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O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Descrição de chapéu clima maternidade

O clima das novas gerações

O aquecimento do planeta pode afetar a saúde desde a concepção

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Rossana Soletti

Os últimos anos registraram recordes de calor em diversas regiões do globo. Em junho de 2024, a temperatura na Arábia Saudita chegou perto de 50°C durante a tradicional peregrinação a Meca, vitimando centenas de fiéis. Na Grécia, máximas de 44°C determinaram o fechamento de escolas e locais históricos. Em 2023, o Brasil registrou sua temperatura mais alta de todos os tempos —oficialmente foi em Minas, com 44,8ºC—, e enfrentou nove ondas de calor, que atingiram praticamente todos os estados. As mudanças climáticas têm aumentado as temperaturas médias da Terra e tornado os períodos de calor intenso mais longos e frequentes, fazendo do aquecimento um problema global.

Populações especialmente vulneráveis às altas temperaturas, como idosos, gestantes e crianças, estão sob risco maior. Pessoas que nasceram em 2020 presenciarão mais eventos climáticos extremos, como ondas de calor, do que as que nasceram no século 20. As novas gerações deverão conviver mais de perto com os efeitos negativos que as altas temperaturas impõem à saúde, desde a gestação. Nas mulheres grávidas, as alterações fisiológicas e anatômicas dificultam a regulação térmica, o que pode trazer comprometimentos para a saúde materna e fetal.

Uma mulher grávida montada em um boi anda em um pasto vermelho. Ao fundo um céu amarelo e à frente um novilho.
Lívia Serri Francoio/Instituto Serrapilheira

Para avaliar os efeitos do calor no desenvolvimento gestacional, os pesquisadores utilizam estudos epidemiológicos e modelos animais. Vacas, por exemplo, são mais estudadas devido a sua importância econômica. Nesses animais, altas temperaturas podem não só reduzir a fertilidade e a sobrevivência dos embriões, como comprometer o desenvolvimento placentário, fetal e a produção de leite. Efeitos semelhantes são observados em roedores como os camundongos, cuja regulação do sistema imune em resposta ao estresse térmico é semelhante à nossa.

Em humanos, evidências crescentes demonstram que o aumento da temperatura ambiente está associado a um risco maior de desfechos negativos na gestação, como parto prematuro, morte fetal e um baixo peso do bebê ao nascimento. Uma dificuldade dos estudos atuais é estabelecer o limiar de tolerância de temperatura que de fato não acarreta prejuízos na gravidez, já que as pesquisas são feitas com diferentes populações e em diversos climas. Outra dificuldade é compreender os mecanismos pelos quais as altas temperaturas podem interferir no desenvolvimento gestacional. Com a emergência das ondas de calor, as pesquisas nessa área e a busca por soluções para mitigar os impactos do aquecimento serão ainda mais necessárias.

A exposição a períodos prolongados de altas temperaturas pode ser prejudicial também para o desenvolvimento da criança, afetando sua saúde física e mental, e seu bem-estar. O organismo de bebês e crianças se aquece mais rápido e se resfria mais devagar do que o de adultos, tornando esse grupo especialmente vulnerável a temperaturas elevadas. Estima-se que mais da metade das crianças do mundo enfrenta agora o dobro de ondas de calor do que as crianças enfrentavam em 1980, o que também é agravado pela construção de cidades com poucos espaços verdes, muita pavimentação e tráfego intenso.

Não bastassem os efeitos diretos para a saúde, as mudanças climáticas também podem impactar na qualidade e na quantidade de água potável, na produção de alimentos e na poluição do ar. Ainda, a degradação ambiental aliada ao aumento do calor favorece o surgimento de doenças em regiões onde elas ainda não existiam e até mesmo a emergência de novas pandemias.

A possibilidade de um futuro alarmante gera a necessidade de ações imediatas para que ele não se concretize. Além da fundamental redução das emissões de combustíveis fósseis e da preservação e restauração dos ecossistemas, devem ser adotadas atitudes para aliviar os impactos já sofridos pelos mais vulneráveis. Alertas sobre os riscos das ondas de calor devem ser acompanhados de preparação dos sistemas de saúde e de intervenções públicas para aumentar o conforto térmico da população e reduzir a exposição ao calor extremo. O apoio para as pesquisas que estudam a relação entre mudanças climáticas e saúde será cada vez mais necessário.

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Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, de apoio à ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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