Putin ameaça atacar Reino Unido e simula guerra nuclear

Rússia diz que pode agir se armas britânicas forem usadas de Kiev contra seu território

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São Paulo

A escalada de tensões entre o governo de Vladimir Putin e o Ocidente atingiu um novo nível nesta segunda-feira (6), com a Rússia ameaçando atacar alvos militares do Reino Unido caso armas britânicas sejam utilizadas contra seu território pela Ucrânia.

Além disso, Putin determinou um exercício de ataque com armas nucleares táticas em resposta à sugestão de governos ocidentais, principalmente o da França, de enviar soldados para ajudar Kiev a resistir à invasão russa.

Míssil tático Iskander, que pode levar ogivas nucleares, é disparado contra a Ucrânia
Míssil tático Iskander, que pode levar ogivas nucleares, é disparado contra a Ucrânia - Reprodução/TV Folha

O recado foi dado ao embaixador britânico em Moscou, Nigel Casey, que foi convocado à chancelaria russa. Segundo a agência Tass, ele foi informado de que instalações de Londres no próprio Reino Unido, na Ucrânia e em outros países seriam alvos legítimos.

Foi uma resposta a uma afirmação do chanceler britânico, David Cameron, que na semana passada disse que os ucranianos poderiam usar as armas que Londres fornece ao país da forma que quisessem. Até aqui, todos os países ocidentais, a começar pelos Estados Unidos, condicionavam a ajuda militar a seu uso exclusivo em território ucraniano.

O motivo, óbvio, é o temor de uma escalada que possa levar a um choque entre as forças do Ocidente e as da Rússia, o que poderia facilmente descambar para uma guerra nuclear de consequências imprevisíveis. O Reino Unido, integrante da Otan (aliança militar ocidental), tem 225 ogivas atômicas, ante quase 6.000 russas.

A principal e mais temida arma fornecida pelo Reino Unido a Kiev até aqui é o míssil de cruzeiro Storm Shadow, com características furtivas. Ele já foi empregado contra a Crimeia, península que Putin anexou em 2014, mas nunca contra o território reconhecido da Rússia.

Já o anúncio da simulação nuclear é uma resposta direta ao presidente francês, Emmanuel Macron, e a políticos britânicos e americanos que têm defendido o envio de forças para Kiev. "Nós esperamos que isso esfrie os cabeças-quentes nas capitais ocidentais", afirmou a chancelaria em nota.

O ministério também reafirmou que considera que os caças americanos F-16 a serem enviados para a Ucrânia podem carregar armas nucleares, embora seja óbvio que essa capacidade não será dada a Kiev.

A Casa Branca repudiou os exercícios, classificando-os de irresponsáveis, assim como a Otan. A agência de espionagem militar de Kiev chamou os exercícios de "chantagem nuclear". Nesta segunda, Macron se reuniu com o principal aliado de Putin, o líder chinês, Xi Jinping, em Paris.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, também afirmou que os serviços de inteligência de Moscou estão apurando relatos de que a França já enviou soldados de sua Legião Estrangeira à Ucrânia. Combatem pelo país vizinho voluntários e mercenários de diversas nações, inclusive do Brasil, mas não há até aqui nenhum envio oficial de tropas em apoio a Kiev.

Mais tarde, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia convocou o embaixador francês em Moscou, sem explicar o motivo. Já a chancelaria francesa publicou nota negando ter enviado forças à Ucrânia.

A Defesa russa havia citado especificamente o emprego de sistemas de armas nucleares não estratégicas, evocando um dos maiores temores do Ocidente: de que Putin use esse tipo de bomba contra forças da Ucrânia ou, agora, de países aliados que eventualmente enviem militares para a guerra iniciada em 2022.

Armas táticas são aquelas disparadas contra alvos militares específicos, como bases, usualmente com menor potência do que as chamadas estratégicas —as ogivas que têm como finalidade obliterar cidades inteiras na tentativa de encerrar conflitos.

A carta nuclear tornou-se uma trivialidade na retórica russa da guerra. Pouco antes da invasão, em fevereiro de 2022, Putin determinou um complexo exercício com diversos sistemas nucleares, envolvendo mísseis disparados de solo, bombardeiros e submarinos.

Ao atacar, disse que qualquer país que interviesse em favor da Ucrânia sofreria consequências nunca antes vistas na história, uma pouco sutil referência às suas bombas atômicas. A Rússia e os EUA concentram 90% das mais de 12 mil ogivas existentes no planeta.

Ao longo da guerra, a sombra da escalada nuclear modulou a velocidade e a qualidade da ajuda enviada pelo Ocidente para o governo de Volodimir Zelenski.

Pressionado no campo de batalha pelos avanços russos no leste neste ano, Zelenski tem feito ataques pontuais a refinarias e cidades na terra de Putin, mas por ora com armas próprias.

Uma dessas ações ocorreu nesta segunda e foi particularmente mortífera. Um ataque com drone perto de Belgorodo (sul russo) deixou ao menos sete pessoas mortas, segundo o governo local. Outras 35 ficaram feridas, quando o aparelho atingiu um micro-ônibus.

Também nesta segunda, os russos anunciaram terem conquistado mais duas cidadezinhas no leste ucraniano, ameaçando cada vez mais Tchasiv Iar, trampolim para a tomada final da província de Donetsk. Especula-se que isso seja o troféu que Putin quer mostrar no desfile do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial, na próxima quinta-feira (9).

O líder russo terá uma semana agitada: nesta terça-feira (7), ele assumirá oficialmente a Presidência pela quinta vez —numa cerimônia que, em princípio, teria a presença do embaixador francês, mas não de outros representantes ocidentais.

Analistas ocidentais sempre especularam que, no caso de sofrer uma ameaça de derrota decisiva, Putin pudesse recorrer a armas táticas contra a Ucrânia. Como isso está afastado agora, a hipótese de envio de tropas reiterada por Macron faz ressurgir o fantasma.

O próprio presidente russo disse, em diversas ocasiões, que a ideia do francês levaria a uma guerra nuclear. Agora, o Kremlin resolveu subir um degrau na disputa retórica com os exercícios, que envolverão forças do seu Comando Militar Sul e da Marinha em data não revelada.

Para uso tático, a Rússia tem à disposição mísseis como o balístico Iskander-M ou o hipersônico Tsirkon, lançado de navios e que teoricamente pode carregar uma ogiva nuclear pequena, além de bombas de queda livre. A Otan estima que Moscou tenha cerca de 2.000 dessas armas, ante 100 que os EUA mantêm em bombas lançadas por aviões na Europa.

Na Rússia, comentaristas e políticos radicais têm defendido o emprego de armas táticas para riscar uma linha no chão para o Ocidente, mas qualquer especialista do campo nuclear aponta para o risco evidente de uma escalada que leve a uma troca de fogo com mísseis estratégicos, levando a cenários apocalípticos.

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