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Em construção há 70 anos, escultura gigante homenageia líder indígena nos EUA

Imagem do guerreiro Crazy Horse fica a 27 km dos quatro presidentes esculpidos no Monte Rushmore

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Custer (EUA)

Quando Gutzon Borglum trabalhava nas esculturas dos quatro presidentes norte-americanos no Monte Rushmore, nos anos 1930, um grupo de indígenas tinha outra ideia de quem deveria ser homenageado nas montanhas sagradas de Black Hills, no estado da Dakota do Sul.

Era Crazy Horse, líder dos Oglala Lakota e um dos estrategistas da maior vitória contra o Exército dos EUA na guerra contra os nativos das planícies, na segunda metade do século 19. Mas, como Borglum não dava ouvidos, o grupo foi atrás de outro escultor, que deu início a um novo trabalho na montanha, em 1948.

E, até hoje, a obra está em construção, a meros 27 km do Monte Rushmore. O rosto impávido do chefe Oglala já foi concluído e tem 27 metros de altura, quase 10 a mais do que as faces esculpidas de George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln.

Montanha esculpida com o rosto do líder indígena Crazy Horse, a 27 km do Monte Rushmore, na Dakota do Sul - Dean Goodman/Folhapress

A escultura inteira de Crazy Horse, que o traz montado num cavalo e braço esticado para o horizonte, porém, está prevista para ter mais de 172 metros de altura e 195 metros de largura, uma tarefa hercúlea sem previsão para acabar. O Monte Rushmore também é considerado inacabado: previa os presidentes até a cintura, mas as obras foram dadas como finalizadas com a falta de fundos devido à Segunda Guerra.

"Meus colegas chefes e eu gostaríamos que o homem branco soubesse que o pele-vermelha também tem grandes heróis", escreveu Henry Standing Bear, um ancião Lakota, referindo-se à escultura dos presidentes ao pedir ajuda ao artista Korczak Ziolkowski, que havia trabalhado em Rushmore com Borglum e passaria o resto da vida dedicado à causa indígena.

Ziolkowski, americano de Boston e filho de poloneses, morreu em 1982 sem ver a montanha de granito transformada no rosto de Crazy Horse. O trabalho ficou para sua família, que cuida do espaço, hoje um centro cultural com um museu de arte indígena, escola e restaurante.

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Foi a mulher de Ziolkowski, Ruth, que mudou os planos do marido de construir o cavalo primeiro. Ela iniciou as obras do rosto em 1988, e a construção ficou pronta em dez anos. Ruth morreu em 2014, e sua filha Monique é a atual presidente do Crazy Horse Memorial, fundação sem fins lucrativos que se nega a usar fundos dos governos federal e estadual. A verba vem de doações e do ingresso de cerca de US$ 30 por veículo. “É o que todo mundo quer saber: quando vai ficar pronto? Mas explicamos aos visitantes que isso aqui é muito mais que apenas uma montanha esculpida. É mais sobre a herança do povo nativo-americano”, explica Tom Wilson, 81, que trabalha como guia do museu desde 2003.

Wilson estava ali em 1948, acompanhado de seus pais, quando as primeiras explosões deram início aos trabalhos na montanha. Ele conheceu o casal Ziolkowski e lembra como a família usava canecas de café para coletar moedas para o projeto. “Ele era uma figura fascinante, muito alto e com um sotaque de Boston que eu nunca tinha ouvido antes”, disse.

Desde 2015, não há mais explosões na montanha. Outras técnicas mais modernas são usadas, e a expectativa é a de que o braço esticado de Crazy Horse seja concluído em quatro anos. O cavalo deve levar mais 30 anos. Um time de 14 pessoas trabalha nas escavações, incluindo dois netos de Ziolkowski.

As comunidades nativas da região consideram a cordilheira terras sagradas porque acreditam que seus seres surgiram da abertura da Caverna do Vento, a 60 km do memorial. Num tratado de 1868, o governo federal prometeu a região aos indígenas, mas a descoberta de ouro fez com que o acordo caísse por terra.

Não é possível saber exatamente como era Crazy Horse, morto em 1877, já que ele se recusava a ser fotografado. Ainda assim, lojinhas para turistas e museus pelos EUA vendem cartões postais com o suposto retrato dele em preto e branco. “Os especialistas determinaram que não existe nenhuma fotografia de Crazy Horse. Ele achava que aquelas caixas pretas dos fotógrafos roubariam sua sombra, não confiava no homem branco”, conta Wilson. “Ziolkowski conversou muito com anciãos das tribos. Com as descrições e sua maestria de artista, criou essa imagem que representa também todo o povo nativo.”

No centro cultural, há performances culturais três vezes ao dia e palestras semanais sobre questões contemporâneas e tradições indígenas. Uma vez por mês, um artista é convidado a expor, e as obras ficam à venda aos visitantes. E o que começou com uma bolsa de estudos para indígenas de US$ 250 em 1978 hoje é um programa acadêmico de oito semanas em parceria com universidades do estado. Em 12 anos, mais de 300 alunos passaram pelo centro, que já distribuiu mais de US$ 2 milhões em bolsas.

CAMPOS DE MASSACRE E VITÓRIA

Muitos alunos do Crazy Horse Memorial vêm da Reserva Indígena Pine Ridge, a menos de 100 km de distância e uma das 326 reservas nos EUA, territórios autônomos liderados por conselhos. O país tem 6,8 milhões de nativos americanos (2% da população), mas 80% moram fora das reservas, que costumam ter alta taxa de desemprego e baixa expectativa de vida.

Pine Ridge, com menos de 20 mil habitantes, fica no condado mais pobre dos EUA e foi palco do massacre de Wounded Knee, em 1890, quando cerca de 300 Lakotas foram assassinados depois de uma tentativa fracassada do Exército de desarmá-los, após décadas confiscando suas terras prometidas em tratado.

Para piorar os ânimos, Sitting Bull, líder dos Hunkpapa Lakota e colega de Crazy Horse, havia sido morto ao reagir à prisão dias antes. Forças locais temiam que ele se juntasse a um novo movimento chamado Ghost Dance, praticado em Pine Ridge, um ritual que crescia entre as tribos e assustava os colonos.

Seus líderes prometiam uma nova era com o fim da expansão americana pelo oeste, a volta de ancestrais e dos búfalos aniquilados pela caça predatória dos brancos. Seus adeptos também acreditavam em camisas mágicas que os protegeriam de balas, o que não ajudou quando o tiroteio começou.

Para visitar Pine Ridge, é necessário passar por um controle na estrada, registrar o veículo e informar o motivo da visita devido à pandemia. Ao contrário da grande pompa americana guardada para lugares históricos, o local do massacre traz apenas um grande cartaz contando a história em letras miúdas, num estacionamento à beira da estrada. Uma mulher ao lado do cartaz tentava vender seu artesanato e indicou à reportagem uma colina onde foram enterrados os indígenas assassinados.

O cemitério de grama alta e valas mal cuidadas dá vista para as planícies verdes da reserva.

Ironicamente, o oposto acontece no local da pior derrota do Exército americano nas Guerras Indígenas, a Batalha de Little Bighorn, 14 anos antes de Wounded Knee. Crazy Horse e Sitting Bull ajudaram as tribos Lakota e Cheyenne a vencer a cavalaria do tenente-coronel George Armstrong Custer, o mesmo que havia descoberto ouro nas Black Hills e iniciado o avanço nas terras indígenas.

A 450 km do Crazy Horse Memorial está localizado o Monumento Nacional da Batalha de Little Bighorn, em Montana, na reserva indígena Crow, tribo rival dos Lakota que ajudou as forças de Custer. O monumento fica num parque imaculado de 735 acres, com caminhos demarcados em meio a pastagens bucólicas. Há painéis com explicações detalhadas de cada avanço das tropas nos dois dias de combate.

No final, os 263 homens de Custer foram aniquilados em menos de uma hora por mais de 3.000 nativos.

Os mortos estão enterrados no parque, com suas lápides brancas espalhadas pelos campos hoje frequentados por cavalos selvagens. No ano seguinte, em 1877, Crazy Horse se renderia às tropas americanas, mas acabaria morto por supostamente resistir à prisão.

Na saída do parque, uma loja vende artesanato indígena de diversas comunidades do país, como sapatos mocassim de miçanga e couro por US$ 900, além dos cartões-postais com o retrato falso de Crazy Horse.

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