Ator nascido no Brasil vira centro de onda de denúncias sexuais na Argentina

Após atriz acusar Juan Darthés de estupro, relatos se multiplicam e atingem políticos

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Sylvia Colombo

Buenos Aires

Os lenços verdes voltaram às ruas de Buenos Aires. Popularizados no ano passado durante a campanha pela lei do aborto (que permitiria a interrupção da gravidez até a 14ª semana), rejeitada pelo Congresso, agora são símbolo do feminismo argentino.

O estopim da nova onda de feminismo, que começou em 2015 com o movimento contra as agressões contra a mulher #NiUnaMenos, foi a denúncia da atriz Thelma Fardín, em dezembro, contra um galã da TV local, Juan Darthés.

Fardín afirmou que o ator, já acusado de assédio antes, a estuprou, em 2009, quando ela tinha 16 anos e ele, 45. O suposto crime teria ocorrido na Nicarágua, quando ambos estavam na turnê internacional de uma montagem da peça “O Patinho Feio”.

Outras três atrizes alegaram que Darthés as teria estuprado. Em todos os casos, relataram ter ouvido a frase: “Mira como me ponés” (olha como você me deixa, referindo-se a uma ereção). As acusações foram veiculadas pelo coletivo Atrizes Argentinas, que já soma 400 integrantes, e busca reunir e denunciar casos como o de Darthés.

A afirmação de Fardín foi tão ruidosa que as mulheres voltaram às ruas em marchas e protestos que viraram o ano na Argentina e ainda seguem, sob a nova hashtag #MiraComoNosPonemos (olha como nós reagimos), e com um enredo mais complicado.

Darthés, filho de argentinos que nasceu em São Paulo e veio na infância para a Argentina, negou o episódio e fugiu para a cidade natal. Desde que o caso veio à tona, ele está em um hotel paulistano com a mulher e os filhos.

Fardín apresentou queixa à Justiça nicaraguense, e estuda fazê-lo também na Argentina. O gesto incentivou outras duas mulheres a fazerem denúncias contra dois congressistas, levando o movimento do palco à política.

Um deles foi o senador Juan Carlos Marino (União Cívica Radical), acusado de abuso sexual por uma empregada do Senado. O outro, o kirchnerista Jorge Romero, foi denunciado por uma militante do La Cámpora, organização juvenil que apoia o kirchnerismo. Ambos entregaram seus cargos e agora responderão a processo por abuso sexual.

Até aqui, apenas Romero pediu desculpas publicamente. Disse que era “um homem criado numa sociedade patriarcal”, e, por isso, mantinha “práticas machistas que no passado pareciam naturais”.

A atriz Cecilia Roth, que integra o Atrizes Argentinas já havia denunciado que, na Espanha, onde vive, sofrera abuso de um jornalista local.

Sim: Mabela Bellucci, 68, ensaísta e jornalista "Abortar é desobedecer sexual, política e civilmente, porque neste momento se está dizendo não à maternidade obrigatória, que é parte de uma exigência social e cultural da heterossexualidade e do capitalismo, sobre as mulheres heterossexuais, bissexuais, lésbicas e homens trans. Todo corpo que porta um útero está preparado para engravidar e também está preparado para abortar.". /Erick Dau/Farpa/Folhapress

Não: Marcela Campagnoli, 61, deputada federal "Nossa legislação vigente já prevê abortos em casos de estupro e de risco à vida da mãe. Essa pretensão de passar de um delito de aborto a um direito a abortar, não concordo com essa postura. Acredito que o 'sim pela vida' prima sobre todo direito. E no caso de despenalizar a mulher, estou de acordo em não criminalizar. Me comprometi em trabalhar em futuros projetos de reforma ao código penal para despenalizar a mulher. Não é a mesma coisa despenalizar e legalizar, e o que estão querendo é legalizar o aborto. Não estou de acordo com um aborto livre, gratuito à petição.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Não: Karina Leiva, 45 "Esta lei não pode ser aprovada. Porque é uma vida; digam uma coisa ou outra, é uma vida. É preciso amparar as mulheres, e há coisas que nossa nação não está fazendo: não estão dando o apoio que essas mulheres, que não sabem o que fazer, necessitam. A criança por nascer, se não a quiserem, é preciso ajudar para que a adotem. Hoje não se pode adotar desde a barriga. Eu acredito que em meu país não pode haver sangue derramado; sangue de inocentes.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Sim: Nelly Minersky, 88, advogada "A maternidade não pode ser imposta. Dizer às mulheres que elas devem ser mães a todo custo é desconhecer os direitos que estão na Constituição. Eles não dizem que os direitos do feto ou do embrião são iguais aos das mulheres corpóreas; ao contrário, não menciona direitos do feto. Enquanto isso, a ilegalidade promove a morte de pessoas que têm consistência, pessoas do ponto de vista filosófico e moral, pessoas que sofrem, que vivem. E é realmente muito duro quando se privilegia algo que não tem consistência.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Não: Paula Andrea dos Santos, 49, missionária "Estamos muito conscientes do que sofrem as mulheres no mundo. Mas eu, como argentina, não quero que em meu país se legalize o aborto, porque ele significa eu decidir, como mãe, pela vida de outro ser humano, que é meu bebê. O primeiro direito é cuidar dos mais indefesos, dos mais vulneráveis. A mulher sofre violência, a mulher está vulnerável, mas a criança por nascer é a mais indefesa nestes momentos.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Sim: Raquel Vivanco, coordenadora do Mumala (Mujeres de la Matria Latinoamericana) "Na Argentina, o aborto é a principal causa de mortalidade de mulheres gestantes há mais de 20 anos; estima-se que cerca de 500 mil mulheres interrompam gravidezes indesejadas a cada ano. E o certo é que essas mulheres o fazem em absoluta clandestinidade, colocando em risco sua vida. E quem morre são as mulheres mais pobres, por isso entendemos que a legalização do aborto é um problema de justiça social. Queremos que nenhuma mulher morra por causas evitáveis como a clandestinidade do aborto.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Não: Milena Cabral, 31, obstetra "Muitas vezes se entende que salvar duas vidas é um assunto religioso, mas é um problema moral e ético. Estamos salvando duas vidas porque a mulher que realiza um aborto também corre grande risco de vida. Ou seja, em um procedimento não necessário estaríamos perdendo duas vidas. Quando dizemos que salvemos duas vidas, queremos salvar essa criança e essa mãe.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Sim: Tomás Máscolo, jornalista "Sou um homem trans e, dentro dessa luta, batalho para que a lei contemple corpos gestantes. Não debater e não aprovar esta lei não significa que se está a favor da vida, mas que se está a favor da morte clandestina e de todas as complicações que acarreta esse negócio.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Não: Maria Laura Casaretto, 25, estudante "Acredito que deveríamos lutar todos, os que estamos a favor e os que estão contra, para que uma mulher nunca chegue a abortar. O verdadeiro objetivo do Estado deveria ser esse: acompanhar essas mulheres em situação vulnerável, com gravidez não planejada, e ajudá-las para que a criança possa nascer nas melhores condições possíveis e, uma vez que o tenha, se não pode mantê-lo, que dê a uma família que talvez não possa ter filhos.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Sim: Victoria Silber, antropóloga "Nesta clínica me recebeu uma senhora que me colocou uma bata e disse que não ia acontecer nada comigo, que seriam 20 minutos e eu acordaria em minha casa. Não foi assim que aconteceu, eu estava muito nervosa, tinha muito medo. Entrei e comecei a chorar. O médico, de uma maneira pedagógica bastante questionável, decidiu que a forma de me tranquilizar para intervenção cirúrgica era me masturbar.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Não: Ana Laura Lopez, 21, estudante "Temos muitas maneiras para prevenir uma gravidez indesejada, em vez de criarmos de repente uma lei que simplifique tudo e diga bom, pronto, aborto livre. Não creio que a solução seja matar os mais fracos, sob nenhum ponto de vista. Creio que muitas mulheres que pedem por essa lei não imaginam o que é passar por um aborto. Eu não desejo isso a ninguém. Não estamos contra as mulheres que abortam, estamos contra o Estado que diz que essa é a única solução; não é. Estamos a favor da criança por nascer e também a favor da mulher.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Sim: Viviana Norman, 52, socióloga "Esta lei não obriga ninguém a fazer o que não quer. Nesse momento, a proibição, clandestinidade ou criminalização está impedindo uma quantidade importante de pessoas de exercitar seu direito e sua vontade. Creio que as mulheres, quando tomam a decisão de abortar, vão fazê-lo de qualquer maneira. Então me parece que é uma obrigação do Estado garantir que as condições para isso sejam ótimas. Falei com muitas mulheres que fizeram um aborto e, para além de suas crenças religiosas, sua moral e seu posicionamento pessoal, elas vão chegar às últimas consequências; quando alguém decide, não há volta atrás.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Não: Laura Roxana Clark, 29, estudante e advogada "Como feminista, considero que o postulado que diz que um ser humano pode chegar a ser propriedade de outro é nefasto. Como feministas, lutamos justamente contra isso, para que a mulher não seja vista como propriedade. E agora, com o aborto, concebemos o filho não nascido como algo nosso, que pode ou não nascer, segundo nossa vontade. Considero que isso, ao invés de nos liberar, é redistribuir a opressão que nós sofremos.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Sim: Myriam Bregman, advogada "É maravilhoso que milhares e milhares de jovens tomem esse tema em suas mãos. Na Argentina se fala da revolução das filhas, porque às velhas lutadoras pelo direito ao aborto, como minha geração, se somou uma quantidade enorme de meninas e meninos que lutam por esse direito. Vemos todos pelas ruas levando em suas mochilas os panos verdes, que se converteram em símbolo de rebeldia, que reclama que não haja mais mortas por abortos clandestinos, mas também que começa a questionar tudo, a enorme ingerência que tem a hierarquia das igrejas católica e evangélica no Estado, nas políticas de saúde pública e de educação.". /Tuane Fernandes/Farpa/Folhapress

Musa do cineasta Pedro Almodóvar, Roth, 62, afirmou também que em 2015, na rodagem da minissérie argentina “História de un Clan”, sobre os crimes da família Puccio, a atriz Rita Pauls sofreu assédio de Tristán Díaz Ocampo, um veterano da TV argentina de 81 anos.

Ambas denunciaram o ator à produção do show, que acabou matando o personagem para frear a perseguição de Díaz a Pauls. Nenhuma ação jurídica, nesse caso, foi tomada.

Com seus lenços verdes, as feministas argentinas prometem seguir fazendo barulho neste ano que tem eleições marcadas para outubro.

Até porque, com o início do ano legislativo, será possível voltar a propor uma nova Lei do Aborto, em 2018 rejeitada por poucos votos. E já há cobrança para que o presidente Mauricio Macri cumpra a promessa feita então de incluir a descriminilização do aborto na reforma do código penal.

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