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Podcast apresenta disputa política pelas redes sociais no ano eleitoral

Cabo Eleitoral é uma parceria da Folha com o InternetLab e estreia nesta quarta-feira (30)

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São Paulo

O Telegram está no centro das atenções da Justiça. O aplicativo que é refúgio da extrema-direita quase foi bloqueado. Neste ano de eleição, autoridades tentam evitar ser surpreendidas pelo uso descontrolado de uma rede social, como foi com o WhatsApp em 2018.

A dinâmica das redes sociais muda rápido, e a próxima disputa nas urnas tem territórios digitais bem diferentes dos mapeados em 2018.

Neste novo cenário, de que forma as militâncias e as campanhas políticas tentam conquistar os eleitores? Como está a engrenagem de conspirações na internet? A Justiça e as redes sociais estão preparadas para o pleito? Afinal, como será a campanha eleitoral na internet em 2022?

Estreia nesta quarta-feira (30) o podcast Cabo Eleitoral, uma parceria entre a Folha e o InternetLab, centro de pesquisas de direito e tecnologia, de olho na eleição deste ano.

Ouça o primeiro episódio:

Em seis episódios, publicados nas principais plataformas sempre às quartas, às 7h, o programa investiga como as campanhas se apropriam das redes sociais para difundir propaganda política e explica as novas regras do jogo eleitoral.

Quem conduz o podcast é a jornalista Paula Soprana, repórter na Folha desde 2018. Há seis anos na cobertura de tecnologia, ela passou pela editoria de economia da revista Época e do jornal O Globo e foi comentarista na rádio CBN. Em 2017, participou do programa de jornalismo digital do ICFJ (International Center for Journalists) nos Estados Unidos. O podcast tem edição de som de Luan Alencar e coordenação de Magê Flores.

O primeiro episódio apresenta um panorama da comunicação política digital nos últimos anos, com destaque para a ascensão do bolsonarismo nas redes sociais.

O programa descreve a rotina de um grupo cristão criado por militares no Telegram e relata o impacto da ordem de bloqueio ao aplicativo dada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

O episódio ouve os especialistas: Camilo Aggio, que pesquisa comunicação de campanhas políticas na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); Nina Santos, especialista em comunicação em plataformas digitais, da UFBA (Universidade Federal da Bahia); Leonardo Nascimento, também da UFBA, pesquisador de desinformação em grupos de Telegram; Patrícia Campos Mello, repórter da Folha e autora de "A Máquina do Ódio"; Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do InternetLab, e André Giacchetta, advogado do escritório Pinheiro Neto.

Nesta quarta, às 20h30, Paula Soprana, Francisco Brito Cruz e Nina Santos participam de uma conversa no Spaces, do Twitter, para responder dúvidas do público sobre internet e eleições e contar mais sobre o projeto. A moderação será de Ian Alves.

Cabo eleitoral estreia no dia 30; podcast aborda intersecção entre internet e política de olho em 2022 - Núcleo de Imagem

Conheça o Cabo Eleitoral:

O Cabo Eleitoral passa a integrar o catálogo de programas em áudio coordenados pela editoria de Podcasts da Folha, que reúne produtos como o Café da Manhã, podcast diário de notícias em parceria com Spotify; Expresso Ilustrada, sobre cultura; Ilustríssima Conversa, de entrevistas com autores de não ficção; e Boletim Folha, com o resumo do noticiário em duas edições diárias. A lista tem hoje mais de 15 programas.


Confira abaixo a transcrição do primeiro episódio:

Passo a palavra

"Eu passo a palavra e a mesa para a senhora. Boa noite, passo a palavra."

Um culto.

"Convido a estarem aqui na próxima quinta-feira conosco participando desse jejum."

"O intuito principal desse jejum, desse dia de oração, é pelo nosso país."

"Passo a palavra, agradeço."

"Obrigada, capitão Sena, por essa palavra abençoada."

Mais ou menos 30 pessoas estão reunidas ali, numa noite de quinta-feira.

"Vamos ter esta semana dois dias de jejum vamos ter a quinta-feira, dia 17, e o domingo, dia 27, pelo nosso país, pelo nosso presidente, porque o presidente precisa tomar algumas medidas e ele precisa da orientação de Deus para tomá-las."

"Boa tarde a todos os queridos que estão aqui, o Coronel Lins, que vai trazer a palavra, é coronel da Polícia Militar e ele está conosco desde o início. Porque ninguém hoje tem mais dúvida de que o B38 foi levantado por Jesus."

B38 é a sigla para Bolsonaro trigésimo oitavo presidente do Brasil.

"Irmã Maura, pode cantar uma música agora, um hino."

"Amém. Vamos, sim."

"Se não fosse ele ora diga Israel, se não fosse ele eu perdia o meu céu…"

Tudo isso aconteceu num aplicativo de mensagens: o Telegram.

Bom, agora quem pede a palavra sou eu. E começo me apresentando. Eu sou a Paula Soprana, repórter da Folha, e cubro tecnologia há seis anos.

O que você ouviu foi gravado antes da tormenta envolvendo o bloqueio do Telegram.

Essa tormenta aqui: "O ministro Alexandre de Moraes ordenou hoje a suspensão do Telegram hoje em todo o Brasil".

Há algum tempo, eu tenho acompanhado grupos como o B38 para entender melhor o que acontece no aplicativo mais visado pelas autoridades brasileiras no momento.

Hoje, vou te contar como os movimentos nas redes sociais podem impactar processos eleitorais. Como foi em 2018 e como deve ser neste ano.

Este é o podcast Cabo Eleitoral, uma parceria da Folha com o centro de pesquisa Internet Lab.

Em seis episódios a gente vai explicar de que forma acontece a intersecção entre política e internet e como a propaganda eleitoral se apropria das redes sociais e vice-versa.

Se existe um aplicativo que lembra uma praça pública é o Telegram. E o B38 é um grande templo, com mais de 60 mil fiéis.

O grupo foi criado por militares da reserva no Recife para apoiar a campanha de Bolsonaro por lá em 2018. Hoje, esse movimento tem representantes em todo o Brasil.

Quase todas as noites, uma pequena parcela dessa multidão se reúne numa sala de bate-papo em áudio.

Se não fosse tão organizado poderia até parecer um papo entre vizinhos. Para falar, é preciso pedir a palavra antes. E depois, passar a vez pro próximo.

Acompanhando diariamente grupos como o B38 e conversando com gente que pesquisa a comunicação da direita na política, percebi que, de tempos em tempos, alguma bandeira ganha protagonismo nas conversas.

Ultimamente se fala muito em voto impresso. Ou auditável…

"Urna só dá para considerar se tiver contagem pública dos votos. Para ter contagem pública dos votos, tem que ter voto para contar. Lá na urna não tem. A gente sabe que tem um sistema implantado lá dentro que você digita do lado de cá mas não sabe o que vai sair lá dentro da urna para registrar."

O voto impresso e a contagem pública são defendidos por Bolsonaro mesmo antes da eleição de 2018. Agora, os apoiadores dele batem nessa tecla incessantemente. Pode ser uma forma de tirar a atenção de uma outra coisa:

"O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva aparece liderando com 43% das intenções de voto. Jair Bolsonaro tem 26%, Sergio Moro, 8%, tecnicamente empatado com Ciro Gomes, que tem 6%."

O B38 tem uma diferença em relação a grande parte dos grupos de direita do Telegram: conta com uma (ou algumas) caras. Os administradores são conhecidos pelo nome e dão as regras do jogo. Eles têm site, representantes estaduais, manifestos públicos. Lá, a militância é muito organizada:

"Mas agora vou pedir a sua ajuda, nós estamos com 61.384 membros. Temos aqui na sala 313 pessoas. Se cada um de vocês mandar para cem contatos, vamos aumentar em 31 mil membros nosso querido grupo B38. Quando chegarmos a 80 mil pessoas, vou convidar o general Heleno para prestigiar você, o seu esforço, o seu trabalho. E quando chegarmos a 100 mil membros aqui no grupo, eu vou convidar o presidente da República."

O Coronel da Aeronáutica Marcos Koury, que você ouviu agora, é um dos idealizadores do grupo.

"Então me ajude porque não somos a Rede Globo, dependemos uns dos outros. É um trabalho de pirâmide. Eu peço e vocês saem espalhando. Tudo de graça, inclusive essa palestra maravilhosa, é um esforço que o B38 faz. Me ajude a salvar vidas."

Ele fala isso depois de uma palestra da médica Maria Emilia Serra, que critica a vacinação de crianças contra a Covid-19.

Foram mais de 40 minutos de ataque à vacina, aos laboratórios responsáveis por ela, aos procedimentos da Anvisa e da Organização Mundial da Saúde.

"Se fui enganado, levado, induzido, e, vejam, vários discursos das autoridades no Brasil, no mundo dizem ‘mas as pessoas se vacinaram voluntariamente’... Se essas pessoas que foram entre aspas se vacinar voluntariamente soubessem, tivessem tido acesso ao conhecimento dos riscos que elas estariam correndo, eu duvido que nem 10% teriam ido."

Quando terminou a palestra, a orientação do coronel era para que o conteúdo fosse repassado para o máximo de pessoas possível, em grupos de outras redes sociais.

As informações que circulam no Telegram vêm de fontes diversas: de conversas como essa, de vídeos do YouTube, do Twitter, do Facebook, de sites de apoio ao governo e até de fontes oficiais.

Há pouco mais de 10 dias, quando veio a ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes para bloquear o aplicativo, o clima no templo B38 ficou assim:

"Pessoal que é de TI eu estou pedindo, eu estou rogando. Pessoal que é de TI e que é o responsável pela segurança do grupo, alguém se manifeste com relação aqueles leaks que foram passados dos proxys, é questão de segurança."

"Eu sou da área de TI, tinha colocado um link, não sei se o pessoal chegou a ver. Eu e mais um amigo configuramos dois servidores fora dos Estados Unidos para justamente burlar esse bloqueio."

"Pessoal, vão para outras mídias socias. O Voip está sendo divulgado, ele é muito bom. Vão para a rede social Pátriabook, pelo amor de Deus, é 100% brasileira... Também o Pátria Vídeo, o PátriaZap, é do Brasil."

"A gente pode fazer live no Twitter, atrai muita gente também"

"A gente teve uma orientação de baixar o iMe, não sei se já estão cientes. É como se fosse um backup do próprio Telegram e funciona com a mesma interface, a mesma carinha, inclusive o chat."

A notícia em si não causou muita surpresa. Eles estavam mais ou menos preparados: já faz um tempo que circulam pela rede tutoriais para contornar bloqueios, acessando o aplicativo por VPN, ou seja, omitindo o endereço do computador, ou por proxy, que é um servidor que tá em outro país e funciona como uma ponte entre o usuário e a internet.

No meio desse turbilhão, eu liguei pro coronel. O B38 diz não aceitar dinheiro de ninguém e por isso, precisa estar em lugar gratuito. Com o Telegram sob ameaça, como o movimento político ia seguir?

"Nós temos a estrutura do WhatsApp, já mandei abrir a Gettr e já temos uma plataforma. Já estamos migrando para lá aos poucos… Quem tem um não tem nenhum. Lembre-se de que nós somos militares, ainda vários da cúpula. Então nós somos muito planejados. Militar não fala muito, é muito planejado. Então coordenação e controle é fundamental"

E o acesso a esse conteúdo, tão planejado e coordenado, é livre. O coronel diz que o grupo não tem nada a esconder.

"Não tem como você bloquear milhões segundo o argumento do ministro Alexandre de Moraes, de que existe lavagem de dinheiro e ações criminosas. Isso é uma mordaça."

Não foi só ele quem achou a medida extrema. Vários advogados e especialistas entenderam a ação como drástica, apesar de reconhecerem que o Telegram abusou da paciência da Justiça.

"Parece então que a decisão busca atingir não somente o próprio aplicativo."

Esse é André Giacchetta, advogado do escritório Pinheiro Neto.

"Há ordem direcionada a lojas on-line, onde o aplicativo pode ser disponibilizado, também ordens para que as empresas que proveem a infraestrutura de internet não permitam o acesso do Telegram ao Brasil. Mas ao final a ordem também se dirige a todo e qualquer cidadão brasileiro ou empresa brasileira, que, caso se utilize do aplicativo Telegram, haverá multa fixada no valor de R$ 100 mil. Não parece ser esse o caminho que o Brasil deva seguir no que diz respeito aos direitos e obrigações no âmbito da internet."

O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral tentavam contato com a empresa há meses. Até uma carta para Dubai, onde fica a sede do Telegram, fez parte dessa tentativa.

A empresa não tinha um representante legal no Brasil, a não ser um escritório que respondia por questões de propriedade intelectual.

Foi só quando o ministro Alexandre de Moraes ameaçou suspender o aplicativo de vez que o presidente do Telegram respondeu. Pavel Durov disse que as mensagens foram enviadas para um email antigo.

Nas horas seguintes, a empresa tomou todas as providências pedidas pela corte.

O Telegram disse que 95% do conteúdo do aplicativo no Brasil vem de apenas cem canais e que vai passar a monitorá-los. Nomeou um advogado para responder a demandas legais. Passou a analisar o que outras empresas de tecnologia estão fazendo para combater a desinformação. E disse que vai trabalhar com agências de checagens de fato.

"O ministro da STF Alexandre de Moraes revogou neste domingo a ordem de bloqueio ao aplicativo Telegram. A revogação ocorre após determinações da corte que estavam pendentes."

O Telegram está hoje instalado em 60% dos smartphones no Brasil. Em 2018, o aplicativo era usado por só 15% da população, segundo uma pesquisa do Mobile Time.

"Em 2018 você tinha alguns grupos, poucos, de apoio, mas com uma movimentação muito grande de mensagens."

Esse é Leonardo Nascimento, professor da Universidade Federal da Bahia. Ele faz parte de um projeto que pesquisa desinformação em grupos de Telegram da extrema direita.

"O Telegram era uma plataforma pouco mencionada ou não havia tanto interesse em relação a ela. De 2021 para cá, sobretudo ali naqueles naqueles dias de criação do canal do atual presidente do Brasil, ouve um m aumento exponencial de grupos e canais."

Bolsonaro lançou um canal de transmissão no Telegram em janeiro do ano passado. E não foi por acaso: foi um dia depois de o Twitter banir o ex-presidente americano Donald Trump permanentemente da plataforma.

"E uma informação que vem dos Estados Unidos: agora há pouco a rede social informou que a conta do presidente Donald Trump será suspensa de forma permanente. A empresa alega que há risco de novas publicações que incitem a violência."

Não foi só o Twitter: o Facebook e o Instagram já tinham bloqueado o republicano.

As redes sociais tomaram essa medida depois que os apoiadores de Trump invadiram o Capitólio.

Antes desse ato, em janeiro, movimentos como o "Stop the Steal", que na tradução significa Pare com o Roubo, movimentavam ruas e redes sociais, alegando fraude eleitoral. Uma ideia endossada publicamente pelo ex-presidente americano.

"Stop the steal, stop the steal, stop the steal..."

O Trump foi bloqueado das redes por ter incitado à violência. E por muito tempo, ele insistiu, sem provas, que a eleição americana era uma fraude.

O que aconteceu nos Estados Unidos está completamente ligado com o que tem acontecido no Brasil.

A direita radical tem saído em uma espécie de diáspora em busca de novos territórios na internet.

Esse fenômeno está atrelado ao que os estudiosos chamam de desplataformização: o ato de tirar as pessoas das redes sociais, bani-las; muitas vezes, figuras políticas.

E a gente pode assistir isso bem de perto, principalmente na pandemia:

"Facebook e Instagram excluíram a live do presidente Jair Bolsonaro na última quinta-feira. Por que a decisão? Porque nessa transmissão o presidente associa a vacinação contra a Covid-19 ao desenvolvimento do vírus da Aids."

"Muitos líderes de extrema direita que durante a pandemia tinham manifestado notícias falsas abertamente tiveram o conteúdo nessas plataformas principais, como YouTube como Twitter, removidos. Isso ocorreu com muitos líderes ao longo de muitas plataformas."

No Telegram da eleição de 2022 participa até quem não domina o uso do aplicativo.

"Senhor Antônio, o senhor poderia desligar seu microfone por gentileza? É só dar um clique! aí fica azul e fica desligado."

Esse lugar, com 500 milhões de usuários no mundo, é onde a Justiça brasileira mira. Nesse lugar quase não tem assunto proibido.

Se você nunca entrou no aplicativo, imagine o Telegram como um híbrido de rede social –tipo o Facebook– com ferramenta de conversa –como o WhatsApp, Messenger ou o velho ICQ.

Celebridades, veículos de imprensa e grupos dos mais diversos interesses criam canais de transmissão para divulgar seus conteúdos. Também existem os grupos de conversa, que podem ter só duas ou centenas de milhares de pessoas.

Ah, um ponto muito importante é que os termos de uso costumam ser mais brandos do que o de outras redes.

As principais mídias sociais, Facebook, Instagram, TikTok, Twitter, WhatsApp, YouTube, se reuniram em fevereiro com o então presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, para firmar um tratado.

As empresas e a corte eleitoral convergem em um ponto: as conspirações sobre a segurança das urnas eletrônicas precisam ser combatidas. O Telegram se uniu ao grupo na semana passada.

Apesar da disposição para combater notícias falsas, a gente vai precisar ver como as empresas vão aplicar as políticas delas e o quanto vão investir, por exemplo, em inteligência artificial no português do Brasil para detectar padrões considerados danosos.

As empresas de tecnologia costumam atuar de forma reativa, dependendo bastante da pressão pública.

Mas para entender por que tanta preocupação com o Telegram, a gente tem que falar de WhatsApp.

E para falar de WhatsApp, é preciso voltar para eleição presidencial de 2018.

Quando Jair Bolsonaro foi eleito, 70% dos brasileiros eram usuários de internet, ou seja, acessaram a rede pelo menos uma vez em três meses.

Para milhões de brasileiros, internet é sinônimo de WhatsApp. Eu explico:

A conexão de 85% da população mais pobre é feita só pelo celular. E segundo um levantamento do Instituto Locomotiva, esse acesso costuma se dar por planos pré-pagos, em que a internet móvel dura cerca de 20 dias.

Nos 10 dias que sobram, as operadoras liberam alguns aplicativos para não cortar totalmente a internet das pessoas. O WhatsApp é um deles.

E aí, para grande parte da população, tudo é consumido por lá, inclusive notícia.

Uma sacada da campanha de Bolsonaro foi usar esse aplicativo instalado em quase todos os celulares no Brasil para difundir propaganda. Nem impulsionamento de anúncio no Facebook eles pagaram em 2018.

Só para você ter uma ideia, a campanha de Guilherme Boulos, do PSOL, investiu mais de R$ 150 mil em anúncios no Facebook. Henrique Meirelles, do MDB, pagou R$ 400 mil ao Google.

O WhatsApp acabou virando um vetor de todo tipo de conteúdo político: santinho digital, textão, proposta de governo –e, claro, fake news. Isso enquanto o olhar das autoridades estava voltado para outro lado

"Procuradores anunciaram que vão abrir uma investigação para saber se dados pessoais de milhões de usuários brasileiros do Facebook também foram usados pela Cambridge Analytica. A empresa britânica de análise de dados foi acusada de ter obtido sem consentimento informações de 50 milhões de usuários para elaborar um programa que permite prever a votação dos eleitores com o qual influenciou a eleição presidencial de Donald Trump em 2016. Zuckerberg disse que poderá até mesmo ir ao Congresso brasileiro se for chamado para testemunhar e ajudar."

O mundo ainda processava as consequências daquele caso envolvendo o Facebook, mas no Brasil, quem ia dar dor de cabeça era o WhatsApp, que pertence à mesma companhia.

A campanha digital que ajudou a eleger Bolsonaro tinha estratégias para viralização sistemática de conteúdos. Ela pegou adversários e analistas de surpresa –que acreditavam que o jogo ia virar depois que a propaganda eleitoral na TV começasse.

Existia uma estrutura central de grupos responsável pelo conteúdo que seria distribuído até alcançar grupos periféricos, como o da minha família e o da sua.Talvez tenha chegado até você histórias absurdas como essa aqui:

"Essa aqui é a mamadeira distribuída na creche para o seu filho com a desculpa de combater homofobia. O PT e o Haddad pregam isso para o seu filho, seu filho de cinco, seis anos."

Essa é uma das fake news mais clássicas de 2018, praticamente um objeto de estudo eleitoral: a mamadeira de piroca.

O que a gente aprendeu é que por mais surreal que uma informação possa parecer, quando ela chega por um conhecido, isso é mais importante que o conteúdo em si.

Por que duvidar de algo que chega de um amigo confiável?

Um estudo publicado na revista científica da Universidade Metodista de São Paulo analisou 90 grupos de WhatsApp na época da eleição de 2018 para entender como se dá o processo de viralização.

Uma das conclusões é que os grupos periféricos, que não são dedicados a falar sobre política mas eventualmente repassam conteúdos sobre o tema, são muito mais numerosos na cadeia de viralização.

Isso significa que quando uma fake news chega no grupo da família já está longe da central de disseminação, é como a última ponta do processo. É o destino final.

Uma outra pesquisa do Internet Lab sobre as eleições municipais de 2020 mostrou que só 18% das pessoas integravam algum grupo de discussão política.

Para 70% dos entrevistados, são os grupos fraternais que influenciam a escolha de um candidato.

Mas voltando para eleição de 2018: em outubro, uma investigação da repórter da Folha Patrícia Campos Mello mostrou que agências de marketing digital vendiam um esquema de disparo de mensagens políticas para públicos segmentados.

Os disparos em massa usavam o WhatsApp para disseminar spam político.

Bolsonaro não foi eleito por causa do WhatsApp, nem das redes sociais. Mas a teia digital formada em torno dele se estendeu muito mais do que a dos adversários. E essa teia segue ativa em 2022.

"Olá prezados integrantes de grupos de WhatsApp e Telegram de todo o Brasil, Jair Bolsonaro. Eu quero cumprimentá-los pela maneira como vocês fazem política. Pela consciência patriótica que vocês têm de que o futuro está em nossas mãos. E a verdade para nós, acima de tudo, tá ok? Tamo junto, pessoal, e Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. Valeu, até um dia, se Deus quiser."

A ascensão do bolsonarismo digital não está descolada de transformações globais da comunicação política, que incluíram a internet numa lista de mídia que até então tava restrita a TV, rádio e jornal.

A gente pode lembrar das passeatas de junho de 2013, que começaram pedindo a redução da tarifa do transporte público, e também das manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2015, que são marcos da política feita pelas redes no Brasil.

"Antes de tudo a gente precisa deixar bem claro que o nosso discurso não pediu aquilo que o governo disse que a gente pediu no dia 15. Ninguém tava aqui pra pedir uma reforma política petista."

Esse é Kim Kataguiri, fundador do Movimento Brasil Livre e hoje deputado federal pelo Podemos, dando uma entrevista na avenida Paulista em 2015.

"A gente tava aqui justamente para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff porque o Partido dos Trabalhadores já intentou uma vez contra a República no caso do Mensalão."

É difícil dissociar a figura política de Kataguiri das redes sociais. Ele teria construído um caminho político sem elas?

A direita entendeu que havia uma nova forma de fazer ativismo. Enquanto movimentos como o MBL dominavam o Facebook, o YouTube e articulavam pedidos de impeachment, a esquerda desdenhava a internet.

Quem lembra desse momento é o Camilo Aggio, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais. Ele estuda comunicação das campanhas políticas desde 2008.

"Para mim não tem ilustração melhor disso do que o caso da Dilma Rousseff em 2014. Ela vence aquela disputa acirrada com Aécio Neves utilizando o Twitter em campanha. Assim que ela é eleita, faz um tuíte dizendo: 'gente, isso é extremamente importante para nos comunicarmos diretamente e será utilizado ao longo desse nosso segundo mandato'. Sumiu. Sumiu. A Dilma aparece de novo apenas quando a popularidade dela vai chegando perto do rodapé, quando começa a ruir completamente o seu governo."

Ou seja, quando Dilma não tinha mais força, ela decidiu recorrer à internet.

[Dilma Rousseff]: "Primeiro eu queria cumprimentar os internautas. Oi, internautas." [Dilma Rousseff]

Não dá para saber se tuitar teria ajudado a situação dela. Mas naquele momento, as plataformas já tinham se configurado como um novo campo de batalha política.

Nessa mesma arena, alguns fenômenos ganharam nome rapidamente. A desinformação e as fake news, hoje tão populares, viraram arma de um lado e de outro, a depender do interesse.

"Uma semana nessa merda! Calma? Como é que eu vou ganhar essa eleição? Diz para mim, Eduardo? Como é que eu vou ganhar a eleição?"

Esse áudio, atribuído a Bolsonaro, circulou muito. Nele, o então candidato supostamente falava da cama de um hospital. A agência Aos Fatos comprovou que era tudo falso. Ele chegou a ser atribuído ao humorista Marcelo Adnet, o que também é mentira.

Uma das principais conspirações disseminadas pela esquerda foi a da "fakeada", a teoria de que o ataque contra o então candidato seria uma farsa.

No cenário de desinformação que vinha se desenhando, uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi aberta para investigar a difusão de notícias falsas no processo eleitoral e os ataques a instituições democráticas.

Hoje, o Congresso também debate um projeto de lei pra pressionar as plataformas a fazer mais contra a desinformação.

O Camilo de novo:

"Gosto de fazer uma provocação, porque em geral a gente tomou como valor de face uma correlação entre a circulação de fake news em 2018 e o seu suposto impacto. Quais são os impactos das fake news? Eu acho que tem um que é muito claro: uma poluição da esfera pública, ela pode gerar desnorteio, confusão, uma certa apatia. Portanto fazer com que as pessoas se saturem em relação a informações, o que produz uma hiperdesconfiança em relação às fontes das informações que elas vêm.

Acho que é sempre importante salientar que elas funcionam muito mais como um mecanismo de ativação do sistema de crenças e valores das pessoas e das suas convicções. Bolsonaro foi eleito por conta dos eleitores que foram enganados pelas fake news? Tenho tenho muitas dúvidas e tendo achar que não. Tendo achar que essas fake news funcionam muito mais como um elemento que faz um encaixe entre as convicções daquelas pessoas.

Por exemplo, se a gente pega uma mamadeira que tem um bico em forma de pênis, que supostamente teria sido distribuído nas escolas por meio da gestão petista de Haddad, o que importa é a ativação de que há uma preocupação, portanto com uma suposta educação sexual que seria conduzida nas escolas públicas. A ideia da ideologia de gênero. A ideia da aceitação, portanto, de que a homossexualidade é algo natural e que por ventura algum parente, filho ou filha pode ser homossexual."

Nessa lógica, o difusor das fake news, ou podemos chamar apenas de mentiroso, conta uma história falsa para chamar a atenção sobre determinado assunto, em especial algum que cause fobia no grupo que ele quer cooptar.

Enquanto a mídia tradicional, as autoridades, os especialistas correm para desmentir a história, o assunto já está em todos os lugares, e o mentiroso tem a plateia pronta pra dizer o que defende sobre o assunto.

De 2018 pra cá, a gente entendeu bastante coisa sobre o funcionamento das redes e dos padrões de desinformação. Claro, para algumas perguntas a gente não tem resposta.

"Notícias falsas não são novidade, o que há de novidade nesse pleito eleitoral é a velocidade da circulação e da difusão dessas notícias, que de fato são deletérias e que de fato estão a atentar, na nossa visão, contra a credibilidade do nosso sistema eleitoral. Agora, se tiverem a solução para que se evite ou se coíbam fake news, por favor nos apresentem, nós ainda não descobrimos o milagre."

Essa é a ministra Rosa Weber em 2018, quando era presidente do TSE. Ela já disse que assegurar a credibilidade da urna eletrônica foi um dos maiores desafios da última eleição.

"Há gabinete de ódio. E essa alcunha não foi dada nos inquéritos, por opositores políticos. Foi um ministro de estado que disse: aqui do lado é o gabinete do ódio só ficam produzindo. Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado e as pessoas irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no Brasil."

Aqui você ouviu o ministro Alexandre de Moraes, durante um julgamento no TSE. É ele quem vai presidir o tribunal a partir de agosto: a dois meses do brasileiro ir às urnas. A expectativa é de um mandato duro, de enfrentamento. E essa ideia foi reforçada pela decisão envolvendo o Telegram.

A postura do tribunal mudou se compararmos as eleições de 2018 com as de 2020. As plataformas foram trazidas mais para perto.

E quando a gente olha para o pleito deste ano, vê um contexto jurídicodiferente. As regras do jogo estão muito mais definidas. O Francisco Brito Cruz, que é diretor-executivo do InternetLab, destacou para mim os pontos principais.

"Em primeiro lugar, teve mudança na lei, não é muito grande mas é uma mudança importante: a criação de um crime novo, o crime da violência política que coíbe, por exemplo, quando há assédio, constrangimento ou humilhação de mulheres ou de pessoas negras que dificulte ou impeça a campanha eleitoral.

Para além disso, o TSE teve algumas inovações. O que mudou foi que já em 2019 os disparos em massa foram proibidos… Então os disparos em massa, por exemplo, no WhatsApp ou em aplicativos de mensagem, passaram a ser proibidos pelo tribunal, e em 2021 isso ficou um pouco mais claro. O TSE também nas suas resoluções colocou outras regras importantes, como por exemplo, regras de proteção de dados.

Em 2021, o TSE deixou mais claro em sua resolução que é proibido o publipost. Você não pode pagar pra um influenciador do outro para qualquer perfil em rede social falar bem de um candidato fazer propaganda de um candidato."

Além de deixar claros os limites da lei, o Judiciário tem dado recados importantes. Por exemplo, quem fizer disparo em massa em 2022 pode ter a chapa cassada.

Um caso relevante e que deixa as candidaturas atentas neste ano é o do deputado estadual Fernando Francischini, do PSL

A chapa dele foi cassada porque ele fez uma live no Facebook afirmando que as urnas eletrônicas estavam fraudadas para impedir a eleição de Bolsonaro. Aqui, o Luis Roberto Barroso de novo:

"Se nós passarmos pano na possibilidade de um agente público representativo ir às mídias sociais dizer que o modelo é fraudado e o candidato está sendo derrotado por manipulação na Justiça eleitoral e ficar por isso mesmo, o sistema perde a credibilidade."

Para as mídias sociais, o cerco se fechou, mas isso não resolveu a questão.

"De forma geral, os compromissos, ou seja, as políticas que elas prometem cumprir são muito menos ambiciosas e abrangentes no Brasil do que nos Estados Unidos."

Essa é a minha colega na Folha Patrícia Campos Mello.

"Muitas das coisas são simplesmente traduções. Você tem traduções até literais. Por exemplo, o TikTok, que é uma empresa chinesa. Eles adotaram uma série de regras para a eleição presidencial americana. Uma delas era que você não pode espalhar a informação, dizendo de forma mentirosa, que tem problemas na votação pelo correio. Isso tem para o Brasil,sendo que no Brasil não existe votação pelo correio."

Patrícia é autora de "A Máquina do Ódio", livro em que relata a investigação sobre os disparos em massa em 2018 e também os ataques contra ela depois da eleição.

"Grande parte da população americana tem certeza que a eleição foi roubada, embora isso seja mentiroso. Por que? Porque ficou uma coisa absolutamente fora do controle. A tal da "The Big Lie", a grande mentira, que era a narrativa de que a eleição foi roubada e que portanto o atual presidente Joe Biden não é um presidente legítimo. E no Brasil? como é que a gente vai evitar que a gente tenha a nossa grande mentira? Porque temos um caso parecido: um presidente que já está preventivamente questionando os resultados da eleição, dizendo que tem uma grande chance de haver fraude. Como é que as plataformas de internet vão se preparar para isso? Como é que as autoridades estão se preparando para isso?"

Os últimos anos deixaram evidente que precisa debater novas regras que deem conta de toda mudança que a internet trouxe pra nossa dinâmica.

As principais leis que regulam a propaganda eleitoral são de 1965 e 1997, quando a gente não tinha nem smartphone. A campanha era feita no comício, no boca a boca de rua, no rádio, na televisão. Mesmo com reformas, muito dessa estrutura ainda permanece.

E se as redes sociais e os aplicativos de mensagem tiveram essa dimensão em 2018, eu me pergunto qual vai ser o papel da TV na propaganda eleitoral daqui para frente, diante do consumo de streaming e das novas plataformas de vídeo.

Em 2018, Bolsonaro teve oito segundos em cada bloco de propaganda na TV. O ex-tucano Geraldo Alckmin apareceu por cinco minutos.

No segundo turno, Bolsonaro não foi aos debates televisivos, um palco bem disputado na tela, mas ele apareceu na TV de outro jeito...

"Três dias depois de ser esfaqueado, Jair Bolsonaro realizou sessões de fisioterapia no Hospital Albert Einstein em São Paulo e fez pose para foto sentado em uma poltrona. 'A morte esteve distante dois milímetros de mim. A faca passou dois milímetros da veia cava. Eu perdi dois litros de sangue que foram drenados. Se demorasse mais três minutos pro atendimento eu tinha morrido'."

Afinal, o que aconteceu em 2018? Qual foi a importância da TV naquele momento e qual vai ser agora?

"Eu brinco dizendo que a gente está matando a influência da televisão já faz uns 15 anos no Brasil e ela continua tendo uma importância bastante relevante, inclusive por causa do horário eleitoral gratuito."

Essa é Nina Santos, pesquisadora da Universidade Federal da Bahia e doutora pela Universidade de Sorbonne. Ela tem se dedicado a entender a disseminação de informação nas plataformas digitais e os impactos políticos disso.

Nina diz que a forma da gente consumir o conteúdo televisivo mudou. E precisa ser revisada. Aquilo que passa na TV aberta hoje pode ser reembalado pra internet –e ver isso pelas redes sociais, por exemplo, ainda é assistir à TV.

Alguns marqueteiros de campanha com quem eu conversei veem uma tendência na diminuição da influência da televisão, mas estão longe de minimizar a importância dela agora.

"Você ganha em real, mas Bolsonaro lhe obriga a pagar combustíveis em dólar. Só há uma solução: retomar a Petrobras para os brasileiros. E mudar a política de preços."

Esse é o Ciro Gomes, pré-candidato à presidência pelo PDT.

"Se você acredita que ninguém está acima da lei e que o crime não pode continuar tomando conta do Brasil, que já chega de tantos privilégios para tão poucos e concorda que lugar de político corrupto é na cadeia: talvez você ainda não tenha percebido, mas no fundo, a gente acredita nas mesmas coisas."

E esse é Sergio Moro, pré-candidato pelo Podemos, em um formato bem tradicional… quase à moda antiga.

Agora, a versão da internet. Esse é o Ciro Gomes, ou melhor, Games.

"Esse monstro, que está estimulando a venda privada de arma para todo lado, nem atirar sabe? Isso é o que os intelectuais mais sofisticados chamam de energúmeno, que é o que a gente chama aqui em baixo de uma anta completa.

Nossa senhora, meu Deus do céu, que vexame. Esse monstro, que está estimulando a venda privada de arma pra todo lado, nem atirar sabe? Isso é o que os intelectuais mais sofisticados chamam de energúmeno, que é o que a gente chama aqui em baixo de uma anta completa.

E esse é o ex-juiz Moro versão instagrammer:

"Então, sempre gostei dessas histórias em quadrinhos. Elas às vezes são inspiradoras. Tem sempre aquele ditado famoso do Homem Aranha, né? Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades."

As campanhas em vídeo não dependem mais só das emissoras. Agora elas precisam também do YouTube e até de plataformas emergentes.

Aqui no Brasil, quem deu força para essa diversificação foi Bolsonaro –e a gente não está falando só do candidato. Está falando do presidente também, que nunca deixou de fazer a live dele.

Mas, E O PT?

Que lugares o PT e a esquerda ocuparam na internet nos últimos anos? Eles até estão nos mesmos territórios, mas sempre de um jeito mais tímido. A Nina, de novo:

"Isso tem muito a ver com uma hipótese minha sobre a estrutura interna do uso das organizações de esquerda e de extrema direita. As organizações de esquerda são mais históricas, mais antigas. Elas têm estruturas internas mais rígidas e mais hierárquicas, mais bem definidas. Isso faz com que a atuação no ambiente digital por vezes se torne um pouco mais burocrática, um pouco mais um pouco mais engessada."

Mas ela lembra que nem sempre foi assim:

"Até a primeira década dos anos 2000, a esquerda estava bastante ativa e criativa na apropriação que fazia dessas mídias, especialmente via o horário eleitoral gratuito. Quando a gente passa para o digital, tinha também uma apropriação bastante inovadora, que era feita basicamente pelos chamados blogs progressistas ou blogs de esquerda, os blogs sujos."

Eram blogs da militância que se apresentavam como veículos independentes da grande mídia. Vários deles, depois, a gente soube, recebiam dinheiro público.

Agora, a sete meses da eleição, o Partido dos Trabalhadores tenta recuperar a batalha digital perdida em 2018. Eles parecem querer dar um salto direto para o assunto mais falado indústria tecnológica agora.

A campanha de Lula chama Lulaverso.

"Bem-vindos ao Lulaverso, onde a esperança e os memes se encontram."

Metaverso é uma aposta industrial que aproxima ainda mais a vivência física da digital. Hoje, você pode estar me ouvindo pelo seu fone enquanto lava a louça ou trabalha no computador. No conceito de metaverso, nossos avatares em 3D podem estar numa sala digital imitando nossos gestos."

A internet é muitas vezes vista pelas campanhas oficiais como um lugar engraçadinho, às vezes até juvenil.

Apesar de os memes, as lives, os podcasts rolarem o tempo todo, o calendário eleitoral diz que a propaganda na internet está liberada só a partir de 16 de agosto.

"A noção de campanha antecipada se tornou algo completamente obsoleto, irreal."

Esse é o professor Camilo, que você já ouviu aqui.

"Ela só funciona para fins jurídicos. A gente fala de campanha antecipada quando está falando de algum tipo de infração sobre a lógica jurídica. Mas como a gente está falando de campanha, portanto uma organização política partidária voltada para conquistar mentes e corações, para formar opiniões e conquistar votos com a comunicação digital, não temos mais essa temporalidade. O que a gente tem é uma campanha permanente."

Antes mesmo das redes sociais, já era difícil controlar a campanha antecipada. Agora, com o mundo no celular, qualquer pessoa é um cabo eleitoral. A história recente mostra que, na internet, político não nasce em agosto. Controlar o tempo certo da propaganda é só mais um desafio que as autoridades têm quando se trata de internet e política.

Este foi o primeiro episódio do Cabo Eleitoral, uma parceria entre a Folha e o InternetLab.

Segue o podcast no seu aplicativo favorito pra não perder os próximos episódios.

Eu sou a Paula Soprana, fiz a produção e o roteiro desse podcast. A edição de som é de Luan Alencar e a coordenação é de Magê Flores.

Você ouviu áudios de UOL, SBT, Poder 360, AFP, CNN, Washington Post e Record.

Até quarta-feira que vem.

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