Talvez este seja o Ensaio mais pessoal já publicado aqui. Faz uma semana que enterramos Nuver Der Haroutiounian, minha avó querida, aos 95 anos. Com todos os rituais armênios que ajudam e potencializam os laços – e também a dor – ela foi para a terra e para o céu. Não compreendo a maioria das palavras da liturgia armênia – uma das mais antigas do mundo, celebrada em armênio clássico (krapar) e cantada por um coro – mas sei que elas chegam até o meu eu mais profundo, mesmo não tendo uma religião definida.
Ao invés de só palavras escritas para este Ensaio, decidi trazer também cantos. O poema a seguir é de Hovhannes Tumanyan (1869-1923): escritor, poeta, tradutor e ativista político armênio. Ele é considerado uma das figuras mais importantes da literatura armênia moderna, e suas obras são amadas e apreciadas em toda a Armênia e diáspora.
Os cantos são das músicas litúrgicas compostas por Komitas Vardapet (1869-1935), compositor, etnomusicólogo e padre armênio. Ele é considerado uma figura seminal na música armênia, tendo coletado, transcrito e preservado milhares de canções folclóricas armênias e curdas, bem como tendo composto suas próprias peças musicais. Quando eu era pequena e entrava no carro dos meus avós, por muitas vezes, este era o CD que estava tocando. Desde então gosto de escutar, seja onde for, esses cantos.
Uma homenagem para essa mulher, com quem vivi histórias armênias profundas de longe e de perto.
Luto Armênio
O luto armênio é um presente,
Um mar sem fundo, sem fim.
Naquela vastidão escura minha alma flutua,
Lamentosa, em dor mortal.
Agora, furiosamente, ela se ergue
E busca a costa azul,
Agora, cansada, ela desaparece,
Buscando paz nas profundezas.
Mas ela não consegue encontrar o fundo,
Nem pode alcançar a costa...
Na queimadura das tristezas armênias
Minha alma languidece eternamente.
1903
Nuver Der Haroutiounian - 1927-2023
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