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Descrição de chapéu The New York Times

Mulheres afegãs temem perder direitos em negociações de paz com o Taleban

Quando grupo governou o país, mulheres eram proibidas de estudar e de trabalhar fora de casa

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Washington | The New York Times

Roya Rahmani não é nem da realeza nem de uma família poderosa, por isso ficou inicialmente surpresa quando foi nomeada como a primeira mulher embaixadora do Afeganistão nos Estados Unidos.

Agora ela entende o porquê: Cabul quer sinalizar seu compromisso com os direitos das mulheres, à medida que o governo Trump pressiona por um acordo de paz com o Taleban.

Rahmani, uma antiga ativista dos direitos das mulheres, lembra muito bem como era o Afeganistão nos anos 1990, sob o domínio do Taleban, quando eram espancadas por sair de casa e proibidas de frequentar escolas ou ter empregos.

"As pessoas estavam sem esperança" e eram "zumbis vivos", disse ela nesta semana em uma entrevista. Hoje, observou, as mulheres representam 28% da Assembleia Nacional do Afeganistão —mais que no Congresso americano.

Representantes durante reunião da Assembleia Nacional do Afeganistão em Cabul, em abril - Jim Huylebroek/The New York Times

Mas enquanto o Taleban e os Estados Unidos avançam em direção a um acordo de paz preliminar —que poderá ser divulgado em poucos dias—, há temores crescentes de que as mulheres afegãs percam os ganhos obtidos em quase duas décadas.

O acordo, discutido durante meses de negociações entre o governo Trump e o Taleban, deve delinear os passos para a eventual retirada de 14 mil soldados americanos e preparar o caminho para futuras conversas entre o grupo e o governo afegão.

As autoridades disseram que o acordo preliminar não deve incluir garantias específicas de que as mulheres continuarão tendo oportunidades iguais em educação, emprego e governo.

Os direitos das mulheres devem ser abordados nas conversas futuras, o que poderia resultar em um acordo de compartilhamento de poder entre o governo afegão e o Taleban.

Embora algumas autoridades americanas e afegãs digam que o Taleban parece estar mais receptivo aos direitos das mulheres do que no passado, outras se preocupam com a possibilidade de que elas sejam obrigadas a aceitar o acordo final ou deixadas de fora por completo.

"As mulheres afegãs deixaram claro que querem paz sem opressão", disse a senadora americana democrata Jeanne Shaheen, de New Hampshire, a única mulher na Comissão de Relações Exteriores do Senado.

O governo Trump, disse ela, "precisa reconhecer plenamente que as mulheres afegãs são nosso maior trunfo para promover a causa da liberdade nesse país devastado pela guerra".

"Seus direitos e seu futuro não devem se perder nessas negociações", acrescentou.

Depois que as tropas americanas forçaram o Taleban a deixar o poder após a invasão do Afeganistão em 2001, em busca da Al Qaeda e de Osama bin Laden, as mulheres afegãs saíram de casa.

Hoje, mais de 3,5 milhões estão matriculadas em escolas primárias e secundárias, e 100 mil frequentam universidades, de acordo com o Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Auditores americanos estimam que cerca de 85 mil mulheres afegãs trabalham como professoras, advogadas, autoridades policiais e na área de saúde. Mais de 400 concorreram a cargos políticos em eleições realizadas no outono passado.

Mas muitos dos ganhos estão entre as mulheres de Cabul, a capital, e de outras grandes cidades. Nos últimos anos, o domínio do Taleban se expandiu em todo o país, especialmente nas áreas rurais.

O grupo controla pelo menos 10% da população do Afeganistão, em 59 dos 407 distritos do país, segundo o Escritório do Inspetor Geral Especial para a Reconstrução do Afeganistão. Outros 119 distritos são considerados contestados.

Como parte da próxima fase das conversações de paz, autoridades americanas e afegãs estão insistindo em um cessar-fogo permanente. Mas nem mesmo isso garantirá a paz para as mulheres afegãs, disse Rahmani.

"Quando falamos de paz e de um ambiente pacífico para todos, não estamos falando apenas da ausência de armas, balas e bombas", explicou. "Estamos falando de um ambiente em que a segurança humana está presente, onde as pessoas viverão livres de todas as formas de violência, não apenas físicas, mas também emocionais." "Deve ser livre de medo e abuso", disse.

Rahmani, 41, cresceu em Cabul, mas fugiu para Peshawar, no vizinho Paquistão, depois que a guerra civil irrompeu no Afeganistão em 1992 e acelerou a ascensão do Taleban.

Em uma viagem a Cabul com sua família, em 1998, ficou chocada com o que lhe pareceu uma cidade fantasma, sem energia, onde as pessoas colocam cobertores em todas as janelas para impedir que a polícia religiosa do Taleban veja qualquer coisa, não importa quão inócua, que possa merecer uma surra.

O debate sobre os direitos das mulheres em um acordo final deverá se dividir, como é amplamente previsto, segundo a interpretação de cada lado sobre o papel das mulheres no islã, a religião nacional do Afeganistão.

Sob a Constituição afegã, adotada em 2004, homens e mulheres têm direitos e deveres legais iguais. A Constituição proíbe especificamente a discriminação e exige uma "educação equilibrada para as mulheres". Afirma que todas as suas disposições e leis aderem às regras e à fé islâmicas.

Em um comunicado divulgado em fevereiro, o Taleban disse reconhecer que as mulheres têm certos direitos sob o islã, incluindo o acesso a educação e empregos, herança de propriedades e a capacidade de escolher um marido.

A política do Taleban, de acordo com a declaração, que foi divulgada em um fórum em Moscou, "é proteger os direitos das mulheres de maneira que nem seus direitos legítimos sejam violados, nem sua dignidade humana e os valores afegãos sejam ameaçados".

Mas a declaração também descreveu influências imorais e indecentes do Ocidente e de religiões que, segundo ela, encorajaram as mulheres a violar os costumes afegãos "sob o nome de direitos das mulheres".

Citou a "disseminação de seriados dramáticos ocidentais, não afegãos e não islâmicos" como evidência da corrupção das mulheres afegãs.

Autoridades afegãs e ativistas que participaram das negociações entre o Taleban e os Estados Unidos disseram que conversas informais com membros do grupo extremista revelaram que o Taleban mudou desde 2001 —e pode estar ainda mais aberto aos direitos das mulheres.

"Uma coisa que notamos é que os membros do Taleban não eram como os de 20 ou 18 anos atrás", disse Asila Wardak, ativista de direitos humanos que participou das negociações.

Estas aconteceram em Doha, no Catar, em um fórum em julho no Instituto Georgetown para Mulheres, Paz e Segurança. Ela disse que há "muitas chances" de que as mulheres afegãs conversem com negociadores do Taleban e compartilhem suas preocupações nas discussões em Doha.

Uma pesquisa do Overseas Development Institute, com sede em Londres, indica que "governos-sombra" do Taleban trabalham com autoridades locais em alguns distritos afegãos em saúde, educação, polícia e impostos. Isso é um contraste com 2001, quando os talibãs estavam fixados na manutenção do poder.

"Eles mudaram profundamente porque desenvolveram interesse em governar e prestar serviços", disse Rebecca Zimmerman, pesquisadora da Rand Corp., um centro de estudos.

Especialistas sobre questões afegãs continuam céticos em relação às alegações do Taleban de que apoiam os direitos das mulheres —uma declaração que, na melhor das hipóteses, não foi testada.

Na pior das hipóteses, ela é desafiada por contínuos ataques, ameaças e opressão contra mulheres por talibãs em distritos locais em todo o Afeganistão, mesmo quando seus líderes dizem querer a paz.

Ataques neste ano contra escolas de meninas no território do Taleban, perto da cidade de Farah, no oeste do país, e o fechamento forçado pelos extremistas de uma estação de rádio que empregava mulheres na província de Ghazni, no leste do país, indicam o contrário.

Autoridades do Taleban negaram a responsabilidade pelos ataques fora de Farah, embora pichações nas paredes das escolas tenham elogiado o grupo extremista.

"Você não precisa olhar para 2001 para ver o que o Taleban fez nas áreas que detinha —você pode olhar para 2017, 2018, 2019", disse Gayle Tzemach Lemmon, membro sênior adjunto do programa de mulheres e política externa do Conselho de Relações Exteriores.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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