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Rússia planeja sabotagem por toda a Europa, dizem agências de inteligência

Órgãos europeus apontam possível intensificação de explosões secretas, danos a infraestrutura e ciberataques

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Sam Jones John Paul Rathbone Richard Milne
Financial Times

Agências de inteligência europeias alertaram seus governos de que a Rússia está planejando atos violentos de sabotagem em todo o continente enquanto se empenha em uma trajetória de conflito permanente com o Ocidente.

Moscou já começou a se preparar de forma mais ativa para ataques a bomba e incêndios criminosos secretos, além de danos à infraestrutura em solo europeu, diretamente e por procuração —aparentemente com pouca preocupação em relação a mortes de civis, acreditam autoridades de inteligência de países da região.

Ainda que os agentes do Kremlin tenham longo histórico de executar tais operações —e tenham lançado ataques esporádicos à Europa nos últimos anos— evidências de um esforço mais agressivo e coordenado se acumulam, de acordo com avaliações de três países europeus compartilhadas com o Financial Times.

Parte do Kremlin e a catedral de São Basílio no centro de Moscou, na Rússia
Parte do Kremlin e a catedral de São Basílio no centro de Moscou, na Rússia - Alexander Nemenov - 24.abr.24/AFP

Os funcionários de inteligência falam cada vez mais abertamente sobre o estado atual desse tipo de ameaça e o que ela representa em uma tentativa de promover o aumento da vigilância sobre o assunto.

"Avaliamos que o risco de atos de sabotagem controlados pelo Estado é significativamente maior", disse Thomas Haldenwang, chefe da inteligência doméstica alemã. A Rússia agora parece confortável em realizar operações em solo europeu "[com] um alto potencial de dano", disse ele em uma conferência de segurança no mês passado organizada por sua agência, o Escritório Federal para a Proteção da Constituição.

A fala de Haldenwang ocorreu apenas alguns dias depois que dois cidadãos germano-russos foram presos em Bayreuth, na Baviera, por supostamente planejarem atacar locais militares e de logística na Alemanha em nome da Rússia.

Dois homens foram acusados no Reino Unido no final de abril de terem iniciado um incêndio em um armazém contendo remessas de ajuda para a Ucrânia. Os promotores britânicos acusam os dois de trabalhar para o governo russo.

Na Suécia, os serviços de segurança estão investigando uma série de recentes descarrilamentos ferroviários, que eles suspeitam ser atos de sabotagem apoiados pelo Estado russo. A Rússia também tentou destruir os sistemas de sinalização das ferrovias tchecas, disse o ministro dos transportes da República Tcheca ao Financial Times no mês passado.

Na Estônia, um ataque ao carro do ministro do Interior em fevereiro e aos veículos de jornalistas foram perpetrados por agentes de inteligência russos, disse o Serviço de Segurança Interna do país. O ministério da defesa da França também alertou neste ano sobre possíveis ataques de sabotagem da Rússia em locais militares.

"A conclusão óbvia é que houve um aumento real da atividade russa", diz Keir Giles, consultor sênior do think tank Chatham House.

"Não se pode dizer se isso é um reflexo do fato de os russos estarem lançando mais recursos nisso; se estão sendo mais descuidados e sendo pegos; ou se a contrainteligência ocidental simplesmente se tornou melhor em detectar e impedir isso. Seja o que for, no entanto, há muita coisa acontecendo", afirma.

Um alto funcionário de um governo europeu disse que informações estavam sendo compartilhadas através dos serviços de segurança da Otan (aliança militar ocidental) sobre "ações prejudiciais russas claras e convincentes", que eram coordenadas e em escala. Era hora, segundo esse funcionário, de "aumentar a conscientização e o foco" sobre a ameaça da violência russa em solo europeu.

A Otan emitiu uma declaração na quinta-feira (2) declarando sua profunda preocupação com "atividades malignas em território aliado" pela Rússia, citando uma "campanha intensificada em toda a área euroatlântica".

Os crescentes temores sobre o apetite da Rússia por causar danos físicos contra países adversários seguem uma série de acusações contra Moscou de campanhas de desinformação e hacking.

Na sexta-feira (3), a Alemanha prometeu consequências a Moscou pelo ciberataque de 2023 ao partido social-democrata do chanceler Olaf Scholz, em uma declaração apoiada pela União Europeia e pela Otan.

Um escândalo expondo tentativas russas de cooptar políticos de ultradireita europeus antes das próximas eleições para o Parlamento Europeu ainda está em curso. Um funcionário de inteligência disse que os esforços de sabotagem de Moscou não devem ser vistos como distintos de outras operações, dizendo que o aumento da atividade reflete o objetivo da Rússia de exercer pressão máxima "em todos os aspectos".

Putin está se sente "encorajado" e buscará empurrar as linhas o mais forte que puder na Europa, em múltiplas frentes, afirmou esse funcionário, seja através de desinformação, sabotagem ou hacking.

A agressão crescente dos serviços de inteligência russos também reflete o desejo das altas autoridades de espionagem do país de se reafirmarem após seu revés mais sério desde o colapso da União Soviética: nas semanas seguintes à invasão da Ucrânia, mais de 600 oficiais de inteligência russos operando na Europa com cobertura diplomática foram expulsos, causando sérios danos à rede de espionagem do Kremlin em todo o continente.

Em um relatório recente, analistas do Royal United Services Institute do Reino Unido destacaram os esforços que a Rússia fez para reconstituir sua presença na Europa, muitas vezes por procuração —ou seja, sem o uso de funcionários do Kremlin. Isso inclui membros da diáspora russa, bem como grupos de crime organizado com os quais o governo russo tem laços antigos.

Uma mudança estratégica chave também ocorreu com os chamados "comitês de influência especial", grupos de coordenação de operações de inteligência para o Kremlin em cada país, reunindo o que eram anteriormente esforços fragmentados dos serviços de segurança e outros atores do Kremlin.

Com a intensificação das operações russas, os serviços de segurança europeus estão em alerta máximo para ameaças e procuram identificar alvos que possam ter passado despercebidos.

Questões foram levantadas, por exemplo, sobre uma explosão até agora sem explicação em uma fábrica de munições da BAE Systems no País de Gales que fornece projéteis usados pela Ucrânia. Em outubro de 2014, um depósito de armas tcheco onde armamentos para Kiev estavam sendo armazenados foi destruído; posteriormente foi revelado que agentes de inteligência militar russos plantaram explosivos no local.

Um grande incêndio irrompeu na sexta-feira (3) em uma fábrica em Berlim de propriedade da empresa de armas Diehl, que também fornece à Ucrânia. Mais de 160 bombeiros foram chamados para combater o incêndio. Moradores em uma grande área a oeste da capital foram orientados a manter as janelas fechadas devido a possíveis fumaças tóxicas.

"Como sempre com a Rússia, é prudente não procurar uma única explicação para o motivo pelo qual estão fazendo qualquer coisa. Sempre há uma combinação de coisas acontecendo", disse Giles, da Chatham House.

"Esses ataques pontuais que vimos até agora são, é claro, para criar perturbação, mas também podem ser usados para desinformação. E então há o que a Rússia aprende com esses ataques se eles quiserem imobilizar a Europa de verdade. São ensaios."

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