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Estratégia de defesa de Flávio Bolsonaro une interesses de Lula e de ministros do STF e TCU

Novo questionamento de senador, que acionou estruturas do governo, envolve acesso a dados fiscais por auditores da Receita

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Rio de Janeiro

A nova estratégia de defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para tentar anular as investigações sobre a “rachadinha” tem potencial para unir interesses de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TCU (Tribunal de Contas da União) que entraram em rota de colisão com a Receita Federal.

A via a ser usada para colher informações sobre acessos a dados fiscais do senador também vai interessar ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e outros réus da Operação Lava Jato, alvos de consultas informais na Receita Federal segundo indicam mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e analisadas pela Folha e pelo site.

A defesa de Flávio acionou estruturas do governo, com a participação do presidente Jair Bolsonaro, para tentar saber em que momento dados fiscais do senador foram acessados por auditores da Receita.

A suspeita é de que alguns dados do relatório do Coaf que indicou as movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador, tiveram como origem informações sigilosas da Receita, e não os bancos, fonte regular do órgão federal.

O objetivo é apontar eventuais irregularidades na origem da investigação a fim de anular todos os atos decorrentes do relatório, incluindo a apuração sobre a “rachadinha”.

Flávio é investigado sob suspeita dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e liderado uma organização criminosa. O MP-RJ suspeita que ele recolhia o salário de parte de seus antigos funcionários na Assembleia Legislativa fluminense para benefício pessoal.

Questionamentos sobre informações sigilosas da Receita também já envolveram Gilmar Mendes no início do ano passado, quando foi divulgada uma apuração do órgão sobre dados fiscais do ministro do STF e sua mulher, a advogada Guiomar Mendes.

O procedimento tinha como objetivo, segundo informou a revista Veja à época, identificar supostos “focos de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência”.

O caso provocou ataques de Gilmar à força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro, a quem atribuía os acessos aos seus dados fiscais e de outros 133 agentes públicos e seus familiares.

Os procuradores negaram envolvimento no caso. Um dos auditores que tiveram acesso ao documento, Marco Aurélio Canal, citado por Gilmar em entrevistas, foi preso pela Lava Jato fluminense sob acusação de cobrar propina para anular autuações fiscais contra alvos da operação.

A Receita reconheceu que o ministro do STF foi alvo de apuração preliminar interna no órgão, mas rechaçou, em nota, “ilações de práticas de crimes” e disse que não havia procedimento formal de fiscalização sobre o magistrado.

O Fisco afirmou que abriu um procedimento para apurar os acessos e a divulgação dos dados, mas não há notícia de punição a eventuais servidores envolvidos.

O caso Gilmar gerou a abertura de um processo no TCU que concluiu em agosto haver falhas da Receita para proteger informações obtidas em processos de fiscalização contra agentes públicos e apontou fragilidades que permitiram o vazamento de dados sigilosos sob sua guarda.

Os técnicos identificaram problemas nos mecanismos do Fisco para rastrear o uso inapropriado de informações —vazamento, por exemplo— e a escolha dos contribuintes a terem a vida fiscal vasculhada.

A abertura do processo provocou uma guerra entre o relator do processo, o ministro Bruno Dantas, e auditores da Receita Federal. Ele atribuiu à abertura da apuração uma intimação que recebeu para explicar despesas médicas de três anos atrás. A Receita afirmou que tinha como alvo o médico, e não o ministro.

Possíveis acessos irregulares a dados fiscais também atingiram o ex-presidente Lula, segundo indicam mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e analisadas pela Folha e pelo site. Elas apontam que dados fiscais sigilosos eram obtidos informalmente por procuradores da Operação Lava Jato.

No início de 2016, os procuradores usaram esse expediente com frequência durante as investigações sobre as reformas executadas por empreiteiras no sítio de Atibaia (SP) frequentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), caso que levou à sua segunda condenação na Justiça.

A legislação brasileira permite que o Ministério Público peça informações à Receita durante investigações, mas é necessário que seus requerimentos sejam formais e fundamentados, dizem advogados consultados pela Folha. Em casos de pedidos muito abrangentes, afirmam, é preciso obter autorização da Justiça.

Os casos de Flávio, Gilmar e Lula têm em comum a dificuldade de se identificar acessos feitos por auditores lotados na Copei (Coordenação de Pesquisa e Investigação), seus escritórios e núcleos pelo país.

Os arquivos sobre as consultas, chamados tecnicamente de "logs", permitem saber quais auditores acessaram dados de um determinado contribuinte.

Portaria da Receita prevê que os "logs" dos servidores de pesquisa e investigação não podem ser consultados por membros da Auditoria e Corregedoria do Fisco, responsáveis pelo monitoramento e análise de irregularidades no órgão. É o “manto de invisibilidade”, como é conhecido internamente.

Apenas a cúpula do Fisco (o Secretário da Receita Federal, o corregedor-geral, o corregedor-geral adjunto e mais uma pessoa indicada por esses) pode ter acesso às consultas feitas pelos investigadores da Receita.

O problema é que a maior parte das investigações sobre acessos indevidos é feito por servidores da Corregedoria sem acesso aos “logs” dos lotados na Copei e suas ramificações.

Foi, por exemplo, desta forma que se identificou o servidor Odilon Alves Filho como o responsável por acessar de forma irregular dados fiscais sigilosos do presidente Jair Bolsonaro às vésperas do segundo turno da eleição.

A defesa do senador considera que o servidor, que sequer auditor é, foi apontado a fim de dar uma resposta imediata ao caso divulgado na ocasião.

O sistema responsável por relatório de "logs" é o DW-LEL, que está sendo substituído por funções do ReceitaData.

Fontes da Receita afirmam, contudo, que mesmo o DW-LEL contém informações defasadas, podendo não mostrar todos os acessos feitos sobre informações de um contribuinte.

A forma mais eficiente de se saber os "logs" a dados de um CPF é por meio de uma apuração especial do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) ou do Dataprev, responsáveis por armazenar os dados da Receita.

O diretor-presidente do Serpro, Gileno Gurjão Barreto, foi uma das autoridades procuradas pela defesa de Flávio e pelo próprio senador.

O Serpro, por sua vez, resiste a realizar auditorias especiais sob demanda de contribuintes, alegando alto custo e a confidencialidade dos dados. A estatal só costuma responder a ordens judiciais, raras por serem pouco conhecidas.

Uma das vias em estudo na defesa de Flávio é o ingresso de uma medida judicial no STF a fim de determinar uma auditoria especial nos acessos a dados do senador.

O pedido, se concretizado, encontrará um Supremo mais garantista, já com a presença do futuro ministro Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro com aval de Gilmar Mendes.

A Receita já afirmou, em nota, que não há "logs" que não sejam rastreáveis.

"A melhor prática em acessos a sistemas define que um determinado usuário acessa apenas os dados necessários às suas atribuições”, afirmou no ano passado, em referência aos perfis de quatro membros da cúpula da Receita —únicos capazes de verificar as pesquisas de investigadores.

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