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Brasil volta a condenar na ONU invasão russa, mas critica envio de armas para a Ucrânia

Assembleia-Geral faz reunião extraordinária para debater saídas para o conflito

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Washington

O Brasil voltou a condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia, em discurso na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, nesta segunda-feira (28). Ao mesmo tempo, o país questionou o envio de mais armas, por parte de potências ocidentais, para a Ucrânia, pelo risco de haver escalada no conflito. As declarações foram feitas um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer que o país ficará neutro no conflito.

"Nos últimos anos, temos visto uma deterioração progressiva da situação de segurança e do balanço de poder na Europa Oriental. O enfraquecimento dos Acordos de Minsk por todas as partes e o descrédito das preocupações com a segurança vocalizadas pela Rússia prepararam o terreno para a crise que estamos vendo", disse Ronaldo Costa Filho na tribuna da ONU. "Deixe-me ser claro, no entanto: esta situação não justifica o uso da força contra o território de um Estado membro."

Costa Filho pediu que os órgãos das Nações Unidas trabalhem conjuntamente em busca de soluções, pois a crise pode ter impacto muito mais amplo se não for contida. "Estamos sob uma rápida escalada de tensões que pode colocar toda a humanidade em risco. Mas ainda temos tempo para parar isso."

Reunião extraordinária da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York - Carlo Allegri/Reuters

O embaixador, por outro lado, questionou o envio de armas para a Ucrânia, bem como a aplicação de sanções contra a Rússia. Nos últimos dias, países europeus anunciaram o fornecimento de mais material bélico para a Ucrânia. "Convocamos os atores envolvidos para reavaliarem suas decisões em relação ao suprimento de armas, ao uso de ataques digitais e à aplicação de sanções seletivas, incluindo na importante área de segurança alimentar. Precisamos de soluções construtivas, não de ações que vão prolongar hostilidades e espalhar o conflito, com efeitos na economia e na segurança mundial", afirmou.

A Assembleia-Geral realiza nesta segunda uma reunião extraordinária para tratar da crise na Ucrânia. O evento, que começou às 10h (12h em Brasília), deve ter discursos de representantes de mais de cem países e debater uma resolução para condenar a invasão. O órgão, porém, não pode aplicar medidas, como sanções ou envio de missões de paz. Só o Conselho de Segurança tem autoridade para tal.

Essa instância das Nações Unidas é formada por 15 países, cinco dos quais com assentos permanentes e com poder de veto e outros dez em vagas rotativas —o Brasil atualmente ocupa uma posição temporária. Como a Rússia é membro fixo do órgão, pode barrar medidas contra si mesma.

Também nesta segunda, na parte da tarde, o Conselho de Segurança voltou a se reunir para tratar da guerra, num encontro marcado por pedidos para que haja maior atenção aos refugiados que tentam escapar do conflito. O Brasil, por sua vez, voltou a criticar o risco de escalada de tensões.

"As severas sanções podem trazer efeitos na economia global com consequências sentidas muito além da Rússia. Possivelmente, as populações nos países em desenvolvimento serão as que vão sofrer mais", disse João Genésio de Almeida Filho, representante permanente alterno do país na ONU. "O suprimento de armas e a militarização crescente da região dificilmente promoverá o diálogo. Provavelmente gerará mais tensões." Como exemplo, apontou que um conflito nuclear poderia devastar o ecossistema do planeta.

Esta é apenas a 11ª vez que uma reunião emergencial da Assembleia-Geral da ONU é convocada desde a criação da entidade, em 1945. A realização do dispositivo faz parte de uma estratégia para aumentar a pressão sobre a Rússia e desviar do poder de veto que Moscou tem no Conselho de Segurança. O órgão realizou quatro reuniões para tratar da guerra na última semana, e uma resolução para condenar a invasão teve apoio de 11 dos 15 membros, mas a Rússia barrou a medida. O Brasil votou a favor da resolução.

No domingo (27), o presidente Bolsonaro defendeu que o Brasil permaneça neutro no conflito. "Nós não podemos interferir. Nós queremos a paz, mas não podemos trazer consequências para cá", afirmou o presidente brasileiro durante entrevista coletiva em um hotel em Guarujá (SP).

Também no domingo, o embaixador Costa Filho já havia pedido cautela antes da aplicação de punições à Rússia. Para ele, não se pode ignorar que algumas das medidas debatidas "aumentam os riscos de um confronto mais amplo e direto entre a Otan [a aliança militar do Ocidente] e a Rússia".

Dois dias antes, o diplomata havia sido firme contra Moscou, num jogo de morde e assopra. "O Conselho deve reagir de forma rápida ao uso da força contra a integridade territorial de um Estado-membro. Uma linha foi cruzada, e esse conselho não pode ficar em silêncio", disse antes da votação do texto.

Uma semana antes de a Rússia invadir a Ucrânia, Bolsonaro manteve a visita que fez ao presidente russo, Vladimir Putin, sob a justificativa da necessidade de ampliar laços comerciais com Moscou. Outro aliado do Kremlin, a China, usou o discurso na ONU nesta segunda para reforçar a postura de Pequim contrária à formação de uma nova Guerra Fria, na qual "não há nada a ganhar"segundo o embaixador Zhang Jun.

"A Guerra Fria acabou há muito tempo. A mentalidade da Guerra Fria baseada no confronto de blocos deve ser abandonada. Não há nada a ganhar com o início de uma nova Guerra Fria", destacou o representante.

Zhang reafirmou que a soberania e o território de todos os países devem ser respeitados, numa referência indireta à questão de Taiwan, ilha que Pequim considera rebelde, e que "a segurança de um país não pode vir às custas da segurança de outros". Também apontou que a Ucrânia "deve servir como uma ponte de comunicação entre Oriente e Ocidente, em vez de se tornar um posto de confronto entre potências".

Na abertura da reunião da Assembleia-Geral desta segunda, o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, fez um novo apelo pela paz e condenou a invasão russa. "É uma violência inaceitável. Já chega. Os civis devem ser protegidos, e as fronteiras internacionais, respeitadas."​ Já o Sergei Kislitsia, representante da Ucrânia na ONU e primeiro embaixador a falar, começou seu discurso mostrando uma imagem impressa do que disse ser uma troca de mensagens de uma soldado morto na guerra.

"Mãe, estou na Ucrânia. Tem uma guerra real aqui. Estou com medo. Estamos atacando as cidades, mesmo civis. Eles disseram que as pessoas iriam nos receber bem, mas eles nos chamam de fascistas. Isso é tão difícil, mãe", leu o embaixador na tribuna da ONU. "Isso foi minutos antes de ele ser morto."

O embaixador disse que o começo da invasão russa lembra o começo da Segunda Guerra, cujas implicações para o futuro podem ser profundas. "Se a Ucrânia não sobreviver, a ONU não irá sobreviver. Não duvidem. Ainda podemos salvar a Ucrânia, a ONU, a democracia e os valores no quais acreditamos."

Kislitsia também fez uma menção ao ditador alemão Adolf Hitler, sem dizer o nome dele. "Se [Putin] quer se matar, ele não precisa usar o arsenal nuclear. Ele tem que fazer o que o cara em Berlim fez em um bunker em maio de 1945", disse o diplomata ucraniano.

Na sequência, o representante russo na ONU, Vasili Nebenzia, voltou a fazer ataques à Ucrânia. Ele acusou o governo chefiado pelo presidente Volodimir Zelenski de ter atitudes nazistas e genocidas, de mentir sobre os resultados da invasão e de colocar em risco sua própria população. "O governo da Ucrânia está usando a população civil como escudo", acusou Nebenzia. Após a invasão da Ucrânia, muitos civis foram convocados para lutar junto com o Exército ucraniano para conter o avanço russo.

Países europeus, por sua vez, fizeram criticaram Moscou. "A Rússia invadiu a Ucrânia sem provocação e sem justificativa. Se não nos levantarmos agora, então a segurança das fronteiras e a independência de todas as nações estará em risco", disse Barbara Woodward, embaixadora do Reino Unido.

A França deixou claro que votará a favor de uma resolução para condenar a invasão e convocou outros a agirem também. "É uma questão de defender a razão de existir da ONU. Ninguém pode olhar para o outro lado. Abstenção não é uma opção. Abster-se é consentir com a lei do mais forte", disse Nicolas de Riviere.

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