Brasil

Histórias e personagens pelo país afora

Brasil - Brasil
Brasil

Peregrino viaja a pé com barcos do Círio de Nazaré em santuários do país

Mateus Coutinho Aguiar, 70, já caminhou mais de 29 mil km; meta é fazer 12 viagens passando em 33 santuários

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Juazeiro (BA)

De barba e cabelos brancos com crucifixo pendurado no pescoço, Mateus Coutinho Aguiar, 70, empurra um barco de madeira, ilustrado com imagens sacras, pelas estradas. O aposentado cumpre a missão de levar 33 canoas do Círio de Nazaré a santuários no Brasil e outros países. Há mais de 160 dias, saiu a pé de Belém com destino ao Rio de Janeiro.

A viagem começou após a tradicional procissão paraense, retomada em outubro do ano passado, após dois anos suspensa por causa da pandemia da Covid-19. Considerada a maior do país, reúne milhões de fiéis, que seguem a imagem de Nossa Senhora de Nazaré a pé, de carro e até em barcos.

homem com barco enfeitado com mensagens religiosas em calçada
Mateus Coutinho Aguiar, 70, em Petrolina; ele leva 33 canoas do Círio de Nazaré a santuários no Brasil e outros países - Adriano Alves/Folhapress

Essa é a nona peregrinação do aposentado, que já ultrapassa os 2.000 km de viagem. Ao todo, serão 12, em referência ao número de apóstolos de Cristo.

"Escolhi para homenagear nosso senhor e todos os católicos que são pagadores de promessas", explica, apontando detalhes como a ausência de cruz no barco, por ser uma saudação aos 33 anos de Jesus em vida humana, simbolizados também pela quantidade de canoas planejadas.

Esse ano, o peregrino leva cinco barcos. Três foram entregues entre Pará e Ceará. O que empurra deve chegar ao estado fluminense e um outro, que está desmontado em seu interior, será deixado em Salvador nos próximos dias.

Em cada viagem, ele leva um ou mais barcos, dentro um do outro. A montagem é feita ao chegar ao templo escolhido. Em cada viagem, ele traça o percurso onde deixará as canoas.

Desde a primeira caminhada, a soma de quilômetros percorridos já passou de 27 mil, em 16 países. O planejado é que a missão seja cumprida até 2025, chegando a marca de 40 mil km e 50 países, incluindo europeus.

As viagens eram desejo antigo de Aguiar. Nascido na Ilha de Santana, pequeno distrito do Amapá, aos 22 anos fez sua primeira viagem longa —o mesmo trajeto da capital paraense ao Rio— para buscar emprego.

Na viagem de navio, que durou 27 dias, conheceu marinheiros com histórias que lhe despertaram a vontade de conhecer o mundo.

O sonho ficou guardado por um tempo. Trabalhador da área marítima na capital carioca, voltou ao Pará, onde abriu uma agência de navegação e constituiu família. "Eu esperei formar meus filhos para eles entenderem minha vontade", diz.

Aos 51, em agosto de 2004, fez sua primeira viagem a pé. Foram 259 dias caminhando até Porto Alegre, pelo litoral. Outra mais longa foi nos países da América Latina banhados pelo Pacífico, quando passou pelo deserto do Atacama e atravessou a cordilheira dos Andes.

Ambas, sem barco, apenas mapeando a área. "Se você não projetar bem, não consegue fazer", diz.

homem com detalhes escritos de canoa em calçada
Mateus Coutinho Aguiar, 70, já caminhou mais de 29 mil km; meta é fazer 12 viagens - Adriano Alves/Folhapress

A aventura foi bancada inicialmente pelas economias dos anos de planejamento. Pelas cidades, consegue apoios e doadores que assinam um livro de contribuição.

Em entrevista à Folha, na última sexta (14), o aposentado pesquisava em Petrolina (PE) uma hospedagem de baixo custo e lembra das dificuldades da missão. "Eu já cheguei a dormir na estrada, sem abrigo. Já dormi nas árvores e em uma parada de ônibus", diz.

A primeira missão com embarcação foi para Aparecida (SP), em 2018. De lá pra cá, já entregou 18, grandes e pequenas, que ficam expostas dentro ou fora das igrejas. O romeiro diz que a distância percorrida varia a cada dia, mas chega a passar dos 40 km em alguns.

As canoas, confeccionadas por ele, têm média de três metros e rodas de bicicleta adaptadas para possibilitar o transporte. "Tem que saber fazer tudo. Eu paguei as duas primeiras, mas depois resolvi construir, por conta dos custos", conta.

O projeto de vida só deu uma pausa no período de pandemia, quando ficou quase dois anos em casa. Mas, aproveitou para escrever memórias dos anos de estrada. "Eu estou registrando a minha passagem no planeta terra de uma forma inesquecível", diz ele, que pensa em publicar um livro.

Antes de seguir viagem, entre uma parada e outra, frequenta missas e conhece pessoas, que diz ser uma das vantagens de ganhar o mundo.

"É uma experiência diferente e única. Eu estou repondo dentro de mim toda aquela fé. Eu saio de um lugar sagrado para o outro, em busca de conhecimento. São esses espaços que dão força para o dia a dia", diz.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.