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Luiza Pastor

Passarinheiros se multiplicam no país e valorizam a poesia com asas

Número de observadores de aves aumenta no país, que é segundo do mundo em número de espécies

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Em seu belo "Poeminho do Contra", o poeta gaúcho Mario Quintana alerta que "todos esses que aí estão, atravancando meu caminho, eles passarão...Eu passarinho!"

E é passarinhando que um grupo cada vez mais numeroso de turistas nacionais e estrangeiros circula pelas trilhas e matas de todo o Brasil, olhando para o alto, em busca do santo graal da ave mais rara, a mais bela, aquela que falta fotografar para seu álbum particular de figurinhas aladas. Eles são os passarinheiros —mas não aqueles do mal, que capturam e contrabandeiam suas presas, mas os do bem, que só querem observar o que de mais belo a natureza criou e deixá-lo seguir seus voos.

Grupo de finlandeses guiado pelo ornitólogo Bruno Brennó, observa aves no Parque Nacional dos Campos Ferruginosos, na Serra de Carajás (PA) - bruno_renno_birdingno instagram

Passarinhar, que é como definem seus aficionados brasileiros o ato de observar aves conhecido no mundo como birdwatching (literalmente, observar aves), eclodiu originalmente a partir do interesse em história natural da Inglaterra vitoriana. Na época, os estudiosos ou simples amantes do exótico procuravam enriquecer suas coleções com ovos, penas e animais empalhados —não, a preservação ainda não era uma preocupação daqueles tempos. Isso só começaria a ser discutido no final do século 19, quando grupos se organizaram internacionalmente para defender a preservação das espécies na natureza. No lugar das armadilhas, das jaulas e das balas, entravam os binóculos e os olhares atentos.

No Brasil, a passarinhação começou tímida, mas se intensificou nos últimos dez anos, como conta o ornitólogo de Resende (RJ) Bruno Brennó, 40, que há 15 anos se dedica a conduzir turistas ansiosos por avistar as mais de 2 mil espécies de aves espalhadas pelos diferentes biomas do país. A maior parte desses passarinheiros, conta ele, é de turistas estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos e da Inglaterra, onde a atividade é mais difundida.

O ornitólogo Bruno Brennó, guia de observação de aves - bruno_renno_birding no instagram

"Mas nestes últimos dez anos a procura aqui no Brasil também cresceu muito", diz, creditando o interesse ao fato de a informação a respeito da atividade chegar mais facilmente às pessoas com a ajuda da internet e ao incentivo da plataforma colaborativa WikiAves, que reúne informações sobre todas as espécies de aves do país, e é aberta à participação de todos.

"O Brasil é um país que se destaca no cenário internacional em número de aves registradas, são quase duas mil espécies registradas, perdemos só para a Colômbia", afirma Brennó, lembrando que, antigamente, as pessoas imaginavam que, para avistar aves mais diferentes, seria preciso ir para os lados da Amazônia. "Mas em cada região temos um conjunto de espécies típicas, e 250 delas são endêmicas, ou seja, só são encontradas aqui", acrescenta.

Se estrangeiros ainda são maioria entre os passarinheiros, o número de aficionados por aqui cresce exponencialmente. Só na plataforma WikiAves eles já são quase 50 mil, embora Brennó calcule que há muito mais aficionados que não se dão ao trabalho de registrar seus avistamentos no site.

"Porque há várias vertentes", explica ele. "Quem está na plataforma é quem fotografa as aves observadas, mas há os que vão querer só olhar, mesmo, ou até gravar os diferente sons das espécies", acrescenta.

O melhor da passarinhação é que é acessível a todos —e para começar, conta Brennó, "é só abrir a janela e usar o celular". Daí a pouco a pessoa já vai querer comprar um binóculo mais ou menos potente, uma câmera fotográfica caprichada e, pronto, já virou passarinheiro.

Brennó pondera que acontece de determinada ave que é justamente a que o turista veio procurar não dar as caras em seu habitat. "Quem trabalha como guia tem a experiência, conhece os melhores lugares para avistar o alvo da vez, montamos todo um planejamento para tentar maximizar as possibilidades de achar o bicho, mas espécies muito raras podem simplesmente não dar as caras e, aí, o verdadeiro passarinheiro, que tem interesse, acaba voltando para uma nova tentativa", afirma, lembrando de uma situação assim em que o grupo queria avistar o pato-mergulhão, espécie criticamente ameaçada de extinção que só ocorre no Brasil, na Serra da Canastra.

"Seu habitat é lugar com rios, corredeiras, água limpa com bastante peixe, e floresta em volta", define Brennó. "Hoje em dia isso está cada vez mais difícil de encontrar e não depende só da gente", complementa. Na mesma linha de frustração, ele relata as surpresas terríveis de chegar com um grupo de passarinheiros a um lugar onde até há poucos meses havia uma bela mata cheia de vida "e encontrar tudo queimado, morto, desmatado, uma sensação de impotência indescritível".

"Sabe lá o que é você olhar para aquelas pessoas que confiaram em você e ter de dizer, olha gente, infelizmente não posso fazer nada", lamenta.

Japu-de-capacete, espécie que só ocorre no extremo oeste do Brasil, na divisa do Acre com o Peru, e que foi avistada por Bruno Brennó no estado do Mato Grosso.
Japu-de-capacete, espécie que só ocorre no extremo oeste do Brasil, na divisa do Acre com o Peru, e que foi avistada por Bruno Brennó no estado do Mato Grosso. - Divulgação

Mas claro que nem tudo são decepções na lida com tantos seres alados. Brennó conta que um dos momentos mais emocionantes de sua carreira de ornitólogo foi localizar um passarinho que vive na Amazônia, a choca-de-garganta-preta. "É uma ave tão rara que até uns 10, 15 anos, ninguém sabia nada dela, nós localizamos a espécie em Rondônia, numa expedição de pesquisa, e já a incluímos nas viagens dos observadores", diz. Outra espécie que o pegou de surpresa foi o japu-de-capacete, espécie que só aparece no extremo oeste do Brasil, na divisa do Acre com o Peru, e que surgiu a sua frente no estado do Mato Grosso.

E qual é a sensação de passar todos esses anos olhando para o alto em busca do próximo bicho de pena? "Ah, é muito gratificante proporcionar experiências como essas a quem, como eu, tem sonhos de encontrar espécies raras e saber que sou o intermediador", responde, abrindo um grande sorriso.

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