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Lucas Pereira Rezende

Não basta agir como democrata, é preciso falar como um

Espera-se do Brasil diálogo político para apoiar a soberania dos venezuelanos

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Lucas Pereira Rezende

Professor de política internacional do Departamento de Ciência Política da UFMG

A controversa fala do presidente Lula normalizando as eleições venezuelanas abriu mais uma disputa de narrativas na política brasileira. Embora semelhantes, as críticas da oposição e de parte dos apoiadores que aderiram à sua plataforma pela defesa da democracia têm raízes bem distintas.

Para a crítica bolsonarista, nada mudou: apenas requentam o argumento conspiratório de que Lula quer fazer do Brasil uma Venezuela, e sua fala apenas confirmaria isto. O radicalismo político e a mistura de fake news que alimentam essa narrativa são contraditórios porque a alternativa que apresentam é semelhante ao que foi feito por Nicolás Maduro na desconstrução da democracia liberal, ainda que sob outro viés político.

Celso Amorim, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, e o ditador Nicolás Maduro durante encontro em Caracas - Miraflores Palace/Reuters

Maduro e Jair Bolsonaro não são democratas nem estadistas, são exemplos de populistas iliberais que fazem uso das instituições do Estado para seu proveito próprio. Ambos buscaram desacreditar eleições que não lhes foram favoráveis. A diferença é que o venezuelano, há mais tempo no comando, domina todos os Poderes do Estado e mais as Forças Armadas. O brasileiro não logrou o mesmo sucesso —foi retirado do poder pelo principal instrumento da autodeterminação de um povo, o voto.

No Brasil, houve diferenças que contribuíram para a preservação da democracia: a existência de uma Justiça Eleitoral independente; instituições políticas com mecanismos de freios e contrapesos; a presença de uma oposição que sempre aceitou as regras do jogo; a construção de uma coalizão entre antigos rivais para a reconstrução da democracia; e a derrota do radicalismo em eleições elogiadas por instituições sérias de todo o mundo.

Quando Lula se disse assustado com a fala de Maduro de um "banho de sangue" caso perdesse as eleições, parecia adotar um tom coerente com a experiência vivida nas democracias que se recuperam do populismo radical. Sua postura neste caso reforçou o que qualquer governante democrático deve fazer: manter relações entre Estados, independentemente das amizades pessoais.

Bolsonaro fez exatamente o oposto: apoiou sua política externa em relações ideológicas, rompendo com as tradições diplomáticas do Brasil e as reorientando para seu benefício próprio. Por exemplo, as relações com Donald Trump (EUA), Recep Erdogan (Turquia), Viktor Orbán (Hungria), Vladimir Putin (Rússia), Binyamin Netanyahu (Israel) e a família real saudita. Entra também aqui o caminho oposto, como a inédita suspensão das relações diplomáticas com a Venezuela.

O Brasil não deve opinar em assuntos domésticos de outros países, está na nossa Constituição. Por isso foram importantes as decisões tomadas pelo Itamaraty, como a abstenção na OEA (Organização dos estados Americanos) para manter um diálogo com Maduro, e pelo assessor de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, de cobrança das atas de votação. Assim como a concordância do Ministério das Relações Exteriores de atuar como defensor dos interesses da Argentina (cujo presidente, Javier Milei, tem Lula como desafeto pessoal) na manutenção de sua embaixada na Venezuela enquanto perdurar a suspensão das relações bilaterais imposta por Maduro.

Nessa dança misturada de joropo com samba, o bailado do Brasil como fiador de uma estabilidade regional é talvez o mais importante para a solução da crise venezuelana. Precisamos manter relações com a Venezuela, independentemente de quem ocupe seu governo, até mesmo por razões egoístas ao Brasil. Afinal, são reais os reflexos domésticos da continuidade da crise vizinha (econômicos, migratórios, securitários e políticos).

Se governos autoritários são caracterizados por suas imprevisibilidades, espera-se dos democráticos previsibilidade e defesa das instituições. Logo, tão importante quanto manter abertas as portas das relações bilaterais é, via diálogo político, contribuir para uma maior transparência das eleições como forma de apoiar a autodeterminação do povo venezuelano.

Como palavras têm poder, não basta agir como um governante democrata, é preciso também falar como um.

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