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Álvaro Machado Dias e Rodrigo Bressan

É adequado usar inteligência artificial para preparar planos de aula? SIM

Se aplicada em contextos de boa-fé, pode trazer flexibilidade e atualização

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Álvaro Machado Dias

Professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e colunista da Folha

Rodrigo Bressan

Psiquiatra, é professor da Unifesp e do King’s College London; diretor do Instituto Ame a sua Mente

O grande desafio da educação formal é elevar a transformação orientada daqueles que são expostos à sua lógica. Isto é, fazer o aluno aprender mais e melhor. Planos de aula são os roteiros da transformação. Eles são importantes por razões programáticas, mas também porque aulas desconectadas da realidade simbólica e prática vivida pelo aluno não geram aderência.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino fundamental e médio foi homologada em 2017-18. Seu propósito é nortear a elaboração de materiais de ensino, à luz dos objetivos da aprendizagem nos diferentes momentos de vida do indivíduo. A BNCC encara o problema da necessidade de atualização e engajamento, enquanto injeta complexidade nas dinâmicas pedagógicas e assume a existência de equipamentos atualmente indisponíveis para muitos, o que é motivo de críticas conhecidas.

Alunos de ensino médio de escola estadual de SP fazem atividade de redação em plataforma que corrige os textos por inteligência artificial; digitalização do ensino é bandeira do governo - Divulgação/Sergio Barzaghi/EducaçãoSP

Pesquisa com professores (2023) mostra que uma das principais consequências da BNCC é o aumento do trabalho para o planejamento de disciplinas e preparação de aulas, pela multiplicação das trilhas de ensino e aumento da demanda por abordagens multimodais.

Seria um problema bom, não fossem a sobrecarga excessiva e os investimentos insuficientes em cargos e salários. A carência deu origem a iniciativas como a da Associação Nova Escola, que disponibiliza gratuitamente 6.000 planos de aula customizáveis. Porém, a demanda é contínua e a obsolescência sempre chega. Tapar o sol com a peneira não reduzirá queimaduras.

A inteligência artificial generativa está em sua infância. Nesta fase, tem dificuldades para não contar mentiras. Parece um problema bobo, mas, quando se é uma IA na infância, ele se agiganta. Ainda assim, o panorama projetado a partir de sua adoção, atualmente aventada pelo governo paulista e no futuro por todos os outros, não é negativo, já que ela está evoluindo rapidamente. A questão a se analisar, caso a caso, é se decorre de preceitos éticos, ou da intenção de celebrar contratos com empresas de tecnologia, o que não cabe discutir aqui.

Dois grandes desafios pós-BNCC podem ser amenizados por IAs de apoio pedagógico em contextos de boa-fé. O primeiro é óbvio: se adequadamente treinadas, estas podem amenizar a escassez de planos atualizados. O segundo é que as experiências de ensino tendem a se enriquecer pelo aumento do espaço à experimentação. Usando IA, a comparação de abordagens de um tópico ou imagens/vídeos ilustrativos de um conceito pode ser feita sem sofrimento, estendendo o que se tornou corrente em áreas como arquitetura, artes plásticas e música.

O salto lembra aquele que vivemos quando fomos da máquina de escrever para os processadores de texto, com a diferença de que este é um processador bem mais perigoso, capaz de arruinar os que se rendem à preguiça e à inação. Não sendo o caso, torna-se uma ferramenta de potência.

Incorporar tecnologias no tecido complexo das instituições de ensino é semear o imprevisto. A solução para a mitigação de riscos é fazer um piloto e submetê-lo à avaliação independente. A discussão do método deve ser rigorosamente diferenciada da que envolve a sua implementação.

Aos que veem esta como uma pauta de direita, cabe lembrar que inexiste ferramenta mais maoista do que uma boa e velha inteligência artificial. O fato de a China ser campeã de uso não é nenhum acaso. Aos que veem nisso um problema, o conselho é se manter atento à conversão de promessas de liberdade em narrativas da massificação. Feitas as ressalvas, vale a pena tentar.

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