Siga a folha

Descrição de chapéu LGBTQIA+ guerra israel-hamas

Para palestinos LGBTQIA+, luta por direitos passa pelo fim da ocupação israelense

'Uma pessoa queer não consegue ser livre sob um regime colonial violento', diz ativista de vilarejo isolado por Tel Aviv

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Izat Elamoor descreve a sua experiência com a diversidade sexual e de gênero na região em que mora em uma frase: o mundo precisa saber que existe uma comunidade LGBTQIA+ vibrante e maravilhosa na Palestina.

Elamoor cresceu em Kuseife, uma cidade palestina e muçulmana no deserto do Negev, no sul de Israel. Ele conta que deixou de se sentir sozinho ao conhecer palestinos LGBT+ em outras partes do território, bem como nas regiões ocupadas.

Reprodução de cena de videclipe de Bashar Murad, artista pop palestino - Reprodução/Bashar Murad no YouTube

"Não foi fácil crescer sendo queer neste ambiente, mas nunca foi tão ruim quanto a imagem que se tem sobre nós no Ocidente", diz à Folha. "A relação que eu tenho com a minha família não é muito diferente daquela enfrentada por pessoas LGBT+ em lares conservadores em outras partes do mundo."

Ele hoje vive nos Estados Unidos, onde obteve doutorado em sociologia pela Universidade de Nova York. É professor no Hendrix College, no Arkansas, e pesquisa o movimento LGBT+ na Palestina e no Oriente Médio.

O pesquisador afirma que Israel frequentemente explora a situação de palestinos LGBT+ a fim de projetar uma imagem positiva no exterior –o movimento LGBT+ chama essa estratégia de "pinkwashing" (lavagem em cor-de-rosa, em tradução literal).

Ele diz que esses esforços se intensificaram desde os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro. Como exemplo, cita uma imagem amplamente compartilhada nas redes sociais que mostra um soldado israelense segurando uma bandeira do arco-íris em meio a prédios destruídos na Faixa de Gaza. "Isso é uma tentativa de redefinir o amor, a moralidade e a humanidade em uma arma em cujo nome palestinos são mortos."

Palestinos estão sujeitos a regimes jurídicos distintos com base no território onde vivem, o que tem impacto direto sobre os direitos da população LGBT+. Relações entre pessoas do mesmo sexo eram comuns e permitidas na região sob o Império Otomano, mas passaram a ser criminalizadas em 1936, quando a Palestina estava sob ocupação do Reino Unido.

Em Israel, a homossexualidade só viria a ser descriminalizada em 1988. Desde então, foram criadas proteções contra a discriminação em locais de trabalho, estabelecimentos de ensino e unidades de saúde. Não há casamento civil no país, mas há reconhecimento de casamentos homoafetivos firmados no exterior.

Na Cisjordânia, a homossexualidade deixou de ser crime em 1951, período em que o território estava sob domínio da Jordânia antes de ser ocupado militarmente por Israel a partir de 1967. Hoje, o território é parcialmente administrado pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), e não há proteções específicas para a comunidade LGBT+.

Já na Faixa de Gaza, continua em vigor o Código Civil promulgado em 1936 durante o mandato britânico. A lei pune relações carnais "contrárias à ordem natural" com até dez anos de prisão, o que geralmente é interpretado no sentido de criminalizar relações sexuais entre homens.

Não há informações precisas sobre a aplicação da lei nos dias de hoje –a Faixa de Gaza é governada desde 2007 pelo Hamas, que tem orientação islamita e conservadora. Após os atentados terroristas de 7 de outubro, que deixaram 1.200 israelenses mortos, Tel Aviv invadiu o território com o objetivo de depor a facção, em uma campanha que já matou quase 18 mil palestinos.

Organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch afirmam que Israel pratica um regime de opressão e dominação que equivale ao crime de apartheid contra todos os palestinos, inclusive os LGBT+.

Para o artista Bashar Murad, que vive em Jerusalém, analisar a situação dos palestinos somente com base nos direitos LGBT+ é uma atitude reducionista. "Neste momento, há palestinos queer em Gaza que não estão muito preocupados com o fato de serem queer. Estão tentando fugir de bombardeios que matam indiscriminadamente", diz.

Murad conta que, quando criança, só pensava em ser a Britney Spears. Sendo palestino, porém, acabou tendo que falar sobre política em suas músicas. "Eu acredito no poder da arte, da música e da cultura como um meio de resistência. Na pista de dança, eu não vejo fronteiras, vejo pessoas buscando escapar das coisas que nos afetam no dia a dia."

Ele diz que vem reavaliando sua relação com símbolos da comunidade LGBT+. "Quem a bandeira do arco-íris vem representando? Não permitirei que usem a minha identidade para justificar a opressão contra o meu próprio povo e contra mim."

O ativista Omar al-Khatib afirma que a liberdade dos palestinos LGBT+ passa necessariamente pela luta contra a ocupação israelense.

"Essas questões são inseparáveis, porque uma pessoa queer não consegue ser verdadeiramente livre sob um regime violento de colonialismo de assentamento. Isso não significa que a liberação queer seja uma questão secundária. O pensamento queer nos ensina a resistir a qualquer forma de injustiça e opressão", diz.

Ele vive em Izariyya, um vilarejo que historicamente faz parte de Jerusalém, mas que acabou sendo isolado pelo muro construído por Israel no início dos anos 2000. Assim, o local hoje efetivamente vive espremido entre o muro e assentamentos israelenses na Cisjordânia.

Até o ano passado, o ativista fazia parte da Al-Qaws (arco-íris, em árabe), principal organização LGBT+ palestina. Em 2019, a ANP proibiu temporariamente as atividades da Al-Qaws na Cisjordânia, sob a justificativa de que o grupo representava uma ameaça contra os "valores da sociedade palestina".

"A decisão da ANP de proibir uma organização queer é definitivamente homofóbica, mas por trás dessa homofobia está o fato de que a ANP é um regime fantoche que trabalha para o sistema colonial", afirma Khatib.

Ele diz acreditar que a luta dos palestinos está conectada com a das pessoas LGBT+ no Brasil e em outros países do chamado Sul Global, pois esses povos estão acostumados com as heranças do colonialismo.

O jornalista Kais Husein, que vive no Rio Grande do Sul, afirma que palestinos LGBT+ enfrentam simultaneamente a ocupação israelense e o fundamentalismo religioso dentro de suas comunidades.

Ele, que é comunicador da Fepal (Federação Árabe-Palestina do Brasil), conta que já sofreu assédio de soldados e colonos israelenses em aplicativos de paquera nas ocasiões em que esteve na Palestina.

"Os colonos têm o luxo de viver em liberdade em terras roubadas. E, ainda por cima, aplaudem um genocídio em nome das pessoas LGBT+", diz.

Kais lembra ainda que a conquista dos direitos LGBT+ em qualquer lugar passa por processos de mobilização coletiva. "A ocupação israelense suprime a organização da sociedade civil palestina. Não temos soberania para promover políticas públicas que ofereçam proteção à comunidade LGBT+."

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas