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Juliana Oliveira Domingues

Big techs e o direito antitruste 4.0

Autoridades devem se preparar para desafios da economia digital

A professora de direito econômico da USP Juliana Oliveira Domingues - Divulgação

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Recentemente, as big techs (grandes empresas de tecnologia) tiveram perdas conjuntas de mais de US$ 130 bilhões em valor de mercado em razão de uma mudança na postura norte-americana. Foi anunciado que tanto o Congresso americano quanto o Departamento de Justiça e a Federal Trade Comission (FTC) investigarão as empresas Google, Apple, Amazon e Facebook.

A apreensão diante do crescimento das big techs é evidente. O Facebook já está sendo investigado em razão de suposta violação de proteção de privacidade no caso Cambridge Analytica. Do ponto de vista acadêmico, Tim Wu, Luigi Zingales e Lina Khan, entre outros acadêmicos norte-americanos, têm sinalizado que a postura leniente dos EUA diante do crescimento dessas empresas pode gerar efeitos deletérios para o ambiente competitivo e para o bem-estar social. O movimento, que se convencionou chamar de “hipster antitruste” e de “The New Brandeis School”, tem-se fortalecido em razão de fatos recentes.

Em fevereiro, o FTC criou uma "task force" (força-tarefa) para lidar com mercados “monopolistas” de tecnologias. Para completar, no final de maio, o cofundador do Facebook, Chris Hughes, deu uma entrevista bombástica comparando o Facebook a um monopólio. Também causou frisson a sua afirmação de que a compra do WhatsApp e do Instagram pelo Facebook deveriam ser revertidas pelas autoridades antitruste.

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, a autoridade antitruste alemã, Bundeskartellamt, anunciou restrições à política de processamento de dados do Facebook. A decisão, de 6 de fevereiro de 2019, basicamente determinou que os dados de Facebook, Instagram e WhatsApp não podem ser cruzados e que o Facebook não pode coletar dados de fora sem consentimento dos usuários.

Na Alemanha, o Bundeskartellamt não impôs multa ao Facebook —o que seria provável no Brasil em caso de conduta anticompetitiva identificada—, mas exigiu mudanças das políticas da empresa. Tal decisão também nos motiva a refletir em que medida a proteção de dados pode (ou deve) ser tratada pelo direito da concorrência.

A comissária europeia Margrethe Vestager —que, no Brasil, seria comparada à figura de conselheira do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)— tem afirmado que os dados são os novos ativos econômicos ou “a nova moeda da internet”. A nossa LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) também estabelece que a disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamento, entre outros, a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor.

Assim, fica clara a responsabilidade dos "policy makers" e dos "decision makers" de ampliarem as lentes de análise para uma visão interdisciplinar. Hoje, uma questão tradicional antitruste pode afetar não apenas o ambiente concorrencial, mas também direitos do consumidor, criando, entre outros, problemas de privacidade.

Na tradicional análise antitruste, as questões que emergem não são simples de endereçamento mesmo quando se trata de controle prévio. Note-se, por exemplo, que as leis antitruste possuem critérios de faturamento para determinar obrigatoriedade ou não de submissão de operações empresariais.

Entretanto, os critérios tradicionais podem ser incapazes de detectar problemas de monopolização, como é o caso de algumas das big techs. A aquisição do WhatsApp pelo Facebook é um bom exemplo: uma operação avaliada em mais de US$ 20 bilhões, mas que não despertou a atenção das autoridades antitruste, inclusive do Cade (onde sequer precisou ser notificada em razão do baixo faturamento do WhatsApp), uma vez que não cumpria os critérios da nossa lei antitruste. Vale recordar que, em 2012, antecipamos o problema no artigo “Nova lei antitruste permitirá a criação de monopólios”.

A OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) tem trabalhado ativamente com os desafios da revolução digital e busca possíveis soluções. Não há consenso internacional e são grandes as dúvidas sobre o melhor caminho. Muitas operações e condutas ultrapassam fronteiras.

Entretanto, as autoridades devem estar preparadas para os desafios da economia digital e da chamada Revolução 4.0. Se é verdade que big data é o novo petróleo, precisamos preservar o ambiente competitivo, mas sem eliminar competidores inovadores e diruptivos.

Juliana Oliveira Domingues

Professora doutora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP), é secretária nacional do Consumidor e presidente do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor e do Conselho Nacional de Combate à Pirataria

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