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Conversando com o inimigo

Bióloga Juliane Ishida investiga a interação entre plantas para salvá-las do parasitismo

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Murilo Bomfim

Talvez você seja cético em relação às pessoas que dizem falar com plantas. Ou talvez seja do tipo que fala com plantas e, a depender da sua própria interpretação, pode ou não ter algum tipo de resposta. Para a ciência, as plantas são, sim, capazes de se comunicar — ao menos entre si.

Assim como nós, humanos, podemos nos comunicar por gestos, pelo olhar, pela fala e até pelo não dito, as linguagens das plantas são diversas. Um exemplo clássico é a troca de informações por substâncias: quando uma planta é lesionada, ela libera moléculas que transitam pelo ar até chegar a suas parceiras, preparando-as para um possível ataque.

Arte ilustra juliane ishida, uma mulher de aparência oriental, com olhos puxados e cabelo preto, longo e liso. em primeiro plano há uma flor rosa e algumas plantas
Ilustração: Valentina Fraiz - Instituto Serrapilheira

É uma forma sutil de se comunicar, mas há outras maneiras ainda mais tênues, imperceptíveis até mesmo a outras espécies — mas não a pesquisadores como Juliane Ishida, professora da Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente, a cientista molecular e bióloga estuda o papel de moléculas de RNA na comunicação entre dois tipos de plantas: uma parasita e sua hospedeira.

Quando pensamos em parasitas de plantas, é comum lembrar de bactérias, fungos e até vírus. Plantas, no entanto, também podem ser parasitadas por outras plantas que, com pouca ou nenhuma capacidade fotossintética, sugam a seiva de uma espécie autônoma a ponto de matá-la. "Quando o parasita é um microrganismo, usa-se um pesticida que mata a bactéria, por exemplo, mas preserva a planta. Mas e quando a relação de parasitismo ocorre entre duas plantas? O desafio é criar uma solução que afete somente a parasita", explica a bióloga.

Exterminar pragas não era um objetivo de Ishida até pouco tempo atrás, apesar de seu interesse pela botânica ser antigo. Nascida na cidade paulista de Suzano, ainda criança ela começou a se aproximar das plantas na casa da avó materna, que mantinha um jardim robusto e variado. Na tevê, via programas sobre ciência e animais, e aos 11 anos já sabia que queria ser cientista – mais especificamente, bióloga.

No ensino médio, a paixão por animais falava mais alto que o interesse pelas plantas, mas um episódio na escola mudou seu rumo. Para estudar o funcionamento de uma enzima específica, um professor realizou um experimento (hoje impensável) que exigia o sacrifício de um coelho. Sem estômago nem para fazer testes corriqueiros em camundongos, ela resolveu enveredar pelo caminho das plantas.

Fez duas graduações (biologia e ciência molecular) e um mestrado em botânica na Universidade de São Paulo. O contato com a parasitologia vegetal só veio no doutorado, feito na Universidade de Tóquio, no Japão. "Quando cheguei, meu orientador disse que gostaria que eu estudasse o tema. Não era o que eu queria, mas não consegui dizer ‘não’", lembra. Originalmente, a ideia de Ishida era trabalhar com o sistema imunológico das plantas. No fim das contas, ela entendeu que os assuntos eram interligados.

Em sua empreitada pelas plantas parasitas, Ishida ajudou a alçar uma espécie ao estrelato. Para evitar o uso de uma peste agrícola em laboratório, o que traria risco da praga se espalhar por aí, ela passou a usar uma outra planta como modelo, a Phtheirospermum japonicum, de genética muito semelhante. Ao tentar submeter a uma revista científica um artigo em que citava a espécie, logo recebeu uma negativa. A mensagem do editor dizia que, após procurar pela planta no Google Acadêmico, apareceram apenas quatro páginas com resultados, três em chinês. A pesquisadora acabou publicando o artigo em outro periódico e, depois disso, a espécie se popularizou entre os cientistas da área. Hoje, a busca do Google mostra mais de 11 mil páginas.

O estudo das plantas parasitas não desperta muito interesse da comunidade científica global. É um problema que surge em áreas de altas temperaturas, baixa umidade e solo pobre, afetando países da faixa tropical, distantes do eixo EUA-Europa. Com a emergência do aquecimento global, no entanto, há o risco de migração das parasitas para países do hemisfério norte.

Apesar desse desinteresse, o tema é relevante: plantas parasitas podem devastar até 100% do cultivo de espécies como cana-de-açúcar, arroz, milho e sorgo. É uma questão no Quênia, por exemplo, onde Mama Sarah (que foi agricultora, ativista da segurança alimentar e avó de Barack Obama) costumava receber agricultores para ensiná-los a manejar as pragas, mesmo sem tecnologias.

Ishida está cada vez mais perto de solucionar o problema. Hoje, ela identificou que, quando atacada por uma parasita, a planta recruta um tipo específico de RNA, o chamado não codificante. Diferentemente dos outros tipos, ele não participa da síntese de proteínas, mas sinaliza eventos que ocorrem no organismo.

O próximo passo é entender precisamente a função desse RNA na relação de parasitismo para, quem sabe, gerar espécies capazes de inibir ou mesmo remover a molécula, criando resistência. No fim das contas, falar com plantas pode, sim, dar resultado.

*

Murilo Bomfim é jornalista.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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