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Descrição de chapéu Eleições nos EUA

'Woke', 'brat', 'Maga': O que significam os termos que marcam eleição nos EUA

Vocabulário específico moldado pelas redes sociais influencia corrida pela Casa Branca

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Giulia Granchi
BBC News Brasil

As eleições presidenciais nos Estados Unidos foram marcadas por reviravoltas recentemente, incluindo um atentado contra o ex-presidente Donald Trump e a desistência de Joe Biden.

Além dos eventos dramáticos, a disputa também é caracterizada por um vocabulário próprio, influenciado pelas redes sociais.

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, busca mobilizar os eleitores democratas - Getty Images via BBC News

Termos como "woke", "brat" e o slogan trumpista "Maga" (acrônimo para "make America great again", ou façam os EUA grandes de novo, em inglês) têm uma forte presença do debate online e, de acordo com especialistas, podem influenciar significativamente os eleitores.

"Essas palavras e expressões são muito importantes porque, em primeiro lugar, são fáceis de memorizar e de espalhar", avalia Lucas Leite, doutor em relações internacionais e professor da mesma disciplina na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado).

"Elas rapidamente constroem uma identidade comum que carrega algo mais complexo do que apenas o termo. Ajudam a criar identificação com quem o eleitor apoia, como o apoia e por que o apoia."

Entenda a seguir o que significam estes termos e o peso que eles podem ter na eleição presidencial americana de 2024.

'Brat'

Kamala Harris, vice-presidente de Joe Biden e cotada para substituí-lo na corrida presidencial, ganhou o título de "brat", termo que dominou o TikTok de jovens nas últimas semanas.

A palavra é o nome do álbum mais recente da cantora britânica Charli XCX, que foi quem batizou, digamos, Kamala com o termo.

Em vídeo publicado no TikTok, a cantora descreve "brat" como "aquela garota que é um pouco bagunceira, gosta de festas e às vezes fala besteiras". Ela "se sente bem consigo mesma, mas às vezes tem crises", e "se diverte apesar disso". "É muito honesta, muito direta, um pouco volátil. Faz coisas bobas. Isso é ser 'brat'."

Muitos teorizam que o termo é o oposto da tendência da "clean girl", cuja estética minimalista —que prega o uso de pouca maquiagem, nada de estampa e preferência por tons claros— é frequentemente seguida por influenciadoras.

Mas o que isso tem a ver com a vice-presidente americana?

Embora Kamala seja uma democrata com posições políticas relativamente moderadas, ela realmente vai contra algumas "regras pré-definidas", afirma Leite.

Como a primeira mulher, pessoa negra e pessoa descendente de sul-asiáticos a ocupar o cargo de vice-presidente, Kamala já é uma figura atípica na política americana.

"Isso tudo mostra que ela é uma quebra de paradigmas, especialmente em um país com o histórico de candidatos dos EUA, concorrendo contra um homem branco mais velho que defende posições conservadoras", diz Leite.

Quando celebridades pop apoiam um certo candidato, afirma o especialista, isso gera identificação e facilita o trânsito do discurso político para a esfera da comunicação rápida e fluida da internet.

"[Kamala] faz os jovens verem nela um elemento de identificação comum com o 'nós' do mainstream pop, o grupo que define o que é tendência. Isso tem um apelo muito forte junto à internet, especialmente com a geração Z."

Kamala rapidamente abraçou o meme. A imagem de fundo do seu perfil oficial no X (antigo Twitter) foi alterado para um verde limão, a cor da capa do álbum de Charli XCX e considerada "símbolo" das brat.

Silvio Waisbord, professor de mídia e relações públicas da Universidade George Washington, afirma que, com isso, há claramente uma tentativa na campanha da democrata de alcançar os jovens.

"Estão tentando atrair mulheres, jovens, eleitores negros. Eles já têm tentado apresentá-la de uma maneira mais acessível do que uma figura política tradicional", acrescenta Waisbord.

"As eleições nos EUA são mais sobre mobilizar a própria base do que qualquer outra coisa, até mais do que tentar alcançar outros grupos de eleitores. O que ela está tentando fazer é usar uma linguagem e imagens que, no passado, foram eficazes para engajar pessoas que votaram nos democratas ou que têm tendência a votar neles."

Print do Twitter oficial de Kamala Harris - @KamalaHQ no X

No Tiktok, vídeos curtos com músicas da cantora britânica mostram imagens antigas de Kamala discursando, mas também rindo e dançando. Uma imagem descontraída de uma possível candidata à Presidência.

"Esse jeito mais despojado tem sido usado pelo Partido Republicano para criticá-la, e o que ela tem tentado fazer é se apropriar dessas críticas, dizendo 'sim, esta sou eu' e tornando isso mais positivo e humano", diz Waisbord.

'Woke'

Outro termo que se tornou popular —tanto entre democratas quanto entre republicanos, embora com conotações diferentes— é "woke", que, em tradução literal do inglês, significa "desperto".

A palavra ganhou significados bem mais amplos. Nos EUA, ser ou estar "woke" pode indicar com quais posturas políticas você se mais se identifica.

O termo surgiu entre a comunidade afroamericana e, originalmente, queria dizer "estar alerta para a injustiça racial".

Em um evento em 2023, Trump afirmou não gostar do termo, porque metade das pessoas não conseguia defini-lo.

O termo já não é amplamente usado no debate político, mas seu significado implícito, sim.

"Para os republicanos, apoiadores de Trump, o 'woke' é encarado de forma pejorativa, quase como um insulto às pessoas de esquerda ou progressistas nos EUA", avalia Waisbord.

"Mas hoje é raro que se use o termo em discursos. É mais comum que ataquem os aspectos do que ele representa, mas de outras formas."

Um exemplo disso aconteceu durante as Olimpíadas de Tóquio, quando a seleção de futebol feminino dos EUA ganhou uma medalha de bronze.

Trump criticou o time por não levar o ouro para casa, afirmando que as jogadoras eram "lideradas por um grupo radical de maníacos esquerdistas" e que o país "deveria substituir os 'wokesters' por patriotas".

Muitas pessoas acreditam que quem cunhou a expressão foi o romancista William Melvin Kelley (1937-2017).

Em 1962, Kelley publicou um artigo no jornal americano The New York Times com o título "If You're Woke, You Dig it" (se você estiver desperto, vai entender).

O termo ressurgiu na última década com o movimento Black Lives Matter, criado para denunciar a brutalidade policial contra afrodescendentes.

Mas, desta vez, seu uso se espalhou para além da comunidade negra e passou a ser empregado por um público mais amplo.

Em 2017, o dicionário Oxford acrescentou um novo significado a 'woke', definindo-o como: "Estar consciente sobre temas sociais e políticos, especialmente o racismo".

Assim como algumas pessoas se autodefinem com muito orgulho como alguém "woke", ou atento à discriminação e à injustiça, outros utilizam o termo como insulto.

O próprio dicionário Oxford faz essa distinção. Após a definição, acrescenta: "Esta palavra é frequentemente empregada com conotação negativa por aqueles que pensam que outros se incomodam muito facilmente com esses assuntos, ou falam demais sobre eles sem promover nenhuma mudança".

'Maga'

Lema da campanha de Donald Trump desde 2016, "Maga" é o acrônimo de "Make America Great Again".

O slogan é amplamente usado por republicanos e apoiadores do ex-presidente americano.

A frase é estampada em itens como camisetas e principalmente em bonés vermelhos, vistos em grande número durante os comícios de Trump.

Originalmente usada por Ronald Reagan como slogan em sua campanha presidencial de 1980 ("Let's Make America Great Again"), a releitura da frase teve rápida adesão entre os apoiadores de Trump.

"Apela para os sentimentos, é simples, de fácil entendimento e oferece a possibilidade de participação", avalia o especialista de marketing Ben Ostrower em entrevista à BBC.

"Independentemente da sua opinião sobre Donald Trump, ele é um grande vendedor. E é um mérito do 'Maga' ser um divisor de águas tão forte."

O professor Lucas Leite lembra que, quando Reagan propôs "tornar a América grande novamente", ele tentava resgatar o orgulho nacional, mostrando que os EUA poderiam voltar a ser uma potência.

"No entanto, devemos questionar: grandeza em relação a quê? A que período? Para quem?", pondera Leite.

O professor avalia que o lema "Maga" foi instrumentalizado naquele contexto e, atualmente, faz parte de um discurso frequentemente associado a supremacistas brancos, que defendem a ideia de um "americano verdadeiro", anglo-saxão, protestante e branco.

"Essa identidade representava a grandeza dos EUA e foi diluída por minorias e imigrantes. O 'Maga', portanto, tem essa capacidade de criar uma identidade forte e facilitar a comunicação e a identificação com a figura de Trump", diz Leite.

Silvio Waisbord acrescenta que o Partido Republicano e Trump "buscam representar uma posição anti-elitista, muito populista, defendendo a noção mítica da pessoa comum".

Mas, como aponta Waisbord, o lema não é usado pelos democratas de uma forma crítica ou com um tom pejorativo como o termo "woke".

"Biden e Kamala estão tentando evitar qualquer referência negativa à base principal do Partido Republicano agora, que é basicamente a classe trabalhadora branca sem educação formal, porque isso já teve um efeito negativo no passado."

Este texto foi originalmente publicado aqui.

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