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Punições do judô encerram 1 a cada 5 lutas em Paris, mais que em Tóquio

Jogos na França tiveram 19,5% das disputas individuais terminadas por punições; no Japão, foram 8,9%

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São Paulo

Se as quatro medalhas conquistadas pelo Brasil no Judô em Paris comoveram a torcida, as lutas terminadas em punição também. Chamadas de shido, as penalizações custaram ao menos duas medalhas à delegação brasileira, de Rafaela Silva, na categoria até 57 kg, e de Rafael Macedo, até 90 kg.

Rafaela Silva, judoca brasileira que venceu na disputa de equipes mas foi eliminada na individual por punição
Rafaela Silva, judoca brasileira que venceu na disputa de equipes mas foi eliminada na individual por punição - Arlette Bashizi/Reuters

O caso dele chamou mais a atenção. O atleta tomou um shido sem explicação da arbitragem. Em meio à revolta, o judoca Flávio Canto, fundador do Instituto Reação Flávio Canto, dedicado ao esporte, destacou o alto índice de situações do tipo nos Jogos deste ano e questionou se não estariam ocorrendo em excesso.

Não era uma falsa impressão. Nas disputas individuais em Paris, uma a cada cinco lutas terminou após um atleta receber punição –ou três shidos (shido é uma punição regular) ou uma única punição gravíssima.

As delegações com mais judocas desclassificados dessa forma foram Ucrânia e Israel, cada uma com quatro casos. O Brasil teve três.

Dos 420 combates, 75 se resolveram após um atleta receber três punições (37 no feminino, 38 no masculino) e sete após a punição mais grave (três no feminino, quatro no masculino).

É mais que o dobro de Tóquio: em 2020, 8,9% das 434 lutas do individual tiveram desfecho por punição. Nestes 39 casos, todos foram por conta de três shidos.

A eliminação por três shidos ou uma gravíssima resulta de uma série de mudanças nas regras do judô ocorridas na década passada, visando dinamizar o esporte, estimular a busca pelo golpe perfeito, o ippon, e promover a segurança dos atletas ao barrar técnicas com riscos graves de lesão.

Tóquio foi a primeira edição das Olimpíadas em que a eliminação após três punições passou a valer.

As punições regulares podem ser: falta de combatividade, empurrar o oponente para fora da área de luta, atacar com os braços abaixo da linha da faixa ou fazer um encaixe de pernas sem promover um ataque de imediato. Três shidos equivalem a um hansoku-make, a punição mais grave.

Há ações que configuram uma infração grave imediata: usar a própria cabeça como apoio para projetar o oponente ou para se defender de uma projeção, por exemplo.

Os efeitos das mudanças dessas regras estão longe de ser um consenso. Nos Jogos deste ano, não faltaram situações em que os atletas ficaram inconformados com a desclassificação.

A disputa da medalha de ouro na categoria até 100 kg foi resolvida após o georgiano Ilia Sulamanidze tomar duas punições a 15 segundos do final do combate –somadas a que já tinha, foi desclassificado.

No feminino, o terceiro shido desviou a trajetória impressionante da sueca Tara Babulfath, de 18 anos, da disputa do ouro na categoria até 48 kg. Com a aplicação da punição derradeira na semifinal, ela se dirigiu ao árbitro perguntando indignada "por quê"?

A Federação Internacional de Judô (IJF) se manifestou sobre questionamentos à arbitragem nos jogos feitos pela mídia italiana e pela federação do país em relação a dois de seus atletas. A lutadora Odette Giufridda perdeu duas lutas por ter recebido o terceiro shido: a semifinal e a posterior disputa pela medalha de bronze na categoria até 52 kg, quando foi derrotada pela brasileira Larissa Pimenta. No masculino, Manuel Lombardo caiu nas quartas de final com a terceira punição diante do kosovar Akil Gjakova.

A IJF rechaça as acusações de manipulação, afirma que as declarações da Federação italiana publicadas na imprensa não tem base na realidade e defende a lisura da comissão de arbitragem. Afirma ainda que não recebeu pedidos oficiais de revisão das disputas questionadas pelos italianos.

Há combates em que a justificativa para uma punição é descrita apenas como indeterminada. É o caso daquela que eliminou Rafael Macedo na disputa pela medalha de bronze na categoria até 90 kg.

Após as eliminações de Rafael e Rafaela, o incômodo da delegação brasileira com a arbitragem ficou latente. Nas entrelinhas, atletas deixaram isso claro quando celebravam o bronze por equipe, no sábado (3).

Em entrevista à Cazé TV após a conquista do bronze, os judocas brasileiros reclamaram de um waza-ari não concedido a Ketleyn Quadros na luta contra a italiana que viria a derrotá-la: "Tentaram tirar mais uma [medalha]", brincaram Leonardo Gonçalves e William Lima.

Gonçalves também se queixou da confusão que as novas regras têm provocado, após ser derrotado na luta de estreia contra Dzhafar Kostoev, dos Emirados Árabes. O brasileiro aplicou um golpe no oponente durante o golden score e poderia ter vencido o combate, mas a arbitragem revisou o lance e avaliou que Kostoev aplicou um contra-ataque que lhe deu o ponto da vitória.

Outros judocas veteranos do Brasil também se manifestaram sobre os efeitos provocados pelas mudanças na modalidade. À Folha o medalhista em Atlanta-1996 Henrique Guimarães comentou que apesar das regras e punições visarem a proteção dos atletas, as lutas têm se orientado para levar o adversário a ser punido, tornando o esporte chato.

A Federação Internacional de Judô (IJF) se manifestou sobre questionamentos à arbitragem nos Jogos feitos pela mídia italiana e pela federação do país em relação a dois de seus atletas.

A lutadora Odette Giufridda perdeu dois combates por ter recebido o terceiro shido: a semifinal e a posterior disputa pela medalha de bronze na categoria até 52 kg, quando foi derrotada pela brasileira Larissa Pimenta. No masculino, Manuel Lombardo caiu nas quartas de final com a terceira punição diante do kosovar Akil Gjakova.

A IJF defendeu a lisura da comissão de arbitragem. Afirmou ainda que não recebeu pedidos oficiais de revisão das disputas questionadas pelos italianos.

Flávio Canto diz que "ninguém está feliz com a atual situação". Para o judoca, a proporção de lutas encerradas por punições é altíssima. "Vai contra o que a gente quer ver. A gente quer ver queda, finalização, imobilização. E eu acho que as punições têm que ser muito mais cautelosas."

Ele sugere que "talvez em vez de três punições para você ser desclassificado, [melhor seja] quatro, talvez até cinco. Alguma coisa que defina que você realmente está fugindo demais da luta".

Na avaliação dele, a arbitragem neste ano passou a punir muito rápido, em especial no início dos combates. "Acho que isso atrapalhou muito. A gente tem muitas lutas com menos de dois minutos, já com os atletas com duas punições". Para eles, essas regras prejudicam a construção das técnicas em luta, que exigem tempo.

Em todo final de Olimpíadas há uma revisão das regras da modalidade feita pela Federação Internacional de Judô, e o horizonte indica que algo deve mudar, aponta o judoca.

"A gente sabe que vão mudar porque tem muita gente reclamando. Até o Japão está reclamando bastante, porque muitas regras, em teoria, poderiam ter sido favoráveis para eles. Por exemplo: a exclusão do ataque dos golpes atacando as pernas, que você segura as pernas para derrubar, que é clássico da escola soviética." Esta é uma regra que mudou em 2011-2012, mas que Canto faz votos para que seja revogada.

E não é só no tatame que as mudanças de regras têm causado conflito. Até o trabalho como comentarista se torna uma luta, diz ele, que participa das transmissões na Cazé TV. "Sofri muito, porque muitas vezes a gente não sabia direito porque que o juiz tinha interrompido a luta."

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