Darwin e Deus

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Darwin e Deus - Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes
Descrição de chapéu Congresso Nacional

Projeto de lei contra alterações na Bíblia ignora textos antigos

Até originais em hebraico, aramaico e grego têm variações que estimulam debate

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Alguns colegas desta Folha já se debruçaram nos últimos tempos sobre o estranhíssimo projeto de lei do deputado Pastor Sargento Isidório (Avante-BA), o qual proíbe "qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento em seus capítulos ou versículos, sendo garantida a pregação do seu conteúdo em todo território nacional".

Homem com mão morena mostra pergaminho amarelado em hebraico com texto do livro do profeta Isaías
Manuscrito do livro do profeta Isaías, escrito em hebraico e com mais de 2.000 anos de idade, armazenado no Museu de Israel, em Jerusalém - Gali Tibbon/AFP

Não dá para entender como um projeto desse tipo acabou sendo aprovado de forma quase unânime pela Câmara dos Deputados, considerando a enorme diversidade de traduções e edições das Escrituras que existem por aí. Isso sem falar nos cânones (conjunto de livros incluídos na Bíblia) diferentes que são aceitos por denominações protestantes, por católicos romanos e ortodoxos e mesmo pelo judaísmo. Aliás, em nenhum momento o texto brutalmente genérico do deputado se propõe a definir qual seria a Bíblia "certa".

O menos pior que se pode dizer a respeito do projeto por enquanto é que ele não estabelece pena alguma para quem "não cumprir a lei" a esse respeito. Muitas pessoas ressaltaram, com razão, que a variedade de traduções bíblicas existente hoje, por si só, tornaria a proposta completamente impraticável. Mas gostaria de aproveitar para chamar a atenção para um problema ainda mais básico e complexo.

Mesmo que a Bíblia "canonizada" do pastor e sargento baiano fosse a dos originais hebraicos, aramaicos e gregos do Novo Testamento, a gente estaria diante de um dilema que, na prática, é insolúvel: quais, afinal de contas, são "os originais"?

A questão é que existem, por baixo, CENTENAS DE MILHARES de versões variantes das Escrituras, a exemplo do rolo de pergaminho contendo o livro do profeta Isaías que aparece na foto acima e veio das cavernas do mar Morto. O debate sobre qual seria a "versão correta" a servir de base para traduções da Bíblia AINDA NÃO TERMINOU.

E qualquer edição dos textos bíblicos que se preze hoje em dia deixa isso muito claro por meio de um aparato crítico com introduções, notas, explicações sobre variantes de versículos etc. Acabei de consultar minha Bíblia de Jerusalém acerca de uma passagem no finalzinho do Evangelho de Marcos, por exemplo. Tudo indica que o trecho que fala das aparições de Jesus ressuscitado na narrativa de Marcos foram acrescentadas depois, por outro autor, e a edição nas minhas mãos deixa isso claro, separando-a do corpo principal do texto. Bíblias que seguirem esse padrão estariam proibidas pelo projeto?

Não faz o menor sentido.

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