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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli
Descrição de chapéu ciclismo ciclismo de estrada

Principal prova de ciclismo amador do país tem campeões suspensos e fuga do antidoping

Agência antidoping faz visita surpresa ao "L'Étape Brasil" e causa tensão entre ciclistas

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Ao menos 4 campeões das 5 últimas edições do "L’Étape Brasil", a maior prova do ciclismo amador brasileiro, estão suspensos ou respondem a investigações relacionadas ao doping.

A lista é formada pelos ex-ciclistas profissionais Otávio Bulgarelli (campeão em 2018, 2019 e 2020) e Antônio Pippo Garnero (campeão em 2021), pela ciclista profissional Adriele Alves (campeã em 2021) e pela ciclista amadora Fernanda Martello (campeã em 2022).

fila de ciclistas vestindo capacetes e roupas coloridas
Ciclistas alinhados para largada do 'L'Étape Brasil by Tour de France', em 25 de setembro de 2022 - Divulgação

Organizada sob a chancela da Volta da França —a mais importante prova do ciclismo internacional—, o "L’Étape Brasil by Tour de France" é uma prova amadora que acontece anualmente desde 2015 e que atrai milhares de ciclistas de todo país para um evento que mistura competição e luxo, ao custo de até R$ 1.200 por atleta.

Na oitava edição do evento, realizado em 25 de setembro na cidade de Campos do Jordão (SP), a euforia de alguns atletas se transformou em tensão quando agentes do controle antidoping da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem) apareceram de surpresa na linha de chegada.

Ao menos uma atleta, a ciclista amadora e advogada Fernanda Martello, já é investigada por ter evadido o controle antidoping.

Além de não ter feito o exame, Fernanda, que foi a campeã, também deixou de comparecer ao pódio da prova. A situação agitou parte dos 3.600 participantes, especialmente a segunda colocada, a ciclista profissional Cristiane Silva.

Cristiane, que é 5 vezes campeã brasileira de ciclismo de pista, utiliza provas amadoras como oportunidade de treino e é integrante de um grupo que faz campanha por maior controle antidoping no circuito nacional.

Em uma manifestação publicada em seu canal no Youtube, Cristiane reclama o título de campeã do "L’Étape Brasil" para si. Além de relatar a "recusa" de Fernanda Martello para comparecer ao controle, e lembrar a sua ausência no pódio, o relato de Cristiane também indica que Fernanda teria recebido ajuda de um gregário (atleta que impõe o ritmo) da categoria masculina, prática que vai contra as regras do evento.

"Eu estufo meu peito e falo que eu sou campeã do 'L’Étape Brasil' 2022 porque eu corri limpa [sem uso de doping] e eu corri sem gregário", disse Cristiane no vídeo.

Em entrevista para a Folha, Fernanda Martello não quis comentar as afirmações de Cristiane, mas disse ser "totalmente favorável ao controle antidoping". Fernanda disse ainda que tem uma equipe de advogados cuidando do caso e que acredita ser vítima nessa história.

Ao ser questionada pela reportagem sobre os motivos que a levaram a evadir o controle antidoping e o pódio, Fernanda alegou não ter notado os agentes da ABCD no fim do percurso e que seguiu direto ao hotel onde estava hospedada por não ter interesse em aguardar o horário da premiação.

Sobre as tentativas de contato telefônico, feitas pela ABCD em casos de evasão de atleta, Fernanda explicou que não estava portando seu telefone celular naqueles instantes e que só teve acesso às chamadas quando já estava a caminho de outros compromissos, em outra cidade.

"O povo está levando prova amadora como se fosse o Campeonato Brasileiro. O máximo que a gente ganha lá é um troféu, uma camiseta […] é só uma experiência, uma curtição", disse durante a entrevista.

Em nota emitida pelo Ministério da Cidadania, a ABCD disse que o caso segue sob sigilo, mas ressaltou que, segundo a LGE (Lei Geral do Esporte), "atletas, independentemente de sua categoria, estão sob a jurisdição do Código e dos Padrões Internacionais, e por isso são sempre testados conforme preconiza a Agência Mundial Antidopagem" e que "nenhum atleta pode se negar a ser testado". Segundo a entidade, a punição para casos de evasão é de 4 anos de suspensão de qualquer prova oficial.

Também por nota, a organização do "L'Étape Brasil" disse apoiar os testes antidoping (apesar de não ter convidado ou patrocinado o serviço), e indicou que estratégias irregulares adotadas durante a prova, como o uso de gregários, são cabíveis de punição e podem ser reclamadas por qualquer participante, desde que sejam apresentadas as provas.

Além do alvoroço causado no pódio feminino deste ano, os resultados dos pódios das quatro edições anteriores do "L'Étape Brasil" também seguem sob a desconfiança dos fãs.

Campeão da prova nos anos 2018, 2019 e 2020, Otávio Bulgarelli é um ex-ciclista profissional e campeão brasileiro profissional em 2012. Otávio foi julgado pelo uso de doping em duas ocasiões. Na primeira, em 2017, foi inocentado. Na segunda, em 2021, foi condenado pelo uso de duas drogas proibidas durante a Volta Internacional de Atibaia. Desde então, o ciclista cumpre 4 anos de suspensão.

"A primeira acusação de doping é a que mais me incomoda porque foi um erro grotesco do laboratório. Dessa fui inocentado por unanimidade. Depois que eu fui pego em 2021, vejo que o caso de 2017 veio à tona mesmo com minha absolvição", disse Bulgarelli em entrevista à Folha.

A condenação do atleta se deu pelo uso das substâncias prednisolona e Gw501516 sulfona, que, segundo ele, estavam presentes em um remédio antialérgico e um suplemento alimentar.

"O segundo doping eu sei que usei, mas não agi de má-fé, é diferente de usar uma testosterona, um EPO (hormônio sintético que aumenta a oxigenação sanguínea)", completou Bulgarelli ao explicar que usou o antialérgico Predsin (que contém prednisolona) para tratar de uma alergia recorrente na véspera da competição, e ingeriu o suplemento Cardarine (que contém Gw501516 sulfona —substância que aumenta a queima de gordura e melhora a resistência muscular) para tratar de uma dor nas costas, mas que cessou o tratamento 50 dias antes da competição.

Campeão do "L'Étape Brasil" 2021, Antônio Pippo Garnero está provisoriamente suspenso por uso de EPO em competição amadora realizada na França. A sentença definitiva ainda não foi emitida pelas autoridades francesas. Procurado para comentar o caso, o ex-ciclista profissional e campeão brasileiro de 2014 não respondeu à Folha.

Em comunicado publicado em seu perfil da rede social Strava, Garnero assumiu a culpa e comentou o uso da droga para tratar "sensações que pareciam indicar um possível quadro pré-anêmico". O ciclista ainda escreveu: "Foi a primeira e única vez em que fiz uso do hormônio […] Aceitarei a interpretação e punições que me forem atribuídas".

Adriele Alves ainda era profissional quando foi campeã do "L'Étape Brasil" em 2021, meses antes de cair no controle antidoping por uso irregular de gestrinona, droga indicada para tratar de doenças do aparelho reprodutor feminino mas que também pode ter efeito no desenvolvimento das fibras musculares.

"Culturalmente as pessoas veem a palavra doping e já fazem um prejulgamento sem ouvir o lado do atleta. Não foi minha intenção ganhar performance com substância proibida", contou Adriele ao descrever que optou pela droga após indicação médica para o tratamento da síndrome do ovário policístico e de uma endometriose.

Sabendo da proibição da gestrinona pelas regras da LGE, Adriele diz ter feito a interrupção do tratamento antes do período de competições. Mesmo assim, ainda segundo a ciclista, uma sobra residual de 0,03 nanograma da substância foi detectada em seu corpo, quantidade suficiente para sua condenação. Adriele cumpre 4 anos de suspensão.

Ao comentar a presença da ABCD em competições amadoras, a vice-campeã de 2022, Cristiane Silva, concluiu sua manifestação no Youtube: "Muita gente vai passar a refletir sobre ir em competições como essa dopados para tirar o lugar de pessoas limpas, sérias e comprometidas com o esporte".

A lista da ABCD com os resultados dos testes mais recentes, entre eles os realizados na última edição do "L'Étape Brasil", ainda não foi atualizada.

Duas mulheres comemoram juntas
Sem a presença da campeã Fernanda Martello, que não compareceu ao teste de doping, comemoração do pódio de 2022 fica com a segunda colocada Cristiane Silva (camisa verde) e a terceira colocada Victoria Remaili - Divulgação

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