Siga a folha

Lula planeja renegociar dívidas de países da África como trunfo no G20

Renegociação deve ser tratada pelo presidente em encontros bilaterais, às margens da cúpula da União Africana

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

Adis Abeba

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trabalha em um plano de renegociação de dívidas que nações do continente africano têm com o Brasil.

Atualmente, nove países africanos têm pendências com Brasília. São eles: Moçambique, Congo, Senegal, São Tomé e Príncipe, Gana, Mauritânia, Guiné-Bissau, Guiné e Zimbábue. Esses débitos somam atualmente US$ 280 milhões (R$ 1,3 bilhão, na cotação atual)

A proposta que vem sendo elaborada prevê uma renegociação que inclui até mesmo abatimento de valores. Apenas o Zimbábue não deve ser contemplado, pois há a avaliação de que a dívida do país é insolúvel.

A expectativa de auxiliares de Lula é que esses planos sejam tratados individualmente com cada país e sejam colocados em prática no segundo semestre, antes da cúpula de chefes de Estado do G20 no Brasil, em novembro. Um dos objetivos do Brasil é justamente usar essa ação como exemplo para pressionar nações desenvolvidas a adotarem medidas semelhantes.

Presidente Lula chega ao Cairo, para a primeira parada de sua viagem ao continente africano - Ricardo Stuckert - 14 fev.2024/Presidência da República

O plano foi confirmado à Folha por auxiliares de Lula no Palácio do Planalto. O presidente pretende discutir a questão com alguns chefes de Estado daquele continente às margens da cúpula da União Africana em Adis Abeba, capital da Etiópia.

O assunto está sendo analisado pelo Ministério da Fazenda, que estuda as condições para o possível parcelamento e os eventuais descontos em valores.

Segundo pessoas que acompanham o tema, já estão adiantados os processos referentes às dívidas de Moçambique, Congo e Senegal. Um pouco atrás, mas ainda com evolução rápida, está o plano de renegociação do saldo de São Tomé e Príncipe.

Moçambique é atualmente o país africano com a maior dívida com o Brasil. O país deve US$ 143 milhões (R$ 604 milhões) aos cofres brasileiros. Esses valores são referentes a dois empréstimos concedidos via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), cujos recursos foram destinados a obras em aeroportos por meio da estatal moçambicana ADM-EP. As obras foram feitas pela antiga Odebrecht (atual Novonor).

Moçambique chegou a figurar inicialmente no roteiro de Lula para a atual viagem à África, mas acabou retirado por problemas logísticos que aumentariam excessivamente o período fora do Brasil.

A segunda maior dívida é a da Mauritânia, que deve US$ 48 milhões ao Brasil. Na sequência aparece Guiné-Bissau, com débito já vencido de US$ 25 milhões.

Esse montante devido pelos países africanos pode quase dobrar nos próximos anos, se não houver renegociação. Isso porque, com exceção de São Tomé e Príncipe, todos os demais ainda têm saldos que vão vencer no futuro, de US$ 437 milhões.

O presidente desembarcou na quarta-feira (14) no Cairo para o início de uma visita de cinco dias no continente africano. Na capital egípcia, o roteiro teve um encontro com o ditador Abdel Fattah al-Sisi, uma visita à sede da Liga Árabe e um discurso, além de turismo nas pirâmides ao lado da primeira-dama, Janja.

Lula depois seguiu para a Etiópia para participar da cúpula da União Africana, além de ter uma série de reuniões com presidentes do continente às margens do evento. Nesses encontros é que Lula pretende abordar a questão da dívida, embora o anúncio oficial deva ficar para mais tarde, segundo informações obtidas pela Folha.

Um interlocutor no governo afirma que um anúncio no exterior, sem a consulta de lideranças políticas, poderia provocar problemas na tramitação desses planos de renegociação de dívidas. As medidas precisam ser avaliadas pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado.

Integrantes da gestão Lula argumentam que o plano de renegociação de dívidas é um processo relativamente simples, que estava parado por falta de vontade política dos últimos governos. O principal benefício, argumentam, é que, uma vez com as dívidas sanadas, o Brasil abre caminho para voltar a financiar a exportação para esses países, inclusive serviços, o que inclui obras de infraestrutura —algo que vem sendo defendido pelo governo.

Lula encaminhou no fim do ano passado um projeto de lei ao Congresso Nacional para autorizar o BNDES a retomar a exportação de serviços, que estava suspensa desde 2017 por causa das acusações de corrupção envolvendo empreiteiras brasileiras.

O governo busca retomar o financiamento de exportação sobretudo para Angola e Moçambique, países com afinidade histórica com o Brasil e com mercado mais desenvolvido no contexto africano.

A avaliação é que, sem financiamento, empresas brasileiras não terão condições de competir nos países da África. Além da exportação de serviços e produtos manufaturados, o governo Lula mantém a expectativa de que o agronegócio terá grande peso nas exportações para países africanos, seja pela venda de produtos ou por meio de cooperação, via Embrapa.

Essa não será a primeira vez que um governo petista promove perdão da dívida de países africanos. Em 2013, Dilma Rousseff anunciou a renegociação de quase US$ 800 milhões em dívidas de nove países africanos.

A medida acabou gerando críticas à presidente pelo fato de que as dívidas perdoadas poderiam se transformar em novos débitos não pagos. Por outro lado, o perdão às dívidas resultou efetivamente na abertura de mercado, como mostrou a Folha à época.

Lula vem defendendo repetidamente o perdão às dívidas dos países africanos, para impulsionar o desenvolvimento econômico da região. "Essa dívida vai ficando impagável porque o dinheiro do orçamento nunca dá para pagar, e o problema vai sempre aumentando. Qual é a lógica? É tentar sensibilizar as pessoas que são donas dessas dívidas para que elas [dívidas] sejam transformadas em apoio à infraestrutura. O dinheiro da dívida, em vez de ser pago, seria investido em obras de infraestrutura", disse o presidente durante visita a Angola, em agosto do ano passado.


Dívidas dos países africanos com o Brasil

Moçambique - US$ 143 milhões

Mauritânia - US$ 48 milhões

Guiné-Bissau - US$ 25,2 milhões

Zimbábue - US$ 16 milhões

Gana - US$ 14 milhões

Congo - US$ 13,4 milhões

Senegal - US$ 10,7 milhões

Guiné - US$ 5,1 milhões

São Tomé e Príncipe - US$ 4,4 milhões

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas