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Descrição de chapéu clima

As verdadeiras ondas gigantes

Do tamanho de arranha-céus, ondas no interior do oceano são cruciais para a manutenção do clima global

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César B. Rocha

Nas últimas décadas, o Brasil tem se tornado uma potência do surfe de ondas gigantes. Maya Gabeira, Lucas Chumbo e muitos outros têm se destacado em competições como as que ocorrem na famosa Praia do Norte, em Nazaré, na costa central de Portugal. Lá as ondas podem chegar a 30 metros de altura, antes de quebrar com estrondo, abafando os gritos de espectadores ávidos e produzindo uma espuma turbulenta que por muitas vezes deixa os surfistas chacoalhando debaixo d’água, como meias em uma máquina de lavar roupas.

Essas ondas, que podem aterrorizar surfistas profissionais experientes, com certeza são muito maiores que as ondas típicas do litoral brasileiro. Mas seu tamanho não impressiona os cientistas. Longe das praias e fora da visão direta de surfistas e espectadores, existem ondas muito maiores, que podem ultrapassar 200 metros de altura. Essas ondas, chamadas internas, são as verdadeiras ondas gigantes.

Um dinossauro preto está andando em um campo de ondas laranjas
Lívia Serri Francoio/Instituto Serrapilheira

Ondas internas são perturbações que se propagam no interior do oceano, entre camadas de água de diferentes densidades. A densidade da água do mar é controlada pela temperatura e pela quantidade de sal: águas mais frias e salinas são mais densas e pesadas que as mais quentes e menos salinas. Em uma situação de equilíbrio, a gravidade organiza verticalmente o oceano, dispondo camadas de águas menos densas sobre as mais densas.

No entanto, com frequência esse equilíbrio é perturbado, de modo que uma parcela de água mais densa, originalmente advinda de uma profundidade maior, é deslocada verticalmente para camadas menos densas, mais rasas. Ao se encontrar rodeado de águas menos densas, esse volume de água, sob ação da força da gravidade, é empurrado para baixo, em direção à sua profundidade de origem, a fim de que o antigo equilíbrio se reestabeleça. Mas, por inércia, essa parcela ultrapassa sua profundidade original. Rodeada de águas mais densas, ela é impelida para cima, buscando o equilíbrio mais uma vez. Ultrapassando sua profundidade original, é mais uma vez puxada para baixo.

Ou seja, uma perturbação inicial produz um movimento de vai e vem das camadas de água que se repete em continuação, até ser dissipado. Tal movimento está associado à propagação de perturbações ––as ondas internas. Diferentemente das ondas superficiais, que se espalham apenas lateralmente, ondas internas também se propagam verticalmente, podendo atingir a superfície ou até mesmo o fundo do mar.

Marés e ventos geram as perturbações que se propagam como ondas internas no oceano. Soprando na superfície do mar, os ventos respondem pelas ondas superficiais, que podem ou não quebrar na praia. Mudanças repentinas no vento, como as que ocorrem com a passagem de uma frente fria, também criam na superfície do oceano correntes oscilatórias, que por sua vez perturbam camadas sub-superficiais, produzindo ondas internas conhecidas como ondas quase inerciais.

As marés são movimentos de vai e vem das águas causados pela atração gravitacional entre os astros, sobretudo a Terra, a Lua e o Sol. Esses movimentos são gerados de maneira uniforme da superfície até o fundo, com camadas de diferentes densidades movendo-se de forma sincronizada. No entanto, ao encontrar obstáculos topográficos, como uma cadeia de montanhas submarinas, as marés perturbam essa sincronia, acarretando ondas conhecidas como marés internas.

Ondas internas estão entre os fenômenos mais energéticos do oceano. Estima-se que os ventos forneçam 0,3 terawatts (TW) para o oceano na forma de ondas quase inerciais, e que as marés convertam outros 1,0 TW para marés internas. Para se ter uma ideia da quantidade colossal de energia movimentada pelas ondas internas oceânicas acumulada ao longo de um ano, 1 TW equivale a aproximadamente 8 milhões de kilowatts-hora (kWh) ou 100 vezes a produção da usina hidrelétrica Itaipú Binacional em 2023.

Nas últimas décadas, os principais locais de geração de ondas internas foram mapeados e sua propagação pelo oceano global vem sendo estudada em detalhe graças a uma combinação de mensurações diretas e indiretas, as primeiras com instrumentos no oceano, as segundas por meio de satélites. As maiores ondas internas observadas, verdadeiras ondas gigantes com altura de arranha-céus, são criadas por marés que oscilam a cada 12 horas sobre montanhas submarinas de milhares de metros de altura. Essas ondas se propagam por milhares de quilômetros, até desaparecer da visão dos satélites.

E o que acontece com esses colossos aquáticos? Pois é, sabemos muito pouco acerca do destino dessas ondas, onde e como elas quebram e dissipam sua quantidade descomunal de energia recebida das marés e dos ventos. Acredita-se que seja a quebra dessas ondas internas –– um processo violento similar à quebra das ondas superficiais na Praia do Norte, em Nazaré, porém em câmera lenta –– que produz a turbulência responsável por misturar águas de diferentes camadas do oceano, mecanismo necessário para a manutenção das correntes oceânicas que redistribuem calor ao redor do planeta.

Estudar as verdadeiras ondas gigantes, de sua concepção à sua desintegração, ou seja, onde são geradas e onde quebram, é fundamental para melhor prever os caprichos do clima global.

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César B. Rocha é oceanógrafo e professor na Universidade de São Paulo (USP).

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, de apoio à ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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