Estupro, uma questão cultural
Adriana Negreiros mostra em livro como contexto do país ampara violência sexual
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A cada dia, de 822 a 1.370 mulheres são estupradas no Brasil. O dado, estarrecedor, vem de dossiê da Agência Patrícia Galvão e foi coletado pela jornalista Adriana Negreiros em seu livro "A Vida Nunca Mais Será a Mesma", recém-lançado pela Objetiva.
Negreiros já havia publicado em 2018, pela mesma editora, o excelente "Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço".
Nele, tirava a personagem-título do lugar mítico que ocupa no imaginário popular, reconstruindo sua vida e a de outras jovens, integradas ao cangaço muitas vezes pelo rapto.
"Jovens" é muito. Às vezes meninas, como Dadá, estuprada aos 12 por Corisco, tornando-se assim sua mulher —o rito sangrento sublinhando a posse expressa no pronome.
Pois um estupro é sempre um exercício de poder e posse, como o de Corisco sobre Dadá. Enquanto o ataque ao corpo de uma mulher continuar a ser visto na esfera do desejo sexual —como pretendem muitos, inclusive políticos de ontem e hoje—, a vítima continuará a ser vista como culpada, ou pela roupa, ou pela atitude.
A crueza das cenas perpetradas pelo cangaço no início do século 20 não se amenizou e se repete, bem entrado o século 21, em todo o país, como mostra Negreiros no novo livro. Difícil lê-las e dormir —ou andar na rua, ou pegar um táxi—sossegada.
Imagine então pesquisá-las e descrevê-las tendo sido você mesma violada, como foi a autora do livro, sequestrada e estuprada em 2003.
Mas também os homens deveriam sentir desassossego diante da clareza com que Negreiros demonstra que o estupro é uma questão cultural no país. O contexto social, político e legal que dá o amparo à cultura da violência não é, afinal, um problema apenas das vítimas que dela padecem.
Estamos todos imersos no caldo que permite que, no minuto ou dois que lhe custa ler este texto, mais uma mulher seja estuprada no Brasil. Seja ela quem for, como para todas as vítimas da violência sexual, a vida nunca mais será a mesma.
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