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Tradição de fé, penitentes saem às ruas antes da Páscoa no sertão nordestino

Procissão iniciada há 122 anos leva fiéis a rezarem pelas almas no período que antecede a Páscoa

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Juazeiro (BA)

Nas noites da quaresma, período para os católicos de reflexão até a Páscoa, é possível notar uma procissão de pessoas vestidas com mantos brancos que cruzam a cidade de Juazeiro, no sertão da Bahia. São as "alimentadeiras de almas", grupo de penitentes, na maioria mulheres, que segue a tradição de rezar pelas almas nas ruas da cidade ribeirinha, a 507 km de Salvador.

O grupo se concentra na casa de Josulene Rodrigues Ribeiro, a Dona Nenenzinha. A tradição se estende desde 1901, sempre nas semanas que antecedem a Páscoa cristã. "Começou com os frades. Depois, passou para uma senhora, até chegar na minha mãe", conta ela.

foto noturna de grupo coberto de lençóis brancos com cruz na frente andando em uma rua
Penitentes cobertos de panos brancos caminham em rua de Juazeiro (BA) - Adriano Alves/Folhapress

Aos 83 anos, a aposentada herdou da família a missão de organizar a procissão. Começa a preparar a alimentação pela tarde e depois acompanha o grupo pelo longo trajeto, que é realizado nas segundas, quartas e sextas-feiras, até a Sexta-Feira Santa, quando a procissão é encerrada com uma ceia.

"Minha mãe me pediu, antes de morrer, para não deixar acabar a tradição e foi assim que eu fiz", conta, orgulhosa.

À frente do cordão, como chamam os grupos, um dos integrantes carrega uma cruz de madeira. Em fila, os demais o seguem entoando benditos e ladainhas religiosas para pedir a paz das almas do purgatório. O percurso passa por sete cruzeiros espalhados por bairros da cidade, chamados de estações.

A caminhada pelo asfalto divide espaço com carros e motos. O barulho dos motores é cortado pelas batidas da matraca, instrumento de madeira com pedaços de ferro que produz um som forte ao bater, levado pela segunda penitente da fila.

Todo percurso é acompanhado pelos olhos curiosos da população. "Bonito, né", comenta o vendedor Paulo Silveira, 43, que vê o grupo passar em frente ao seu ponto comercial. "Eles estão rezando pelos mortos".

Os religiosos seguem até o cruzeiro do cemitério municipal, onde se aglomeram, de joelhos ou escorados na parede. Acendem velas e fazem orações que ecoam por toda vizinhança.

Entre os devotos, tem participante que sai há mais de 35 anos na penitência e alguns jovens que seguem a tradição familiar, por promessa ou por admiração.

Os primeiros registros das penitências no sertão datam do início do século 18, vindo com os religiosos capuchinhos e franciscanos. Os mais tradicionais, que ainda resistem na região, são os disciplinadores, aqueles conhecidos pelo ato do autoflagelo, uma das mais sigilosas manifestações.

Entre as alimentadeiras de almas, há algumas regras como a de sigilo dos membros. Cada ciclo de penitência dura sete anos, que devem ser cumpridos ininterruptamente ou substituído por um parente.

Sete também é o número de nós nos cordões que amarram na cintura das participantes, em referência às sete dores de Maria, expressadas na tradição popular.

A cada ano que passa, lamentam os participantes, o número de cordões diminui. Esse ano, apenas o organizado por Dona Nenenzinha peregrinou por Juazeiro, onde antes circulavam cinco. "Os coordenadores foram morrendo e não tinha ninguém para tomar conta, então foi acabando", conta ela.

A devota diz que enquanto viver manterá o costume e tem esperanças que continuem após sua partida. "Eu sei que vou morrer um dia. Estou preparando uns três e espero que dê certo. Se não tiver quem tome conta, acaba".

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