Quando falamos de ações, é inegável a preferência de investidores por aqueles ativos que pagam dividendos. Entretanto, quando passamos para a renda fixa, aqueles mesmos indivíduos que preferiam dividendos, acabam mudando sua opinião e priorizam títulos que não pagam juros. Parte da justifica é pela crença que os títulos que pagam juros rendem menos. Mas, será que é verdade?
Sim, o pagamento de juros por um título de renda fixa é equivalente ao dividendo em uma ação. Mas, com uma vantagem. Ele é conhecido, ao contrário do dividendo que é incerto.
A vantagem do dividendo de uma ação é que ele pode crescer quase que indefinidamente. Mas, são muito poucos os casos em que isso ocorreu como já expliquei no passado.
Também é importante lembrar que o investimento em dívida de uma empresa é menos arriscado que o investimento em ações da mesma empresa. Isso ocorre, pois as dívidas têm prioridade sobre as ações para recebimento de qualquer fluxo. Portanto, se uma empresa quebra, as ações tendem a perder mais que a dívida.
Por isso, muitas vezes, já mencionei aqui nesta coluna que viver de renda de juros, no Brasil, é mais fácil, seguro e vantajoso do que viver de dividendos.
Comecei o texto com a analogia dos dividendos com juros para desmistificar o tema. Entretanto, o assunto de hoje não é comparar juros com dividendo, mas esclarecer a dúvida de Carlos Jardim nos comentários do artigo de ontem.
Ele escreveu: "Seria possível comentar/ comparar títulos CDB referenciados ao IPCA com os títulos isentos (CRA, CRI e Debêntures) que possuem pagamento de juros e principal antes do vencimento e como isso impacta o rendimento?"
Alguns títulos não pagam juros periódicos. Nestes, o juro é reinvestido no próprio título, ou, no linguajar de mercado, o juro é "acruado" no título. Esse é o caso de CDBs.
Obviamente, CDBs dentro da garantia do FGC são menos arriscados que títulos corporativos. Por isso, estes últimos possuem um rendimento superior.
Entretanto, a dúvida de Jardim não é se um é mais arriscado que o outro, mas se o pagamento de juros periódico seria suficientemente ruim para prejudicar o efeito da isenção e da taxa de juros maior dos títulos corporativos.
A resposta é não.
Tenho falado desde fevereiro sobre como estamos vivendo um momento perfeito para investir em títulos corporativos. Óbvio que o investimento neles precisa ser feito com maior cuidado como já escrevi aqui na coluna.
Vamos à simulação para entender o efeito do pagamento de juros.
O primeiro ponto a entender é que dificilmente você vai conseguir investir em CDBs com prazos superiores a 5 anos. Portanto, para comparar, precisamos usar este prazo de vencimento também para os títulos corporativos. Afinal, em cinco anos de investimento em um CDB, ele vai vencer e o fluxo vai ser todo recebido.
Atualmente, é possível investir em CDBs de cinco anos com taxas de IPCA+6,5% ao ano de bancos médios que só são de baixo risco por causa da garantia do FGC.
Também é possível investir em títulos corporativos de empresas com classificação AAA, com ações listadas em bolsa e com este mesmo prazo e com taxa de IPCA+6% ao ano. Vamos simular o rendimento desse título que possui pagamento de juros semestral, com o CDB acima.
A vantagem deste título corporativo é que, por ele ser isento, seu retorno equivale a um retorno tributado de IPCA + 7,8% aa, quando assumimos o IPCA de 4,5% ao ano.
Considere que o título corporativo é um CRA isento de IR, que vence em cinco anos e paga juros semestrais.
Taxa de reinvestimento dos Juros | Valor Final | Taxa de rendimento total | Rendimento equivalente bruto de IR (Gross up) |
---|---|---|---|
4,50% | R$ 13.270,60 | 5,82% | 7,61% |
5,00% | R$ 13.307,43 | 5,88% | 7,68% |
5,50% | R$ 13.344,64 | 5,94% | 7,75% |
6,00% | R$ 13.382,26 | 6,00% | 7,82% |
6,50% | R$ 13.420,27 | 6,06% | 7,89% |
7,00% | R$ 13.458,68 | 6,12% | 7,96% |
7,50% | R$ 13.497,50 | 6,18% | 8,03% |
A grande incerteza no rendimento total ocorre pelo desconhecimento sobre a taxa de reinvestimento desses pagamentos de juros. Vamos assumir que reinvestimos no mesmo CRA, mas com taxas de juros diferentes.
Assim, vou assumir 7 possibilidades diferentes. O reinvestimento em três taxas menores, três taxas maiores e na mesma taxa. Essas taxas são apresentadas na primeira coluna da tabela acima.
Importante lembrar que se a taxa de reinvestimento dos fluxos for a mesma da aplicação inicial, o rendimento total de um título será o mesmo ele pagando ou não juros. Isso vai ser observado na tabela acima para a taxa de juros de IPCA+6% ao ano.
A tabela acima mostra o valor final obtido com o investimento de R$ 10 mil por cinco anos neste CRA para as alternativas de taxas de juros de reinvestimento dos fluxos. Na tabela apresento apenas as taxas e rendimentos reais, mas os títulos são corrigidos pelo IPCA. Portanto, o montante final do investimento está a valores de hoje.
Perceba que o rendimento total não é tão inferior, mesmo no caso em que as taxas de reinvestimento são significativamente menores que a taxa inicial.
Mesmo no pior caso, considerando que o rendimento isento, o rendimento bruto equivalente será bem maior que a taxa do CDB de IPCA+6,5% ao ano. Esse efeito é apresentado na quarta coluna.
O investimento de R$ 10 mil no CDB a IPCA+6,5% ao ano encerraria com valor de R$ 13.700,87. Entretanto, esse valor seria tributado. Líquido de IR, o valor final seria de R$ 13.145,74. Portanto, pior que no pior caso de reinvestimento do título corporativo acima.
Logo, o pagamento de juros afeta pouco a vantagem relativa dos títulos corporativos isentos em relação aos CDBs, basicamente, pelo efeito da isenção de IR.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
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