para agradar a deusa Artemis e permitir que os gregos navegassem até a ilha inimiga. Estabelecia-se assim as bases para o interminável debate sobre a legitimidade da geração de danos a terceiros em nome do "bem comum", igualmente arredio a consensos e definições.

A dificuldade de resolver dilemas morais como este é uma das razões para o surgimento de leis claras sobre externalidades que poderiam prejudicar os que são alheios à causa originária. Nesse espírito, a legislação brasileira estabelece princípios para separar o patrimônio pessoal do empresarial. A lei 13.874/2019 afirma que, salvo raras exceções, apenas o patrimônio social da empresa responde por suas dívidas, o que serve para proteger o sócio e também terceiros dos estilhaços de litígios que não lhes dizem respeito.

Elon Musk (à esq.), dono do X, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal - Reuters

Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que a SpaceX, proprietária do provedor de internet via satélite Starlink, assuma a dívida da X Brasil Internet Ltda, que ele multou. Para garantir o pagamento, bloqueou as contas nacionais da Starlink.

Acontece que Elon Musk é acionista minoritário, com 42% da empresa. Os demais sócios variam de gigantes da tecnologia, como o Google, a pessoas que investiram suas aposentadorias em fundos tecnológicos e nada têm a ver com o assunto.

Elon Musk possui mais votos que os demais na SpaceX, o que poderia sugerir sentido na decisão, mas ocorre o contrário. Musk não é exemplo de boa conduta, de modo que seria ingênuo achar que ele voluntariamente irá se dispor a pagar a dívida sozinho.

Uma possibilidade é decidir que a SpaceX tampouco irá pagá-la, o que resultaria em seu banimento. Outra é os demais sócios pressionarem o conselho para que o provedor de internet pare de atuar no Brasil até ter suas contas desbloqueadas, o que daria na mesma.

As consequências mais leves afetariam os milhares de consumidores brasileiros que adquiriram a antena da Starlink, vendida na Fastshop por R$ 3.688,98 (no Pix). As mais graves atingiriam populações ribeirinhas da Amazônia, postos de saúde, escolas afastadas, embarcações que dependem da internet para logística e emergências, entre outros entes pouco visíveis para quem acompanha a discussão do eixo SP-RJ.

Note que nenhum concorrente se aproxima da qualidade do serviço oferecido pela Starlink. A saída da empresa representaria claro retrocesso no progresso da região mais carente do Brasil. Ou seja, esta decisão possui consequências preocupantes.

O mesmo raciocínio vale para os provedores de conexões VPN (virtual private network), muito usados para aumentar a segurança em redes de internet públicas, como as de aeroportos. Originalmente, a ordem foi de bloqueio das VPNs (item 2), como se lê aqui: "Apple e Google no Brasil (...) retirem o aplicativo X das lojas Apple Store e Google Play Store e, da mesma forma, em relação aos aplicativos que possibilitam o uso de VPN".

Mais tarde, essa decisão foi alterada para: "Em face, porém, do caráter cautelar da decisão e da possibilidade da própria empresa "X Brasil Internet Ltda." ou de Elon Musk, ao serem intimados, efetivarem o integral cumprimento das decisões judiciais, suspendo a execução do referido item "2", até que haja manifestação das partes nos autos".

O destino dessas empresas, que não possuem qualquer vínculo com Elon Musk, será decidido por ele, como em um clássico jogo cooperativo, ignorando o fato de que a solução mais lógica, quando não há consideração especial pelos outros participantes, é desconsiderar seus interesses, algo que se alinha bem ao perfil de Musk.

Quem mais sofrerá com esse dilema juridicamente construído são o consumidor brasileiro e o ambiente de inovação. É sedutor pensar que esse último que se exploda. O problema é que tal pensamento fatalmente ecoa do outro lado do balcão, reduzindo substancialmente o incentivo para o lançamento nacional de inovações globais, pelo aumento da tão conhecida insegurança jurídica.

Fora a preocupação com as consequências listadas, o que parece é que a decisão não seguiu o rito para a desconsideração da personalidade jurídica e formação de "grupo de econômico".

Os comentários em jornais e redes sociais indicam que a questão está sendo vista de maneira exclusivamente polarizada. Esta postura cria um tampão ao pensamento crítico. Por exemplo, faz sentido criminalizar o acesso ao antigo Twitter em um contexto onde presidentes de muitos países anunciam novidades por essa rede, impedindo que os meios de comunicação nos informem, ou seria mais sensato apenas criminalizar as postagens em território nacional?

Vale refletir com parcimônia. No mundo real, forma e consequências importam.

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