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O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Descrição de chapéu câncer

A fertilidade após o câncer

Com o avanço na incidência de câncer em jovens, pesquisar e popularizar a preservação da fertilidade é essencial

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Rossana Soletti

O câncer está cada vez mais comum no mundo, em grande parte devido ao aumento da expectativa de vida. Embora a maioria dos casos se concentrem em pessoas acima de 60 anos, análises recentes surpreendem ao mostrar que os maiores aumentos de incidência recaem sobre população de 20 a 50 anos. Isso significa que a geração atual de adultos jovens e as próximas terão mais câncer do que as passadas.

Mas à medida que as ocorrências se multiplicam, a ciência aprimora os tratamentos, atingindo índices de sobrevida superiores a 90% para certos tumores. Se as próximas gerações terão mais câncer, elas provavelmente receberão terapias mais efetivas. A preocupação com a qualidade de vida após o tratamento torna-se, portanto, cada vez mais importante.

Arte ilustra uma mão manipulando o que parecem ser óvulos coloridos em um procedimento de fertilização in vitro
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

Medicamentos utilizados na maior parte dos tratamentos quimioterápicos destroem células altamente proliferativas, como as tumorais. Ocorre que outras células que se propagam velozmente, como as da mucosa que reveste a boca e as dos folículos pilosos, podem ser afetadas, gerando efeitos adversos como queda de cabelo e descamação na mucosa oral. A quimioterapia também pode alterar os tecidos que produzem os gametas (óvulos e espermatozoides) e os níveis de hormônios sexuais, com reflexos na fertilidade. Com isso, crianças, adolescentes e adultos que passam por tratamentos oncológicos podem ter comprometimentos na capacidade de gerar filhos biológicos.

O estoque de óvulos, determinado ainda na vida fetal, começa a diminuir antes mesmo do nascimento — essa reserva ovariana é o principal determinante da fertilidade da mulher. No início da puberdade, os ovários contêm de 300 mil a 500 mil óvulos, contidos em folículos revestidos por células. Ao longo dos anos, alguns desses folículos entram num processo de amadurecimento que culmina com a liberação de um óvulo por mês — a ovulação. À medida que a menopausa se aproxima, a reserva ovariana vai chegando ao fim.

A exposição aos ciclos de quimioterapia pode causar danos aos folículos em processo de amadurecimento, já que estas células foliculares se proliferam rapidamente. Em resposta, os folículos ainda imaturos são mobilizados e entram em crescimento: essa ativação prematura os deixa sujeitos aos efeitos tóxicos da quimioterapia. Assim, meninas que ainda não entraram na puberdade podem não atingi-la após um tratamento quimioterápico, e adolescentes e mulheres jovens podem entrar em menopausa precoce.

Nos meninos e homens adultos, a quimioterapia pode abalar a produção de espermatozoides, que ocorre nos testículos, órgão responsável por hormônios sexuais como a testosterona. Alguns tratamentos podem trazer danos permanentes à fertilidade de meninos impúberes, e impactar negativamente a produção de espermatozoides e de hormônios sexuais em adolescentes e jovens adultos.

Diversos estudos mostram o impacto dos diferentes protocolos de quimioterapia na produção dos gametas, mas nem sempre é fácil prever a real toxicidade que um medicamento causará na fertilidade de crianças, adolescentes e adultos. Este efeito depende de múltiplos fatores, como a dosagem, a duração do tratamento, a combinação de drogas, a idade do paciente e a sensibilidade individual aos protocolos.

Portanto, é fundamental que os pacientes sejam esclarecidos quanto às consequências que a quimioterapia pode trazer à fertilidade e quais as opções para preservá-la. Mulheres adultas podem realizar a criopreservação dos óvulos antes do início do tratamento. Caso haja a possibilidade, os óvulos podem ser fertilizados, armazenando-se os embriões resultantes. Técnicas mais recentes permitem a criopreservação do tecido ovariano, viável até mesmo para meninas impúberes.

Após o tratamento, o tecido preservado pode ser transplantado, reestabelecendo o amadurecimento dos óvulos e os ciclos hormonais. Em homens adolescentes e adultos, a opção mais viável é a preservação do sêmen. Técnicas hoje em desenvolvimento visam estabelecer protocolos de criopreservação de tecido testicular que garantam a preservação da fertilidade em meninos que não atingiram a puberdade.

Infelizmente, grande parte das pessoas em tratamento de câncer sofre com a escassez de informações, bem como com dificuldades de acesso a serviços de saúde para preservação da fertilidade. Apoiar a conscientização de pacientes e profissionais de saúde a respeito desse tema, bem como o desenvolvimento de novas pesquisas e a popularização das técnicas de preservação de fertilidade, é essencial para garantir a autonomia reprodutiva e melhor qualidade de vida para pacientes que passarão por um tratamento oncológico nas próximas décadas.

Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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