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Rei das sanfonas, Luiz Rosa coleciona o instrumento mais amado do Nordeste

Apaixonado pelo instrumento, xará do rei do baião só aprendeu a tocá-lo aos 69 anos

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Juazeiro (BA)

Era sonho de menino. É assim que Luiz Rosa, 76, descreve sua relação íntima com as sanfonas. Quem vê o sanfoneiro exibindo sua coleção que passa das cem peças, em Petrolina, no interior de Pernambuco, nem imagina que ele só começou a tocar o instrumento aos 69 anos.

A paixão antiga começou quando acompanhava os tios músicos. Com eles, aprendeu a tocar muitos instrumentos como violão, cavaquinho e até bandolim, mas os parentes não lhe deram acesso à sanfona.

homem de camisa vermelha e chapéu de couro de vaqueiro com sanfona; ao fundo, sanfonas penduradas e quadro com Luiz Gonzaga
Luiz Rosa, 76, coleciona mais de 100 sanfonas em sua casa em Petrolina - Adriano Alves/Folhapress

"Eles não deixavam pegar por ser um instrumento caro. Sem pegar na sanfona, como é que eu aprendia? Eu não tinha dinheiro para comprar, então fiquei sem aprender na época", lembra.

A vida afastou o adolescente sertanejo, natural de Floresta, do mundo da música para ganhar a vida, trabalhando às margens do rio São Francisco, em Petrolina.

Foram muitos anos sem tocar pro público, às vezes dedilhava um violão em casa durante o momento de descanso. "Quando eu tinha tempo, não tinha dinheiro para comprar sanfona. Quando eu tive o dinheiro para comprar, não tinha tempo. Era comerciante correndo de um lado pro outro", conta.

Já aposentado, escutou no rádio o anúncio de duas sanfonas usadas que estavam sendo vendidas para ajudar uma pessoa necessitada. Ele se presenteou com uma, logo depois voltou para comprar a outra e contratou um professor para fazer a iniciação. Rindo, ele se gaba que foram apenas 30 dias até sair tocando forró por aí.

A paixão aumentava conforme descobria as notas e aprendia novas músicas. "Eu me entusiasmei e ‘danei’ a comprar sanfona. Se entrar um milhão hoje na minha conta, eu compro tudo de sanfona, sem medo de errar", brinca.

A carreira musical já na velhice é puro prazer, seu Luiz não cobra para se apresentar e só toca em eventos beneficentes, canta pros idosos que estão em casas geriátricas, em quermesses e o que vai aparecendo.

"Hoje, graças a Deus, eu já tenho meu pé de meia. Não preciso mais correr atrás de cachê barato", diz ele, que lamenta a desvalorização local com os artistas, que ele acompanha de perto.

Sérgio do Forró, um dos mais reconhecidos na região, o batizou de "pai dos sanfoneiros", por ser um dos mais velhos. O apelido também se justifica pela figura de seu Luiz, típico homem forte, de voz potente, mas também muito atencioso. Ele quem organiza os encontros dos sanfoneiros e, para onde vai, é rodeado de gente.

homem com sanfona, tendo outros instrumentos semelhantes ao fundo
Casa virou local de acervo dos instrumentos do xará de Luiz Gonzaga, rei do baião - Adriano Alves/Folhapress

A paixão pelas sanfonas é visível em seu olhar, que brilha ao falar delas, e reflete no cuidado que ele tem com cada uma. Diz que já perdeu as contas de quantas são, só sabe que passam de cem.

Para abrigar tantas relíquias, criou um pequeno museu em casa. "O meu prazer é deixar aqui um monte de sanfona pros meninos fazerem o que quiser com elas. Eu quero morrer e deixar aí. Se quiserem podem até jogar no rio", brinca.

A Casa dos Artistas do Sertão

Bem no centro de Petrolina, um letreiro identifica a Casa dos Artistas, nome dado por Luiz Rosa ao local que abriga sua coleção de sanfonas e é reduto dos apaixonados por forró pé de serra na cidade.

O espaço até parece uma loja, exibindo de forma bem organizada as sanfonas, que ficam cobertas com plástico para não pegar poeira. "Isso aqui era minha loja. Aqui, eu já vendi carro, adubo, ração e vários produtos nesse mesmo espaço", lembra.

Entre uma prateleira e outra, raridades trazidas de várias partes do mundo e que chegam a custar R$ 80 mil estão abertas para visitação. Nas paredes, vários quadros com a imagem do ídolo Luiz Gonzaga, que por coincidência é seu xará.

O sanfoneiro enche a boca para dizer que teve o prazer de conhecer o "rei do baião'' e até negociar com ele. "Eu já comprei uma camionete dele. Fui pegar o carro da mão dele. Usei esse carro, guardei por nove anos. Chegou um maluco, botou o triplo do que o carro valia, aí eu não aguentei e vendi. Eu sou comerciante, comerciante não aguenta não", conta, aos risos.

A alma comerciante ainda é presente, mas quando o assunto é sanfona, a conversa é mais firme. "Quando eu vendo uma, eu fico triste. Quando eu compro dez, é uma festa. Tem gente que fica moendo para comprar uma sanfona, eu até vendo, mas eu quero é comprar, eu gosto é de ter. O meu sistema aqui é o seguinte, são da coleção, mas se você me pagar o dobro, eu vendo. Não tem problema nenhum, eu vendo e colo duas no lugar".

A realização de seu Luiz é fazer a sanfona chorar e não a deixa silenciar. Mesmo respondendo a entrevista, segue tocando ‘Asa Branca’, sua preferida. Parte do seu tempo dedica a ensinar novos artistas, já foram mais de 50, a maioria crianças. Contrariando a crença popular, ele diz que é muito fácil aprender, citando um idoso que conseguiu em apenas três dias.

A casa de sanfoneiro e colecionador fica em cima do local onde os instrumentos são guardados, mas ele confessa que passa mais tempo com as sanfonas e deixa sempre a porta aberta para receber visitas, que não param de chegar.

Depois de dois anos sem ver o São João ser realizado, ele diz estar muito contente com a volta da festa mais esperada do ano pro povo nordestino. Durante os períodos mais graves da pandemia, foi entre suas sanfonas que ele encontrou acalento.

"Isso aqui tira meu estresse, tirou aquela pressão. Sem ter para onde ir, só trancado dentro de casa, eu só fazia descer e entrar aqui, ficava e até dormia. Foi a minha salvação, e eu aconselho a todos os idosos fazer aula de música, porque a música deixa a gente novo de novo", fala ele, dedilhando notas de forró.

A visita ao espaço Casa dos Artistas é gratuita e pode ser realizada em horário comercial. Entre uma boa prosa e um cafezinho, é permitido experimentar tocar uma sanfona.

Quem quiser levar uma sanfona para casa tem que ir preparado para negociar com o comerciante experiente. O endereço é Rua Engenheiro Valmir Bezerra, 825, no centro de Petrolina, próximo à Praça do Galo.

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