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O perfume da morte

O aroma floral que ajudou cientistas a entender a comunicação entre plantas

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Marcelo L. Campos

No início da década de 60, a indústria de perfumes deparava-se com um de seus enigmas mais cobiçados: a química do cheiro de jasmim. A identidade química da essência adocicada da flor de jasmim era um tesouro cobiçado, uma espécie de Santo Graal dos aromas, só rivalizando com o perfume de rosas. Se desvendado o segredo, aquela fragrância tão apreciada e marcante poderia ser sintetizada em escala industrial, eliminando a necessidade de um custoso e ineficaz processo altamente dependente de flores.

Usando técnicas de ponta para a época, um grupo de químicos franceses liderado pelo suíço Édouard Demole identificou, em 1962, o principal constituinte do odor de jasmim, um composto volátil de natureza lipídica denominado "metil jasmonato". Além de solucionar o mistério por trás daquele perfume, a estrutura química dessa molécula também revelava uma curiosidade: uma incrível semelhança com as prostaglandinas, um grupo de hormônios moduladores do sistema imune em animais.

Arte ilustra uma mulher com um pano na cabeça e luva, que remete a uma camponesa, de olhos fechados cheirando uma flor lilás e segurando um frasco de perfume
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Enquanto para a indústria de perfumes o trabalho de Demole representava o fim de um mistério, para a botânica ele abria as portas de outro enigma. A identidade química do metil jasmonato permitiu que vários grupos de pesquisa ao redor do mundo notassem que a produção desse composto e de moléculas análogas (denominadas jasmonatos) não estava restrita ao jasmim, mas eram sintetizadas por todas as plantas terrestres.

Esses estudos também demonstravam que os jasmonatos possuíam propriedades biológicas curiosas, atuando, por exemplo, como potentes inibidores de crescimento e moduladores de envelhecimento nas plantas. Tais observações serviram como ponto de partida para uma ideia que começava a vigorar na década de 80: os jasmonatos eram mais do que simples perfumes. Sua abrangência em todo o reino vegetal sugeria uma função importante e vital dessas moléculas. Mas qual seria?

O divisor de águas na história dos jasmonatos foi o biólogo americano Clarence Ryan. Pesquisador na Washington State University (EUA), Ryan concentrou seus estudos na interação entre plantas e insetos, investigando um fenômeno interessante presente em tomateiros comidos por besouros. Ao serem atacados, os tomateiros produziam e acumulavam uma grande quantidade de inibidores de proteinase, um grupo de proteínas que deixam a folha menos palatável e mais difícil de ser digerida pelos insetos. Esse cenário pode ser entendido como um mecanismo de defesa da planta, uma vez que o valor nutricional do tecido verde é reduzido, frequentemente levando os besouros à morte por inanição caso não troquem de hospedeiro.

Em meados de 1990, ao montar um experimento padrão de herbivoria, Ryan fez uma observação fortuita: enquanto os tomateiros atacados por besouros produziam inibidores de proteinase (conforme esperado), plantas livres de insetos, mas próximas daquelas herbivoradas, também ativavam mecanismos de defesa. Em outras palavras, ele notou uma forma de comunicação entre plantas para ativar uma resposta coletiva contra os inimigos. Em pouco tempo seu grupo de pesquisa chegou a um composto volátil emitido pelas plantas herbivoradas que servia como um indicador de perigo para outras plantas: o já conhecido metil jasmonato.

A observação de Clarence Ryan foi o pontapé inicial para uma série de pesquisas científicas que alçaram os jasmonatos a um novo patamar. Se nos anos 60 eles eram tidos como meros constituintes de perfumes florais, hoje figuram como um dos mais importantes grupos de moléculas vegetais, sendo descritos como principais reguladores de respostas de defesa de planta contra o ataque de pragas e patógenos. À semelhança da atuação das prostaglandinas para os animais, os jasmonatos são reguladores do sistema imune vegetal. Para as plantas, eles são como um sinal de batalha, promovendo a produção de defesas químicas e estruturais que visam eliminar os inimigos. Para os insetos, são marcadores do início de uma guerra que pode (e provavelmente vai!) lhes custar a vida: um perfume da morte.

A importância dos jasmonatos para as plantas pode ser observada em mutantes incapazes de produzir ou perceber esse grupo de hormônios. Desprovidas da capacidade de ativar respostas de defesa, essas plantas imunossuprimidas são completamente destruídas por insetos e fungos quando inseridas em meio natural. Meu laboratório tem usado tais mutantes em condições controladas de crescimento para identificar novos componentes do sistema imune das plantas. Utilizando essa ferramenta, temos notado que a ativação de respostas de defesa é energeticamente custosa para as plantas, levando à repressão de processos como crescimento e florescimento.

Também estamos tentando entender como os jasmonatos influenciam o comportamento dos insetos, como ocorre a escolha de plantas a serem ou não atacadas. Acredito que essa linha de pesquisa poderá conduzir, em um curto período, à produção de plantas mais resilientes ao ataque por pragas e patógenos, garantindo uma produção agrícola mais segura, mais econômica e muito mais sustentável.

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Marcelo Lattarulo Campos é professor de Botânica no Instituto de Biociências da UFMT e trabalha com a interação entre plantas e insetos.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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