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Patrícia Valim

A greve dos professores nas universidades federais é necessária? SIM

Parar é a maneira de buscar direitos e conservar os duramente conquistados

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Patrícia Valim

Professora do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Docentes e técnicos administrativos estão em greve em mais de 70 universidades e institutos federais. Historicamente, a greve é o principal mecanismo de luta da classe trabalhadora para conquistar direitos: salário mínimo, 13º salário, jornada de 44 horas semanais, seguro-desemprego, férias, horas extras remuneradas, adicionais de insalubridade e periculosidade, aposentadoria.

Mas há também greves de caráter regressivo, isto é, para não perder direitos conquistados, como as que ocorreram durante o governo Jair Bolsonaro: foram 1.118 em 2019 (Dieese, 2020) e 1.067 em 2022, com o funcionalismo público responsável por 59,4% delas (Dieese, 2023).

Ato de professores e estudantes da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - Luis Adolfo - LUIS ADOLFO

Em ambos os casos, as paralisações são deflagradas quando há impasse nas negociações, como agora. Com a aprovação da chamada PEC da Transição, o atual governo reconheceu a urgência da situação, reabriu uma Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) com as categorias para discutir a reestruturação das carreiras e iniciou o processo de reajuste salarial linear com uma parcela emergencial de 9% em 2023, mas manteve praticamente o orçamento para as Instituições Federais do Ensino Superior (Ifes) de 2022.

A promessa era de recomposição orçamentária e salarial em 2024, mas categorias foram surpreendidas com a proposta de 0% de reajuste salarial e duas parcelas de 4,5% para 2025 e 2026, além de um orçamento de custeio das universidades federais inferior aos praticados nos anos anteriores: em 2014 foram executados R$ 10,1 bilhões; em 2022, R$ 6,8 bilhões; em 2023, R$ 6,5 bilhões —a Lei Orçamentária Anual (LOA) das universidades federais prevê para este ano R$ 5,9 bilhões (IPCA-IBGE, 2024).

As categorias não aceitaram a proposta porque auxílio não é salário, de maneira que os aumentos para os auxílios alimentação, creche e saúde só valem para docentes ativos, deixando de lado os aposentados, que são os que mais têm a renda comprometida com os planos de saúde.

O governo afirma que não há orçamento para o funcionalismo público, mas não é verdade. Os auditores fiscais ficaram 80 dias em greve e conquistaram o reajuste acima de 20%. Mesmo sem greve, o governo concedeu 23% de aumento para o funcionalismo do Banco Central e anunciou reajuste salarial e reestruturação das carreiras da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal, cujos salários podem chegar a R$ 40 mil.

Por isso, a greve nesse momento é a principal maneira de lutar por direitos e para não perder direitos duramente conquistados e que estão ameaçados: para cumprir a meta de déficit zero do arcabouço fiscal do terceiro mandato do presidente Lula, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) prevê a desconstitucionalização dos pisos da saúde e da educação no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, divulgado recentemente. Essa greve é também para disputar o Orçamento.

Porque, na prática, sem essa disputa, o Estado fica desobrigado de investir valores mínimos estabelecidos constitucionalmente em áreas sociais —um projeto que foi derrotado nas eleições de 2022 por meio das mobilizações da comunidade acadêmica, que não fez greve até 2019 porque cumpriu o acordo vigente, assinado em 2015, apenas com a federação dos sindicatos (Proifes), de reajuste salarial linear e reestruturação desigual da carreira.

Mas isso não nos impediu de mobilizar universidades públicas e institutos técnicos federais para o curso "O Golpe de 2016 e o Futuro da Democracia no Brasil" para discentes do país inteiro e participar na linha de frente das manifestações "Fora Temer", "Lula Livre", "Ele Não", contra o negacionismo histórico e o desmonte do Estado, em defesa da vacina e da democracia com a derrota nas urnas do ex-presidente em 2022.

A nossa luta não é de hoje e precisa ser respeitada.

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