Revolta na África do Sul é retrato de um continente exausto
País vive cenário de crise sanitária e explosão social que todos temiam no começo da pandemia
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Nenhum outro país africano foi tão afetado pela pandemia de Covid como a África do Sul. Polo financeiro e industrial do continente, Gauteng —a província onde fica Pretória, a capital, e Joanesburgo, a principal cidade— concentrou o maior número de casos nas três ondas que assolaram o continente.
Com 14 mil dos 64 mil mortos no país até agora, é a província com o maior número de vítimas.
Gauteng também cristaliza todas as dinâmicas de desindustrialização, falência dos serviços públicos e distensão do pacto social. Abriga uma economia de serviços altamente dependente do movimento internacional que desmoronou durante a pandemia. A queda de 7% do PIB no ano passado escancarou a desigualdade do país, a maior do mundo, que aumentou consideravelmente nos últimos 30 anos.
Um atestado de fracasso do processo democrático concretizado por Nelson Mandela.
Leituras a quente da explosão de violência dos últimos dias, que levou à morte de mais de cem pessoas e paralisou o país, olham para o recente encarceramento de Jacob Zuma como ponto de partida.
No começo do mês, o ex-presidente, envolvido em escândalos de corrupção, foi condenado a prisão, mas inicialmente afirmou que não iria se entregar à Justiça. O processo, acompanhado de perto pela população, parece ter estado na origem de alguns confrontos entre militantes e policiais na região de KwaZulu-Natal, o bastião político de Zuma e centro da disputa entre o CNA (Congresso Nacional Africano, partido que governa o país desde o fim do apartheid) e os nacionalistas zulus.
O apoio ao ex-presidente também é uma revolta contra o próprio CNA. O sucessor de Zuma no comando da sigla e do país, Cyril Ramaphosa, iniciou uma gestão competente, porém excessivamente tecnocrática, que o elevou a queridinho dos mercados e, ao mesmo tempo, o distanciou da base da legenda.
As revoltas sociais que marcaram a história recente da África do Sul reúnem toda sorte de elementos materiais e simbólicos, incluindo os estudantes, reunidos em torno do movimento Rhodes Must Fall —que defende a derrubada de estátuas em homenagem a figuras do período colonial—; os ataques xenófobos contra imigrantes, que competem com os sul-africanos no apertado mercado de trabalho local; e o massacre de Marikana, no qual trabalhadores de uma mina foram mortos pela polícia após um protesto.
Mas, desta vez, a velocidade e a violência da devastação não têm precedentes. Os ataques aos centros logísticos estão criando problemas de abastecimento de alimentos e de combustível, em um momento no qual os hospitais de algumas das principais regiões do país encontram-se em ponto de ruptura.
A vacinação, que enfim começava a ganhar alguma velocidade, teve de ser interrompida. Esse método por trás dos protestos indica, segundo analistas locais, o envolvimento de facções do aparelho de segurança ligadas a Zuma, que sempre dominou a arte de usar o Estado para atingir os seus fins clientelistas.
Com a confusão entre CNA e poder público que existe desde o fim do apartheid e o agravamento das constrições sociais, a África do Sul vive o cenário de crise sanitária e explosão social que todos temiam no começo da pandemia. Uma combinação explosiva num dos países mais afetados pelo abandono da comunidade internacional do Sul Global durante a pandemia. A revolta é o retrato de uma África exausta.
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