Haja Vista

Histórias de um repórter com baixa visão

Haja Vista - Filipe Oliveira
Filipe Oliveira

Guias voluntários e pessoas com deficiência vão da caminhada à maratona em SP

Organização promove encontro entre quem deseja treinar junto

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São Paulo

Eu não levantaria da cama e tiraria o pijama antes das sete da manhã neste domingo gelado se houvesse alguém esperando.

Ainda sei pouco sobre a moça que chega de carro na porta de minha casa assim que termino o café. Foram só algumas mensagens de voz para trocarmos endereços e decidirmos se nos encontraríamos em alguma estação de Metrô ou se ela me pegaria em casa.

Aceitei a carona. Toda energia que pudesse ficar guardada para o que viria logo mais era importante. Quando alguém deixa as cobertas cedo só para que você corra no Parque do Ibirapuera em um dia frio, você se sente no dever de deixar a preguiça de lado e entregar ao menos uns bons cinco quilômetros de corrida, não é mesmo?

Conheci neste ano a Achilles International Brazil, uma ONG que dá suporte para que atletas com deficiência pratiquem corrida de rua e caminhada.

O principal apoio é oferecido por guias voluntários que, antes de estarem habilitados, passam por orientação e acompanham uma série de treinos liderados por guias mais experientes.

Mas o que conheço mesmo é a experiência da pessoa com deficiência que corre ou anda, que ficam com o título de atletas no grupo. Basta informar no meio da semana em que parque de São Paulo quer correr, se prefere sábado ou domingo, em qual horário. Também se informa qual a expectativa de velocidade e quilometragem.

Na sexta-feira, vem uma lista com os atletas com deficiência e quem será o par de cada umfeita considerando o desempenho de quem se inscreveu para treinar na semana. Sem burocracia, aborrecimento ou furadas. Na verdade, por vezes vem até três ou quatro guias para mim em um único dia. Ou seja, fazem match muito melhor do que o Tinder.

Na corrida, guia e atleta com deficiência visual seguram uma cordinha que os conecta o tempo todo. Por ela, sem precisar que ninguém diga nada, são transmitidas boa parte das informações para que a dupla vá em segurança. Quando há mais de uma pessoa guiando, quem não está me levando costuma ajudar a abrir caminho ou protege um dos meus lados. Os guias também são orientados a descrever cenários e o que mais de interessante virem pelo caminho.

Como eu disse no início, ter alguém que sai de casa para correr ao lado faz a gente querer mostrar serviço, aguentar um pouco mais para não decepcionar. Mas, na verdade, não precisa. No grupo está desde pessoas cegas que correm maratonas até quem já fica muito contente com uma caminhada. Uma das coisas que os guias mais falam é que nós, atletas, definimos o ritmo.

Além dos treinos, atletas e guias também participam juntos de provas de rua. Ainda não estive em nenhuma delas, nmas me parece uma ótima oportunidade para conhecer os outros atletas que fazem parte do grupo e experimentar novos trajetos.

Eu já queria correr em parques há alguns anos, mas sempre foi difícil encontrar alguém disposto e disponível para manter uma rotina de treinos. Por isso, gosto de tentar investigar com os guias o que os motiva a fazer tanto por pessoas que, quando chegam à organização, eles ainda nem conhecem.

É uma daqueles coisas que parecem simples, mas pode ser difícil de colocar nas palavras exatas. As respostas incluem desde o singelo "Vi alguém guiando e achei legal" e vão até as mais transcendentes, tratando da necessidade de fazer o bem.

Fiz minha entrevista hoje com a Mariana, minha guia deste domingo. Ouvi dela que, depois que começou a correr com pessoas cegas, passou a não haver muito sentido em participar de uma prova se não for para levar alguém. E que ela também não iria sair da cama se eu não estivesse ali para correr com ela.

Que possamos sempre encontrar pessoas que deem sentido para levantarmos cedo e enfrentar ass corridas de todos os dias.

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