Múltiplas faces da violência contra a mulher
Combate e garantias dependem de compromissos coletivos e políticas públicas
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VÁRIAS AUTORAS (nomes ao final do texto)
A violência atinge as mulheres todos os dias. A Rede Brasileira de Mulheres Cientistas reconhece que é chave para o futuro do Brasil produzir conhecimento que permita compreender e construir soluções baseadas em evidências e na escuta das mulheres brasileiras em sua diversidade. Neste ano eleitoral, conclamamos partidos e candidaturas a se comprometerem com a agenda do combate à violência contra mulheres e meninas.
Desde os anos 1980, os movimentos feministas brasileiros lutam por políticas públicas e marcos legais para garantir às brasileiras uma vida sem violência. Um ponto alto dessa luta foi a promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006, reconhecida como uma das mais completas do mundo. Aos desafios que já existiam para a sua efetivação, entre os quais o monitoramento por estados e municípios, soma-se o atual desmonte das políticas públicas e mecanismos de participação cidadã.
A violência de gênero se conecta às desigualdades em todas as esferas: na casa, no trabalho, na política. Visões romantizadas da família podem desviar as ações para combatê-la no espaço doméstico, onde ocorre a maioria dos casos. Impedir o debate sobre gênero nas escolas retira das meninas informações que as ajudam a reconhecer e denunciar situações de violência. Posturas sexistas e misóginas de lideranças políticas normalizam a violência política de gênero.
A violência de gênero se combina ao racismo e à discriminação contra mulheres LBTQIA+. Mulheres negras estão mais vulneráveis ao feminicídio que mulheres brancas, e o desmonte das políticas de proteção social e combate à pobreza, somado à pandemia de Covid-19, vêm agravando desigualdades preexistentes.
Já as políticas que favorecem a mineração e a agropecuária aumentam tensões com os povos originários, expondo as mulheres indígenas à violência. É algo que fica evidente na morte de uma menina de 12 anos estuprada por garimpeiros ilegais na terra indígena Yanomami. Por sua vez, mulheres LBTQIA+ estão sujeitas a agressões nas esferas pública e privada em virtude de sua orientação sexual e identidade de gênero.
No campo da saúde, a cultura científica pode favorecer a invisibilidade da violência. Ela é produzida pelas dificuldades e silêncio que rondam as mulheres, assim como pelas dificuldades dos profissionais de saúde de perguntar e reconhecer situações de violência. Somam-se a isso processos culturais de banalização, com a naturalização de atos cotidianos de violência, essencializados como impulsos naturais masculinos e não tomados como comportamento intencional culturalmente válido.
Aí também estão presentes outras discriminações, perpetradas inclusive por agentes estatais: mulheres negras recebem menos anestesia no parto que as brancas, pela noção errônea de que seus corpos suportam melhor a dor. O tratamento dado às indígenas durante a gravidez e o parto pela Secretaria Especial de Saúde Indígena não respeita as formas culturais de atendimento por parteiras e pajés. Por sua vez, as mulheres LBTQIA+ muitas vezes encontram desconhecimento e práticas de discriminação nos serviços de saúde.
No caso da atenção às mulheres em situação de violência, a principal referência terapêutica será a de bem ouvir seu relato, dando crédito às revelações e agindo de modo respeitoso, sem revitimizá-las ou discriminá-las. A melhor intervenção busca, na narrativa que elas oferecem, pontos de apoios para reconhecer e valorizar sua cultura e seus direitos do ponto vista ético e legal.
Movimentos feministas e de mulheres negras, indígenas e LBTQIA+ têm trabalhado para romper esse silêncio e informá-las para que reconheçam e saibam como agir em casos de agressão. O combate e as garantias fundamentais que estão em jogo dependem de compromissos coletivos e políticas públicas.
Essa luta se confunde com os desafios mais amplos para a cidadania e a democracia. Nunca foi apenas sobre as mulheres —e continua a não ser.
Bruna C. J. Pereira
Pós-doutoranda na Faculdade de Ciência Política e Sociologia da Universidad Complutense de Madrid
Flávia Biroli
Professora do Instituto de Ciência Política da UnB
Ivaneide Bandeira Cardozo
Coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e doutoranda em Geografia na Unir
Lilia Schraiber
Professora da Faculdade de Medicina da USP
* As autoras fazem parte da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas
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